Luanda - O constitucionalismo “liberal” democrático moderno “obriga” os Estados a garantirem aos seus cidadãos direitos fundamentais do homem, elencados na Declaração Universal dos Direitos Humanos Adoptada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (resolução 217 A III) em 10 de Dezembro 1948. Importa reiterar que esses direitos só ganham força jurídica se constarem do ordenamento jurídico interno de um determinado Estado, do contrário são apreciados em sede das distintas comissões das Nações Unidas como o caso da Comissão de Direitos Humanos.

Fonte: Club-k.net

Entretanto, um desses direitos fundamentais, por extensão interpretativa é o direito do arguido ou réu (àquele sobre quem recaia forte suspeita de ter perpetrado uma infracção, cuja existência esteja suficientemente comprovada) de ficar calado e não prestar declarações ou de o fazer apenas na presença de advogado de sua escolha ou ainda de não fazer confissões ou declarações contra si próprio. Esse direito é acolhido pela Constituição da República de Angola no artigo 63º nas alíneas f) e g).

 

No âmbito do processo penal somente as questões sobre a identificação e sobre os antecedentes criminais do réu são as que assumem um carácter obrigatório e que o silêncio ou a falsidade nas declarações da parte do réu incorrem em pena de desobediência ou em pena de falsas declarações, conforme o caso. Ao passo que, as questões cujo escopo seja matéria de culpa, o réu não é obrigado a dizer seja lá o que for. Esta acepção encontra o seu fundamento no facto de o próprio juiz antes de começar qualquer interrogatório voltado a matéria de que o réu é acusado, ter como dever adverti-lo que não é obrigado a responder às perguntas que lhe serão feitas. Art.º Art.º 254º e 425º § 1º do Código de Processo Penal Angolano (CPP).

 

O interrogatório em audiência é feito para proporcionar ao réu a possibilidade de defender-se e ao mesmo tempo poder contribuir para que se esclareça a verdade e não de obter elementos para a sua condenação. Portanto, o silêncio do réu consubstancia-se numa declaração de que não deseja dizer nada ou que transfere a competência ao seu advogado. Art.º 425º § 1º CPP. Deve-se por conseguinte entender que a recusa de responder não significa que o réu esteja a assumir a culpa. Conforme referido acima, trata-se de um direito conferido pela lei e o réu é livre de definir a forma como deseja usar esse direito para a sua defesa. Todavia, essa posição do réu não impede que o juiz levante qualquer pergunta sobre qualquer facto ou elemento que julgue relevante à descoberta da verdade. Art.º 425º § 3º CPP. Cabendo ao advogado garantir que o seu constituinte (réu) não seja submetido a uma situação de obrigatoriedade de responder às perguntas do juiz ou do Ministério Público.

Neste sentido o processo penal é numa perspectiva formal, limitado por princípios próprios. Segundo esses princípios o arguido ou o réu enquanto titular do direito de defesa, é um sujeito processual activo que pode determinar certa direcção do processo penal.

 

Portanto, nestes termos e pela disposição constitucional e do nosso ordenamento jurídico ordinário, as abordagens feitas no sentido de repudiar o réu que diante das perguntas feitas em interrogatório, encontra no silêncio a forma de defender os seus interesses em juízo, são tidas como falácias, infundadas e juridicamente irrelevantes. Porquanto representam escamoteamento de um direito fundamental e inalienável de qualquer arguido ou réu, independentemente das suas convicções quer políticas quanto ideológicas ou da acusação que sobre si recaia, ressalvando sempre melhor entendimento.

 

N’junjulo António

Jurista