Luanda - Adelino Marques de Almeida é político e jornalista. Já foi deputado da Assembleia Nacional pelo MPLA e chefe do Departamento de Informação do seu partido. Foi também director da Televisão Pública, da Rádio Nacional e do Jornal de Angola.

"Devemos dar alento à luta contra a improbidade e ostentação de riqueza"
Fonte: JA
É precisamente em entrevista a este jornal que Adelino de Almeida expõe o que pensa sobre a vida política, económica e social do país e fala no que pode vir a ser Angola no futuro. Numa alusão ao respeito pela soberania, diz que “o país será o que nós quisermos, se tivermos arte e engenho suficientes para denunciar e tirar o adversário das tocas e acertar-lhe com o golpe de misericórdia nas urnas”.

Formado no Instituto Jugoslavo de Jornalismo, Belgrado, em 1978-1979, este homem de comunicação revela enorme satisfação pelo facto de terem sido estabelecidas as bases para a reconciliação genuína entre todos os angolanos, a reconstrução do essencial do país, a entrada para o desenvolvimento económico, o pleno usufruto das garantias e direitos dos cidadãos consagrados na Constituição.

Adelino de Almeida aconselha os angolanos a não deixarem de reconhecer os passos gigantescos que foram dados pelo Estado angolano para unir fisicamente o país e fortalecer a auto-estima nacional.

Como é que prefere ser tratado: comentarista, jornalista ou político?
Sou um político que utiliza as ferramentas da técnica jornalística para fazer política. Nas condições do nosso país, que se confrontou com o colonialismo e as suas sequelas, teve de fazer face às agressões externas e à subversão interna, um jornalista não pode colocar-se “em cima do muro”. Pelo menos, resisti aos cantos de sereia que apelam à isenção perante as tentativas de subjugação de Angola aos ditames do Império.

Como vê o país 40 anos depois, particularmente nestes 13 anos de paz?
Sinto-me orgulhoso de ser cidadão de um país livre e independente. Que venceu a guerra de agressão e eliminou o essencial da subversão interna, corporizada pela FNLA e pela UNITA de Jonas Savimbi. É com enorme satisfação, júbilo até, que verifico terem sido estabelecidas as bases para uma reconciliação genuína entre todos os angolanos, a reconstrução do essencial do que foi destruído pela guerra e a entrada para o desenvolvimento, o pleno usufruto das garantias e direitos consagrados na Constituição e, não menos importante do que tudo isso, a entronização – ainda que de forma incipiente – da regra do mérito, que tem muito a ver com a desejada qualidade da Educação, um sector de actividade que não se compagina com atitudes e práticas discriminatórias. É o estabelecimento de políticas que levem à igualdade de oportunidades, tendo como centro um sistema público de Educação de qualidade, que valoriza a unidade na diversidade. É aí, suponho, que está a chave para ultrapassarmos, decisivamente, preconceitos como o etnicismo, o tribalismo, o racismo e o regionalismo.

A actual conjuntura, marcada pela desaceleração do ritmo de crescimento económico, deve ser motivo de grande preocupação?
Convenhamos que não podem ser dificuldades conjunturais, independentes do desempenho do Governo, que nos irão desviar do caminho certo. Deixar de reconhecer os passos gigantescos dados pelo Estado para unir fisicamente o país e fortalecer a auto-estima dos nossos concidadãos, dentro e fora do país, é um exercício inominável. De tal sorte que caem por terra as peregrinas ideias samakuvianas de que Angola “precisa de uma nova Independência”, tanto como as elucubrações de Chivukuvuku, para quem o colonialismo português teria cedido aos “colonos angolanos”. Ele chama a esse arroto “teoria da substituição”, pseudo-tese que arrancaria nota zero a um júri constituído para apreciar os exames de quarta classe de qualquer escola primária deste país. É certo que a conjuntura marcada pela desaceleração dos ritmos de crescimento da economia – não confundir com recessão, como lembrou recentemente o Presidente José Eduardo dos Santos – convoca adversários e inimigos para o palco. Multiplicam-se as opiniões de think tankers, elaboradas no conforto de centros de análise instalados no exterior do país, alimentados porventura por informações “independentes” dos seus serventuários locais. Até aqui nada de novo. E não será nova a atitude serena mas firme com que as autoridades legítimas de Angola lidarão com esses epifenómenos. Que o digam os chamados “revus”...

O que ficou por se fazer volvido este tempo?
Não temos como nos furtar aos efeitos do, chamemos-lhe assim, “fogo amigo” ou “danos colaterais”, resultantes da arquitectura da economia de mercado, em contraposição à falência do “socialismo científico”. Ainda assim, acredito, devemos dar alento à luta contra a improbidade, a opulência e a ostentação de riqueza, nem sempre obtida de forma justa e honesta. O nosso foco deve manter-se na luta contra a pobreza e a miséria. É assim que entendo e aprecio os esforços do MPLA, e do Governo que sustenta, ao anunciar para o próximo ano despesas de cerca de metade do Orçamento do Estado para o sector social. Ainda não ouvimos os aplausos das oposições.

