Kwanza Sul - Cerca de 400 famílias foram desalojadas para dar lugar à construção da residência do governador do Kwanza-Sul. Os antigos moradores queixam-se de terem sido obrigados. O governador nega e garante que até os salvou, porque a zona é “de risco”.

Fonte: NG
A administração municipal do Sumbe desalojou, há mais de um ano, perto de 400 famílias do bairro da Pomba Nova, na zona leste da cidade. As casas eram todas de bloco. A construção da residência do governador do Kwanza-Sul, Eusébio Teixeira de Brito, foi a razão apresentada para a retirada dos moradores, que se queixam de terem sido forçados.

O Centro de Documentação e Informação (CDI) do Governo Provincial do Kwanza-Sul confirma que a obra da zona alta da Pomba Nova é “propriedade privada do general Eusébio de Brito” e que a ocupação do se deveu ao facto de a zona estar abandonada. No entanto, o CDI rejeita que os moradores da Pomba Nova tenham sido despejados de “forma arbitrária” e garante que as casas se “encontravam em zonas de risco”, por se situarem “perto da estrada”, numa propriedade do Estado, que pertencia às antigas forças da Organização de Defesa Popular (ODP).

A mesma ideia tem o administrador do Sumbe, Américo Alves Sardinha, que argumenta que a decisão só “salvou a vida dos moradores”, reforçando que havia casas em “péssimas condições”.

As famílias desalojadas foram reassentadas numa zona sem acesso a serviços básicos de saúde e sem electricidade, actualmente denominada Bairro do ‘Atuco 1’, onde, para além de tendas e das poucas construções de pau a pique, só há uma vasta mata.

Distante do rio – o mais perto é o Combongo, na sede do Sumbe, a cerca de 10 quilómetros – as famílias servem-se de uma cisterna de água com capacidade para 30 mil litros distribuídos duas vezes por semana pelos serviços de Protecção Civil e Bombeiros. No terreno, são visíveis as condições: tendas em mau estado de conservação, terrenos acidentados, falta de electricidade e iluminação e, ao anoitecer, forte presença de insectos.

Um dos afectados por essa deslocação é Segunda Marcolino, hoje o coordenador do novo bairro, que garante que foi o próprio general Eusébio de Brito que comunicou, no terreno, durante uma visita ao local, que iria proceder ao desalojamento das famílias, mas dando como garantia a construção de novas casas numa zona que tinha sofrido trabalhos de desmatação e terraplanagem.

As promessas não foram cumpridas e o governo provincial adoptou outro método: distribuição de cimentos, chapas e licenças de construção autodirigida. De acordo com Segunda Marcolino, apenas uma vez foi feita a distribuição de cimento, quando o governador e alguns membros do governo provincial visitaram, pela primeira vez, entre Abril e Maio, o bairro Autuco 1. A equipa governamental levou dois mil sacos de cimento, distribuídos a 57 dos 400 moradores. A cada um coube 35 sacos, mas que “não se faz muita coisa”, lamenta Segunda Marcolino.

Parte das obras foi erguida por fundos dos próprios moradores. A única assistência é dos serviços de Protecção Civil e Bombeiros, que fornece água, mas “a distribuição é muito reduzida”, queixa-se o coordenador. As pessoas continuam a viver em tendas e em casas de chapa e os moradores apelam à ajuda para terem casas e apoio médico.

“Não forçados”

Outro ex-morador Zezito Jordão Manuel conta que Eusébio de Brito se deslocou várias vezes ao bairro para “pressionar a população” a ir para outra zona indicada pelas autoridades. “Ele vinha acompanhado, por vezes, de vários militares, e vimo-nos mesmo ameaçados a deixar as nossas casas”, revela Jordão Manuel, também ele à espera de uma parcela de terreno.

No entanto, o governador nega que tenha feito um desalojamento forçado e garante que, onde está hoje a obra, “na margem esquerda era o quartel da ODP e, mais abaixo, eram pocilgas e currais da ODP”.

Nas imediações do local onde se prevê que Eusébio de Brito construa a casa, espera-se também o surgimento de casas protocolares para funcionários e outras infra-estruturas públicas.

Actualmente, Eusébio de Brito vive numa casa arrendada, nos arredores do Sumbe, pelo facto de o actual palácio do governador estar com obras de reestruturação.

Chuvas ‘comem’ casas

À situação das 400 famílias associa-se o drama de cerca de seis centenas de famílias que moram perto do palácio do governador, na zona conhecida por ‘Frimar’. Na última semana, perderam as residências em consequência das fortes chuvas que caíram sobre a cidade. Duas crianças morrerem e houve a destruição parcial de uma manilha perto de uma das pontes da Estrada Nacional número 100, no Porto Amboim, de acordo com informações dos serviços de bombeiros e da Direcção Nacional de Estradas, no Kwanza Sul.

Os moradores, vítimas das chuvas, foram colocados numa zona mais a norte do Sumbe, perto de onde foram recolocados os ‘desalojados do governador’, como ficou conhecido o caso. Foi montada uma unidade sanitária de campanha e um posto móvel da unidade de polícia, que reporta ao comando municipal.

Os meios ‘improvisados’ de saúde e os de fornecimento de água não respondem às necessidades dos ocupantes de uma vasta mata densa, a mais de 10 de quilómetros da cidade sede. Quem testemunha os maus momentos por que passam as vítimas das chuvas, no Sumbe, é o segundo soba da região, Jorge Augusto: “Aqui estamos a precisar mesmo de tudo: não temos saúde, porque os enfermeiros que aqui trabalham chegam às oito horas e, ao meio dia, quase já não está aí ninguém. E é ao anoitecer que muitas famílias apresentam problemas de saúde”.

Água turva no rio

O aumento do caudal do rio Combongo é a principal consequência quando se abatem fortes chuvas. Desta vez, como constatou o NG, as chuvas alteraram a qualidade das águas consumidas assim como fechou a circulação entre as principais ruas da cidade.

A qualidade das águas no Sumbe é um facto de que os moradores dizem já estarem “cansados de se queixarem”, mesmo ao fim de 38 anos e de sete governadores indicados para a província. Do primeiro governador, Luís Doukui Paulo de Castro, ao actual, Eusébio de Brito Teixeira, já foram feitas várias obras de intervenção ao sistema de abastecimento das águas.

Actualmente, está em curso, no entanto, mais uma obra de melhoria naquele centro de tratamento de água potável distribuída à cidade. Para os que vivem na periferia e arredores do Sumbe, o recurso tem sido o transporte directo do rio, através de baldes e outros recipientes, e por cisternas para os possuidores de tanques.

O NG procurou contactar a direcção das águas e da saúde pública na província e a empresa Puentes Construções,a quem foi adjudicada a obra, mas não obteve sucesso.