Benguela - É com enorme preocupação que a OMUNGA avalia as perspectivas para Angola, para 2016, no que se refere à situação dos Direitos Humanos.

Fonte: OMUNGA

Começamos o ano por ter acesso ao relatório anual da Front Line Defenders de 2016, "Parem os assassinatos"[1], onde realça que a situação dos defensores de Direitos Humanos em Angola já se agravou de forma concreta em 2015.

Ainda nos primeiros dias do ano, somos confrontados com a informação de que a 8 de Janeiro de 2015, a Embaixada dos Estados Unidos da América em Angola, através de uma nota, informa os seus cidadãos para que evitem certos lugares de Luanda, por potencial ameaça[2]. No dia seguinte, o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido aconselha os seus cidadãos a evitarem as viagens para Cabinda e Lunda Norte[3]. Até ao momento, de forma estranha, não se verificou qualquer pronunciamento por parte da equipe presidencial angolana, para além das declarações prestadas pelo MIREX à Rede Angola, a desvalorizar tal informação[4]. No entanto, acreditamos, que num contexto de "provável insegurança", se venham a agravar as medidas repressivas. Esperamos portanto para que não venha a ser aproveitada esta situação para argumentar os famosos processos de "tentativas de rebelião".

Em relação a Cabinda, embora fomos confrontados de forma positiva com a exigência do Grupo de Trabalhos das Nações Unidas para as Detenções Arbitrárias[5] que exige a libertação imediata e a devida indemnização de Marcos Mavungo, condenado a 6 anos de prisão, não foi visível qualquer reação favorável por parte quer do judiciário como da equipa presidencial. Antes pelo contrário, assistimos a mais um processo, desta vez contra Anacleto Mbiquila, que esteve preso durante 20 dias desde 18 de Dezembro de 2015[6]. O mesmo, tal como Arão Tempo, estão a aguardar julgamento com termo de identidade e residência.

O caso conhecido como processo dos 15+2, continua com as suas sessões a partir de hoje não se vislumbrando qualquer mudança real no processo[7]. Antes pelo contrário, a partir de hoje, os padres Pio Wacussanga e Jorge Casimiro Congo, passam a prestar declarações de acordo ao ofício 002/16 do Tribunal Provincial de Luanda, 14ª Secção dos Crimes Comuns. Acreditamos assim, que muitos outros cidadãos e defensores de direitos humanos possam vir a ser chamados nas mesmas condições para prolongar este processo de pressão psicológica e de esgotamento.

Entretanto o julgamento de José Julino Kalupeteka e de 10 fiéis da Igreja Adventista do 7º Dia a Luz do Mundo, está previsto ter o seu arranque para 18 de Janeiro. Como sabemos, a equipe presidencial não aceitou o pedido do Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACNUDH) de ser nomeada uma comissão independente para investigar os confrontos no monte Sumi, Huambo[8]. Na altura, foi garantido que uma investigação estava a ser feita. Infelizmente nada se sabe em relação a essa investigação e o advogado David Mendes reclama pelo facto de ainda não ter podido fazer-se a reconstituição dos factos e a ida ao terreno[9].

Já em relação ao caso dos assassinados de Cassule e de Kamulingue continua-se a verificar o flagrante desrespeito quer mantendo-se em fuga um dos acusados pelos assassinatos como não foram efectuadas as devidas indemnizações[10], o que vem demonstrar uma "cínica cumplicidade" por parte do poder instituído.

De acordo ao Movimento do Protectorado da Lunda Tchokwe, só em 2015 desapareceram 174 cidadãos no município do Cuango[11]. A situação das Lundas não tem perspectiva de melhorar.

A repressão contra qualquer tentativa de manifestação que possa de alguma maneira contestar o actual poder político, continua. Foi assim o que ocorreu em Malange aquando da tentativa de organização de uma manifestação para 4 de Janeiro, em que os organizadores foram perseguidos.[12]

Está assim visível uma onda de julgamentos por crimes preparatórios de rebelião contra a segurança de Estado, como exemplo temos o processo de ex-militares das FAA e das FALA.[13]

Desde o ano passado que um grupo de organizações tem vindo a contestar e a solicitar a revogação do decreto presidencial nº 74/15 de 23 de Março, por inconstitucionalidade e violar flagrantemente o direito à associação. Em resposta, a presidência da República, através da Casa Civil, em carta nº 1062/SAJJ/C.CIV/PR/2015, de 18 de Novembro de 2015, baseando-se no parecer do Ministério da Assistência e Reinserção Social, reitera a intensão de implementar o referido regulamento para além de, de forma ameaçadora, considerar ilegais a maioria das organizações subscritoras de tal intensão.

Outra enorme expectativa terá a ver com a aplicação da Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal, Lei nº 25/15 de 18 de Setembro[14] Esta lei poderá vir a ser usada de forma abusiva para limitar as liberdades dos cidadãos.