Angola tornou-se num país democrático e de direito na década de 90. Hoje, diante do cenário político em que intervêm poucos partidos políticos com diferentes ideologias e perspectivas, que avaliação faz do trabalho desenvolvido por estas formações?
Ainda bem que o MPLA se demarca dos diferentes actores pelo seu perfil político-partidário nacional, independente e progressista, baseado numa perspectiva política de esquerda dinâmica, defendendo os ideais de paz e de bem-estar, de liberdade e democracia, de igualdade e justiça social, solidariedade e humanismo, conforme determina o seu Programa. A existirem programas políticos distintos dos nossos, como existem de facto, vê-se bem das nossas diferenças idiossincráticas, não faltando às oposições o desejo ardente de revanche, ao entenderem o exercício do poder como o achado de uma panela cheia de comida que se deve comer rapidamente, não vá o sucessor encontrar sobras...Em boa verdade, esses partidos estão condenados ao fracasso, o que não elimina, no entanto, a necessidade de intensificação e sofisticação do trabalho de mobilização, sedução e conquista, reduzindo factores de risco para a manutenção do poder político pelo MPLA, como o aparente auto-afastamento de alguns sectores da população, por sinal dos mais instruídos e susceptíveis às “ondas de choque” proporcionadas pela desinformação produzida na ex-metrópole e arredores.

Os partidos têm, na sua opinião, a seriedade e a visão que se impõem para a jovem democracia angolana?
Não é sério o suficiente quem vai advogar em Lisboa, junto dos antigos colonizadores, uma nova Independência para Angola, não é sério quem advogou a “somalização” do país, nem é sério quem identifica o MPLA como o substituto dos colonos portugueses. São faces da mesma moeda, que vêm do programa de Muangai, que objectiva para o nosso já sofrido país a implantação de uma “República Negra Socialista”. Os “federalistas” demonstram, eles também, um profundo desconhecimento da alma angolana, dos angolanos que não se cansam de repetir que, de Cabinda ao Cunene, somos um só Povo, uma só Nação! Já os “revus”, Rafael Marques, José Eduardo Agualusa, João Adelino Faria, João Soares, as manas Mortágua, Catarina Martins, Francisco Louçã e o Bloco de Esquerda local, para só citar estes, são... um nado morto! As oposições angolanas ao partido no poder, diga-se, precisam de reinventar-se, se disso forem capazes. Não me parece que lhes esteja no ADN.

O longo conflito militar em Angola é entendido de várias formas: “guerra civil”, “conflito interno” com influências externas ou mesmo uma extensão da chamada Guerra Fria. Qual é a sua visão?
Porque é de uma opinião que me é solicitada, sem prejuízo do rigor que os especialistas em história e em politologia poderão emprestar a este debate, defendo que Angola foi objecto de uma intervenção política e militar em grande escala por parte da África do Sul do apartheid e do Zaire de Mobutu, com o alto patrocínio dos Estados Unidos da América, entre outras potências ocidentais, para a qual concorreram os seus aliados locais, a UNITA e a FNLA, no âmbito da clivagem Leste/Oeste. O MPLA, depositário das tradições de luta do povo angolano, resistiu as invasões estrangeiras, tendo beneficiado da ajuda exemplar de Cuba e da então União Soviética. Ao manter a sua independência e integridade territorial, Angola tornou possível a independência da Namíbia e do Zimbabwe e a eliminação do apartheid na África do Sul. Eliminados os factores externos, o Governo angolano neutralizou, primeiro, a FNLA de Holden Roberto, tendo promovido uma política de clemência que acomodou os seus principais responsáveis. Em seguida, enfrentou e derrotou, inapelavelmente, a UNITA que, recorde-se, chegou a controlar manu militari cerca de 70 por cento do território nacional. O corolário de todo esse processo foi a liquidação física, em combate, de Jonas Savimbi, chefe da UNITA, em 2002, na província do Moxico.

A narrativa que faz sobre o modo como se desenrolaram os acontecimentos não é demasiadamente áspera para o momento que o país vive?
Acredito que esta narrativa possa magoar algumas pessoas mais sensíveis, o que lamento. Mas o processo de reconciliação nacional não pode escamotear ou reinventar a História. Não vejo como erguer estátuas de Holden Roberto e Jonas Savimbi ao lado do Presidente Agostinho Neto. Nem junto de José Eduardo dos Santos. Se as novas autoridades de Pretória assim o permitissem, fotografias de Savimbi poderiam ser exibidas, sim, no Museu do apartheid. Ou as de Holden Roberto, nas paredes nuas do Palácio de Gbadolite, onde o marechal-presidente com ele privou. Isso se o Presidente Kabila aceitasse a sugestão, é claro...

