Luanda – A Associação Angolana dos Direitos do Consumidor (AADIC) denunciou – junto à Procuradoria Geral da República – que o “contrato de adesão” a que os moradores das centralidades efectuaram junto as imobiliárias angolanas (inicialmente Sonip, agora a Imogestin) é tal e qual do tempo da ditadura no Brasil, isto é antes da actual Constituição em vigor desde 1988.

Fonte: Club-k.net
“Ao procedermos a leitura enviusada do contrato de adesão, encontramos similitudes históricas com as normas convencionais da realidade social de um Brasil, anterior a Constituição de 1988, anterior as normas do Código de Defesa do Consumidor de 1990”, pode se ler na carta (vide em anexo) que a AADIC endereçou, no último Novembro, à PGR, contestando a nova medida da Imogestin em exigir que os moradores das centralidades a liquidarem as suas dívidas num curto espaço de tempo.

A par isso, a AADIC alerta as autoridades de direito que “a cobrança de 3% referente a uma suposta taxa de serviço administrativo” cobrada por esta imobiliária, conforme consta no referido contrato, é “hediondamente ilegal”, uma vez a Imogestin já é remunerada “de forma ordinária mensalmente pelo Estado”, conforme o artigo 1º nº 1 alínea b), do Decreto Presidencial nº 329/14 de 29 de Dezembro.

Por esta razão, a AADIC sugere a PGR a notificar a Imogestin para o cumprimento da obrigação de não fazer, “consistente em abster-se de cobrar duas prestações por mês até ao mês de Abril de 2016, seja a que título for, por ilegalidade da cobrança.”

À PGR, a AADIC pediu igualmente que “seja compelida, a erigir novo padrão de contrato de adesão, com cláusulas de equidade material dos intervenientes, sejam esta cláusulas modificativas e/ou resolutivas, mas que devam respeitar o plasmado na Lei.”

Leia na integra a respectiva missiva:

AO
DIGNO PROCURADOR GERAL DA
REPÚBLICA

LUANDA

Assunto: Direito de Réplica à Sociedade Comercial Imogestin S.A.

C/C
- Ao Digno Procurador Geral Adjunto
ATT. Dr. Elias Marques
- À Décima Comissão da Assembleia Nacional
- Ao Digno Provedor de Justiça
- À Sua Excia Ministro de Estado e Chefe da Casa Civil do Presidente da República
- À Sua Excia Ministro do Urbanismo e Habitação
- Ao Instituto Nacional de Defesa do Consumidor
- À Administração da Imogestin S.A.

Respeitosos Cumprimentos

A Associação Angolana dos Direitos do Consumidor (AADIC) é uma pessoa colectiva de Direito Privado, órgão da Sociedade Civil, tendo como exordio um direito fundamental de natureza económica, vocacionada em defender os legítimos interesses dos Consumidores e que em 3 anos de trabalho voluntário dos seus associados, granjeia prestígio junto da Sociedade Civil, fruto deste trabalho, foi reconhecida como Membro do Conselho Nacional de Concertação Social do Conselho de Ministros, pelo Decreto Presidencial nº 134/15 de 12 de Junho, cujo fundamento para a sua escolha é o relevante papel desempenhado na nossa sociedade enquanto parceiro do Executivo na busca de soluções para as diversas questões no domínio socio-económico em que se encontra interserido.

Pelo que o faz nos termos e fundamentos seguintes:

1. Malfadada, estaria a AADIC, como parceira do Estado, se aceder à magnificência de acobardar-se das suas obrigações fundadas na Constituição e na Lei, que desde logo vem cobrando a sua materialização e com o presente opúsculo coadjuvar o Estado nessa urgente tarefa, pelo que não é nossa intenção envolver-se em diferendos, mas sim apensar ao pedido já existente, contando que possamos apoiar na busca incansável por legalidade e justiça.

2. Daí, não compreendemos a extensão dos actos e de outros factos prescritos pela Imogestin na sua exposição (na relação de consumo o ónus da prova é do fornecedor), no contexto em que a faz e com a insistência e acutilância que pode ser considera atípica (obnóxia), ao mencionar por inúmeras vezes o Decreto Presidencial que lhe confere o mandato, não pode deixar de ser entendida como uma actuação manifestamente dolosa, porquanto visa intimidar as instituições defensoras dos direitos dos promitentes-compradores, no sentido de que estas não exerçam os poderes que legalmente lhes assistem, parecem ainda querer dar a entender de forma específica à AADIC e de forma geral os cidadãos, que é possível através de um mandato de representação comercial, perpassar e subverter os princípios do Estado de Direito que é Angola, com regras, com normas, com tribunais, esses sim, locais próprios e legalmente previstos para que se possa fazer valer os seus direitos.