Ao mesmo tempo, aguardamos que a presidência da república tente, durante este ano, aprovar medidas que venham a exercer um maior controlo das novas tecnologias de informação, violando o direito à informação, violando o estabelecido pela ONU[15]. Acreditamos que este será um enorme campo de batalha[16].

Grande desafio com que nos iremos deparar durante este ano, será também a implementação da Lei sobre a Liberdade de Religião, Crença e Culto que à partida exige das confissões religiosas uma subscrição mínima por 60.000 fiéis[17].

Continua-se a não vislumbrar qualquer interesse em se combater seriamente a corrupção[18]. Com o abaixamento acentuado do preço do barril do petróleo que este mês já foi a abaixo dos 35 dólares americanos[19], as entidades ligadas à presidência da república decidiram, a 1 de Janeiro, aumentar os preços dos combustíveis, da energia elétrica e da água. Desta forma, a Associação de Defesa do Consumidor prevê a subida em cadeia dos preços e lógica diminuição acentuada do poder de compra dos cidadãos[20].

Ao mesmo tempo que não se combate realmente a corrupção e a fuga ao fisco, continua-se a verificar enormes problemas na priorização dos investimentos públicos e falta da transparência nestes processos. Assim, e mais uma vez, empresas ligadas a Isabel dos Santos assumem contratos milionários com o Estado angolano, como no caso do Plano Director Geral Metropolitano de Luanda[21].

Todos acompanhámos o processo de aprovação do OGE para 2016. que rondam os 6,3 trilhões de Kwanzas, onde é cabimentado a todo o sector social cerca de 43%[22]. De acordo aos analistas, vários são os pressupostos inerentes ao mesmo: Débil investimento para o sector social; Elevados gastos com o sector da defesa; Que o barril de petróleo não venha a baixo de USD 45.[23] De acordo ainda à análise do mesmo, depara-se com diminuição acentuada dos investimentos e aumento de despesas correntes com bens e serviços. Mesmo no sector social, o maior valor é atribuído à protecção social[24].

Se já era visível que tal OGE não vai ajudar a melhorar a qualidade de vida dos cidadãos, pondo por isso em causa e em risco o exercício pleno dos seus direitos económicos e sociais, fica ainda flagrante que a situação será mais grave já que o preço do barril de petróleo já desceu a baixo dos USD 35 e que a) o financiamento da dívida está cada vez mais caro[25]; b) a moeda angolana está cada vez mais desvalorizada[26] e c) existem menos divisas nos bancos[27].
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Enquanto a ONU considera o Saneamento Básico como um Direito Humano[28], Angola continua a ser dos piores lugares do planeta para se nascer onde, 1 em seis crianças nascidas não chega a completar os 5 anos de idade[29].

Embora as entidades ligadas à presidência tenham tardiamente assumido a calamidade que afecta as populações da região sul de Angola[30], criando uma comissão para acompanhamento da situação[31], o certo é que pouco ou nada tem feito a não ser obstaculizar as iniciativas cidadãs[32].

O desrespeito pelos direitos trabalhistas, reforçado pela implementação da nova lei geral do trabalho, deverá agravar no actual contexto, sob a complacência cúmplice das entidades da presidência, quer com os baixos salários, com os contratos sub-humanos, quer com os despedimentos. É exemplo o caso da greve dos trabalhadores da TCUL que já dura mais de 20 dias sem qualquer pronunciamento quer da entidade patronal, quer do ministério de tutela.[33].