Como analisa o actual momento político e económico do país e a relação entre a situação económica e a política. Que soluções aponta?
Lénine dizia, salvo erro, que a política é a condensação da economia. Ambas estão, intimamente, ligadas. Sendo certo que o panorama económico e financeiro é marcado pela descida do preço do nosso principal produto de exportação e a consequente redução do rendimento nacional, isso repercute-se, negativamente, no ritmo de execução dos programas nacionais de afirmação, na resolução dos nossos problemas. Vem daí a satisfação incontida dos analistas ultramarinos, e não só, que se deleitam ao prognosticarem os mais sombrios cenários para o nosso futuro próximo, apocalípticos mesmo. Os nossos críticos e detractores gostam de lembrar que as oportunidades para diversificar a economia foram desaproveitadas nos períodos de expansão. Mas isso não é totalmente verdadeiro. Ignora-se, deliberadamente, que a escassez de recursos, que não é de hoje, para apoiar a diversificação, leva a que seja necessário recorrer aos mercados e isso encarece o processo. Ignora-se, ainda, que o financiamento interno suporta apenas 65 por cento do investimento, abaixo da média dos países em desenvolvimento.

A agricultura, apesar dos riscos “naturais” que apresenta, é uma importante solução para a situação económica do país?
A agricultura afigura-se ainda como um sector de risco, pela ausência de seguro agrícola, ou, melhor dito, por ausência de experiência na análise de planos de negócios no sector. Ao que se somam limitações nas competências de gestão por parte do empresariado nacional, nomeadamente, dificuldades na elaboração de planos de negócios. Numa aula magna dada pelo Dr. Abrahão Gourgel em Junho deste ano, no Centro de Formação Política (CEFOP) do MPLA, foram referidos, precisamente, esses elementos. Para ele, a aspiração máxima do programa executivo de diversificação da economia consiste na promoção do desenvolvimento sustentável da economia, aumentando a riqueza não petrolífera produzida, promovendo o emprego e melhorando o comércio de bens e serviços com o exterior. Para isso, é necessário dinamizar os “clusters” estruturantes da alimentação, agro-indústria e pescas, a cadeia produtiva do petróleo e do gás natural, a habitação, o turismo, o lazer e outros serviços, e, finalmente, água e energia, transportes e logística.

Na sua opinião, o papel do Estado neste processo deve ser de intervenção directa ou de mero regulador?
Está decidido que ao Estado compete a liderança na estruturação dos “clusters” principais e sua regulamentação, maximizando o aproveitamento dos recursos nacionais, o papel de aceleração dos grandes investimentos públicos e o de coordenação dos esforços. O Estado afirma-se como arquitecto da diversificação. Quanto ao empresariado angolano, cabe-lhe a liderança de projectos ao longo da cadeia produtiva, aproveitando aspectos como a incorporação local e a concessão das operações, assumindo papel central nos serviços domésticos, tendo em consideração o seu profundo conhecimento da realidade local. Já ao empresariado internacional, é-lhe dado um papel relevante na aceleração do desenvolvimento de projectos para os “clusters” principais, o estabelecimento de parcerias com operadores locais para a transferência de know-how e para a operação de infra-estruturas, aportando conhecimentos distintivos e tecnologia de ponta, assim como capital para projectos promotores da diversificação.

É esta a visão que deve ser o pilar para o que deve ser o nosso porvir, na sua opinião?
É esta a visão clara, fundamentada e escalonada no tempo, do que deve ser o nosso porvir. É isso que nos distingue, indiscutivelmente, das diferentes... oposições. O MPLA e o Governo têm propostas concretas para a resolução dos problemas do povo e do país, contrariamente aos arautos da desgraça, que se excitam de modo exuberante a cada oscilação negativa do preço do crude, antecipam referendos à Constituição de 2010 para permitir “eleições independentes” ao cargo de Presidente da República ou ainda aos que se propõem ressuscitar mortos de morte matada durante e na sequência da intentona de 27 de Maio de 1977.

Como projecta o país a médio e longo prazo?
O país será o que nós quisermos, se tivermos arte e engenho suficientes para denunciar, isolar, tirar o adversário das tocas onde se acha entrincheirado, forçar que se ponha a descoberto, em terreno plano e assestar-lhe então o golpe de misericórdia. Nas urnas, obviamente. Teremos prestado, assim, um bom serviço à Nação. Não disse o grande escritor soviético N. Ostrovsky que fomos temperados pelo aço? Pois bem...