3. Então, o contrato promessa de compra e venda de bem imóvel para fins habitacionais objecto da presente lide é um contrato de adesão, que se rege por normas imperativas consagradas no artigo 19º da Lei de Defesa do Consumidor e na Lei nº 4/02 de 18 de Fevereiro (Lei das Cláusulas Gerais dos Contratos), que nas alíneas a) e d) do artigo 13º enunciam as Cláusulas Absolutamente Proibidas:

- São proibidas em absoluto, as cláusulas que, limitem ou, por qualquer outra forma, alterem, as obrigações assumidas na contratação directamente por quem as proponha ou pelo seu representante.
- São proibidas em absoluto, as cláusulas que excluam os deveres que recaem sobre o proponente em resultado de vícios da prestação.

4. Então, neste tipo de contrato a vontade do aderente deverá ser manifestada sem a presença de vícios que os infestem, que no caso em concreto se revelou pela inobservância do promitente vendedor que se conjurou de elementos acidentais ou factores de eficácia, ao tornar irrealizável e “sine die” a conduta dos promitentes-compradores, que ao deixar de proceder com diligência, não fornecendo a conta bancária a disposição dos seus clientes, deixou de estipular prazo para o cumprimento da sua obrigação, assim como deixou a fixação do prazo a seu exclusivo critério, violando normas imperativas disposta na alínea j) do artigo 22º da LDC, que no caso concreto limitam a autonomia da vontade e considerados actos omissivos proibidos por lei.

5. Ao procedermos a leitura enviusada do contrato de adesão, encontramos similitudes históricas com as normas convencionais da realidade social de um Brasil, anterior a Constituição de 1988, anterior as normas do Código de Defesa do Consumidor de 1990, estamos a falar de convenções da época da ditadura no Brasil, que adentraram para as nossas relações jurídico–civis na década de 1990 do século passado e que são causa de milhares de conflitos no sector imobiliário.

6. Além de que, o número dois da cláusula primeira do contrato ao definir como destino exclusivo dos imóveis à habitação própria do promitente-comprador que nas vestes de Consumidor padrão, coloca-o na seara de protecção do artigo 78º da Constituição e da Lei de Defesa do Consumidor, com normas de caracteres especiais tais como responsabilidade objectiva do fornecedor de bens e serviços, inversão do ónus da prova a favor do Consumidor etc.

7. Outrossim, a cobrança de 3% (três por cento), referente a uma suposta taxa de serviço administrativo, deve ser objectivamente definida, conforme plasmado no número cinco da cláusula segunda, pode ser considerada hediondamente ilegal, porquanto o mandatário – Imogestin, na condição de contratado já é remunerado de forma ordinária mensalmente pelo mandante –Estado nos termos do artigo 1º nº 1 alínea a), também o poderá ser de forma extraordinária, atendendo o seu mecanismo de eficiência, prémio de desempenho ou taxa de sucesso, conforme apregoa o artigo 1º nº 1 alínea b), ambos do Decreto Presidencial nº 329/14 de 29 de Dezembro, mas, nunca o poderemos chamar de eficaz, havendo cobrança coercitiva, quando estamos perante um conflito entre direitos fundamentais tais como o direito a habitação e a qualidade de vida das populações e direitos creditícios, que em nenhum momento se está a exonerar ao seu pagamento.

8. Data venia, o serviço é prestado pelo Banco em razão do contrato que este mantém com o seu cliente (fornecedor de serviços), o qual é responsável pela emissão do titulo – cedente – daí que, “in casu”, o pagamento de tal serviço há que ser feito pelo contratante do mesmo, mas nunca pelo usuário, seja ele cliente ou não do Banco, em razão de não ter firmado contrato neste sentido, não sendo pois responsável pelo custo oriundo da prestação do serviço, competindo-o apenas o pagamento do valor constante na face do referido titulo, com os acréscimos moratórios a que der causa e nada mais.

