Luanda - Em pleno dia da nossa dipanda e já por volta das 19h00, notei aflição de uma pessoa próxima (aqui identificada por Luena, afim de salvaguardar a sua identidade) que ao telefone acabava de ser informada sobre a ofensa à integridade física grave à sua progenitora, algures na nossa urbe e que pela qualidade do agressor o acto consubstanciava-se em violência doméstica. Além de prestar a minha disponibilidade e apoio para socorrer a vítima, eis que Luena farta com a situação questionou-me o que ela poderia fazer diante de tal situação. Depois de uma aturada abordagem sobre o assunto, a mesma decidiu denunciar tal acto junto aos órgãos policiais por tratar-se de um crime público.

Fonte: Club-k.net

Entretanto, depois de algumas voltas a procura de uma unidade policial na sua circunscrição, tivemos que dirigir-nos a DPIC (Direcção Provincial de Investigação Criminal). Postos no Piquete, já por volta das 23h00, abordamos o agente em serviço e de pronto Luena informou-o que pretendia denunciar um caso de violência doméstica.

Para sua surpresa o agente questionou se a vítima fazia-se presente no local. Ao ser-lhe dito que a mesma encontrava-se em casa, por isso tratava-se de uma denúncia, o mesmo afirmou categoricamente e com alguma arrogância - que de resto é muito característico a muitos agentes da Policia Nacional – que não podia elaborar o auto de ocorrência pelos seguintes fundamentos:


Porque a Sra. Luena, no caso a denuciante, não é a vítima.

Tinha que ser a própria vítima a fazê-lo, devendo para o efeito deslocar-se até cá. Pois, uma coisa é o que diz a lei e a outra é o que nós cá fizemos.

Notando mais uma vez a aflição e o desespero de Luena, decidi intervir, sem contudo identificar-me, esgrimindo os fundamentos seguintes junto ao agente em serviço no piquete:

A luz da Lei Contra a Violencia Doméstica (Lei 25/11 de 14 de Julho), o procedimento criminal pode ser despoletado a partir de uma denuncia e não necessariamente por meio de uma queixa. A denúncia pode ser feita por qualquer pessoa ou autoridade que tenha conhecimento do facto criminoso. Art.º 24º/2.

A Violência Doméstica, tipifica-se como um crime público (ver art.º 25º/1 da Lei 25/11). Neste caso a acção penal é pública e compete ao Ministério Público, mas concretamente os seus órgãos com competência para efectuar a instrução preparatória (DNIC/SIC) exerce-la, desde que lhe tenha sido feita queixa ou denuncia. Esta regra é estabelecida no art.º 1º Decreto Lei 35007, que consagra nesta matéria o principio da oficialidade.

A queixa ou a denúncia pode ser apresentada verbalmente, por escrito, por telefone, por via electrónica ou outra via bastante, perante autoridade policial ou ao Ministério Público. Art.º 24º/4.

A Lei 25/11 como qualquer outra lei dever ser escrupulosamente cumprida quer pelos órgãos que têm competência de aplicar, quanto pelos seus destinatários, sob pena de violar-se o princípio da legalidade ou seja não se pode buscar vias não legais para agir.

Somente após essa intervenção e decorridos cerca de meia hora, é que o agente em serviço, calçando chinelas, “improvisadamente” elaborou o auto de ocorrência, tendo pedido para voltar numa data posterior.


Pela minha convicção que não tratou-se de um caso isolado, porque pareceu-me ser um modus faciendi, decidi torna-lo público e questionar o seguinte:

Tratou-se de facto de insuficiência e desconhecimento do procedimento criminal que a Lei 25/11 Contra a Violência Doméstica impõe para esses casos ou faltou apenas pró actividade por parte do efectivo que se encontrava em serviço?

Quantos co-cidadãos nossos são mantidos nas garras dos agressores ou seja continuam na condição de vítimas de violência doméstica nos últimos 40 anos, devido a má abordagem do caso por parte dos nossos órgãos policiais?

Julgo serem questões que exigem bastante reflexão e discussão pública devido a sua transversalidade e pelo efeito em cascata aos outros serviços públicos. Neste particular, deve-se exigir do Ministério de Tutela acção imediata:

1º. Para doptar os seus efectivos de melhor conhecimento e domínio essencial dos instrumentos que servem de ferramentas de trabalho no seu quotidiano, isto é, da legislação vigente, proporcionando seminários, palestras e outras sessões de capacitação e formação.

2º. Responsabilizar, conforme os casos, disciplinar, civil, e criminalmente os seus efectivos pela forma desinteressada e/ou irresponsável que intervêm, sempre que são solicitados a fazerem-no, de que resultem violação dos direitos ou prejuízos para os cidadãos. Art.º 75º da Constituição da República de Angola.

Portanto, precisamos todos unir sinergias para prevenção, combate e punição de todos os agentes dos actos de violência doméstica nas suas várias formas. Art.º 1º e 2º da Lei 25/11 Contra a Violência Domestica.


N’junjulo António

Jurista