9. Ora, ao se afirmar tal propagada taxa de serviço, estaremos a criar um procedente ilegal que mereceu resposta negativa por parte do BNA, (vide conflito INADEC-BANCO KEVE), seria o mesmo que dizer a todos fornecedores de bens e serviços para condicionar o pagamento de um bem ou serviço, ao pagamento de outro serviço, serviço este nunca contratado pelo Consumidor.

10. Outrossim, o contrato prescreve em várias cláusulas, vícios a favor do promitente vendedor:

a) A falta de pagamento de qualquer uma das prestações, aqui previstas nos prazos estabelecidos conferirá ao promitente vendedor a faculdade de resolver o contrato (cláusula segunda, número seis);

b) O promitente comprador reconhece e aceita que, caso se verifique um seu incumprimento, as prestações que já tenha pago não serão reembolsáveis a qualquer título (cláusula sexta, número três).

11. Estas cláusulas penais são nulas e sem efeito por violarem a boa-fé objectiva, ora no primeiro caso em apreço aplica-se o artigo 934º do Código Civil, (as normas gerais só se aplicam se forem favoráveis ao consumidor- LDC), que diz-nos:

a) Vendida a coisa a prestações, com reserva de propriedade, e feita a sua entrega ao comprador, a falta de pagamento de uma prestação que não exceda a oitava parte do preço não dá lugar a resolução do contrato, nem sequer importa a perda do benefício do prazo relativamente as prestações seguintes, sem embargo de convenção em contrário. Ora, está convenção é nula nos termos do artigo 16º, alíneas d e nº $1º nºs 2 e 3 da LDC.

b) No segundo caso, relativo a perda das prestações pagas, o plasmado na cláusula sexta, número três do contrato é considerado nulo e sem efeito no termos do artigo 18 º da LDC.

12. Data máxima vénia, é ululante que como em todo e qualquer contrato, tal como o presente, as partes estão atadas por meio do compromisso de compra e venda, sujeitam-se à observância de deveres de conduta, regras de comportamento que norteiam a obrigatoriedade do cumprimento, segundo os ditames da boa-fé objetiva, função social, equivalência material, equidade, entre outros, normas de carácter cogente, com primazia sobre a convenção das partes, factos que só são possíveis porque o sector da construção e do imobiliário é desregulado, perpassando a ideia de irresponsabilidade aos agentes do mercado.

13. A ausência de diligência da Imogestin, está a acarretar prejuízo moral aos cidadãos e está a evoluir para situações condenadas pela consciência ético-social, pois não se compreende que após comunicados, a Imogestin se comprometera a fazer sair a sua máquina operacional no dia 9 de Novembro de 2015, vale recordar que contratualmente as comunicações entre as partes são válidas se forem notificadas com antecedência mínima de 30 dias, nos termos da cláusula sétima do contrato, pelo que não cabe a AADIC esgotar-se em investigações e nem ao ónus da prova em busca de culpados.

14. Diante do exposto, o Ministério Público deve:

a) Notificar a Imogestin para o cumprimento da obrigação de não fazer, consistente em abster-se de cobrar duas prestações por mês até ao mês de Abril de 2016, seja a que título for, por ilegalidade da cobrança;

b) Seja a Imogestin compelida a proceder conforme ditames legais e de boa-fé contratual, consistente na cobrança das prestações do bem imóvel, a partir da data em que tiver condições de prestabilidade do serviço para o qual foi contratado, informando no imediato para que proceda a cobrança, os clientes – consumidores, por todos meios cabíveis da obrigação de pagamento e das formas de cumprimento, assim como das ulteriores alterações do contrato em respeito a ordem jurídica angolana, postergando os pagamentos reclamados para o fim do contrato ou exigir o seu cumprimento no judiciário se for o caso, mas que se haja nos termos da lei.

Que a Imogestin, seja compelida, a erigir novo padrão de contrato de adesão, com cláusulas de equidade material dos intervenientes, sejam esta cláusulas modificativas e/ou resolutivas, mas que devam respeitar o plasmado na Lei.

Atestamos sem errar que o nosso objectivo é manter o equilíbrio sustentável na relação Consumista e porque até somos jovens, futuros promitentes- compradores destes imóveis.

Exija os seus direitos como consumidor!

Gabinete Jurídico da AADIC- Associação Angolana dos Direitos do Consumidor, em Luanda aos 13 de Novembro de 2015.