José Patrocínio
Coordenador

[1] - https://www.frontlinedefenders.org/sites/default/files/report.pdf
[2] - OSAC, 08.01.2016 - Security Message for U.S. Citizens: Luanda (Angola), Potential Security Threat: https://www.osac.gov/Pages/ContentReportDetails.aspx?cid=18859
[3] - Rede Angola, 10.01.2016 - Reino Unido desaconselha viagens para as províncias de Cabinda e Lunda Norte: http://www.redeangola.info/reino-unido-desaconselha-viagens-para-as-provincias-de-cabinda-e-lunda-norte/#.VpJaOgD83v0.facebook
[4] - Rede Angola, 11.01.2016 - MIREX considera "normal" aviso de segurança do governo americano: http://www.redeangola.info/mirex-considera-normal-aviso-de-seguranca-do-governo-americano/#.VpPcbuXrDb8.facebook
[5] - http://www.americanbar.org/content/dam/aba/administrative/human_rights/UNWGAD%20Opinion%20Jose%20Marcos%20Mavungo.authcheckdam.pdf
[6] - Rede Angola, 08.01.2016 - Secretário de Arão Tempo libertado após 20 dias de prisão: http://www.redeangola.info/secretario-de-arao-tempo-libertado-apos-20-dias-de-prisao/
[7] - DW, 28.12.2015 - Nova fase do julgamento dos activistas angolanos será "mais complicada": http://www.dw.com/pt/nova-fase-do-julgamento-dos-ativistas-angolanos-ser%C3%A1-mais-complicada/a-18946279
[8] - DW, 18.05.2015 - Caso Kalupeteka: ONU insiste em investigação "transparente": http://www.dw.com/pt/caso-kalupeteka-onu-insiste-em-investiga%C3%A7%C3%A3o-transparente/a-18457460
[9] - DW, 06.01.2016 - Julgamento de Kalupeteka arranca a 18 de Janeiro: http://www.dw.com/pt/julgamento-de-kalupeteka-arranca-a-18-de-janeiro/a-18963501?maca=pt-Facebook-sharing
[10] - VOA, 04.01.2016 - Familiares de activistas angolanos assassinados aguardam por indemnização há nove meses: http://www.voaportugues.com/content/familiares-de-activistas-angolanos-assassinados-aguardam-por-indemnizacao-ha-nove-meses/3130276.html
[11] - Movimento do Protectorado da Lunda Tchokwe, 08.01.2016 - Procurador do Cuango diz que vai notificar a liderança do protectorado Lunda Tchokwe por difamar o governo de Angola sobre a violação aos direitos humanos: http://protectoradodalunda.blogspot.com/2016/01/procurador-do-cuango-diz-que-vai.html
[12] - VOA, 03.01.2016 - Activista intimidado por organizar vigília em Malange: http://www.voaportugues.com/content/activista-intimidado-por-organizar-manifestacao-em-malanje/3129460.html
[13] - VOA - Ex-militares das FALA e FAA julgados por crime de rebelião: http://m.voaportugues.com/a/ex-militares-das-fala-e-faa-julgados-por-crime-de-rebeliao/3095354.html
[14] - Maka Angola, 25.12.2015 - A Perigos Lei das Medidas Cautelares: http://www.makaangola.org/index.php?option=com_content&view=article&id=11801%3Aa-perigosa-lei-das-medidas-cautelares&catid=62&Itemid=231&lang=pt
[15] - Globo.com/G1, 03.06.2011 - ONU afirma que acesso à internet é um direito humano: http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2011/06/onu-afirma-que-acesso-internet-e-um-direito-humano.html
[16] - DW, 30.12.2015 - Controlo de redes sociais: "Presidente angolano será derrotado nessa batalha": http://www.dw.com/pt/controlo-de-redes-sociais-presidente-angolano-ser%C3%A1-derrotado-nessa-batalha/a-18952191
[17] - Rede Angola, 09.12.2015 - Igrejas precisam de 60 mil fiéis para serem legalizadas: http://www.redeangola.info/igrejas-precisam-de-60-mil-fieis-para-serem-legalizadas/#comments
[18] - VOA, 09.12.2015 - Isabel dos Santos na lista dos mais corruptos da Transparência Internacional: http://www.voaportugues.com/content/isabel-dos-santos-na-lista-dos-mais-corruptos-da-transparencia-internacional/3095839.html
[19] - Rede Angola, 07.01.2016 - Preço do barril abaixo dos USD 35: http://www.redeangola.info/preco-do-barril-abaixo-dos-usd-35/
[20] - VOA, 07.01.2016 - Poder de compra dos angolanos cai diariamente: http://www.voaportugues.com/content/poder-de-compra-dos-angolanos-cai-diariamente/3133732.html
[21] - VOA, 15.12.2015 - Isabel dos Santos promove Luanda do futuro: http://www.voaportugues.com/content/isabel-dos-santos-promove-luanda-do-futuro/3103920.html
[22] - VOA, 27.10.2015 - Economistas duvidam da eficácia do OGE de Angola para 2016: http://www.voaportugues.com/content/economistas-duvidam-da-eficacia-do-oge-de-angola-para-2016/3024622.html
[23] - VOA, 17.11.2015 - OGE: Economistas defendem cortes na defesa e investimentos na área social: http://www.voaportugues.com/content/oge-economistas-defendem-cortes-na-defesa-e-investimentos-na-area-social/3061945.html
[24] - OPSA, Luanda, Novembro de 2015 - Posição do OPSA e da ADRA sobre o OGE 2016: http://www.adra-angola.org/wp-content/uploads/2015/11/Posi%C3%A7%C3%A3o-do-OPSA-e-da-ADRA-sobre-o-OGE-2016.pdf
[25] - Rede Angola, 05.01.2016 - Financiamento da dívida angolana está cada vez mais caro: http://www.redeangola.info/financiamento-da-divida-esta-cada-vez-mais-caro/
[26] - Rede Angola, 04.01.2016 - Para ver o kwanza perder tanto valor é preciso voltar ao tempo da guerra: http://www.redeangola.info/para-um-kwanza-perder-tanto-valor-e-preciso-voltar-ao-tempo-da-guerra/
[27] - Rede Angola, 06.01.2016 - Bancos terminam 2015 com divísas em mínimos do ano: http://www.redeangola.info/bancos-terminam-2015-com-divisas-em-minimos-do-ano/
[28] - ONUBR, 04.01.2016 - Assembleia Geral da ONU reconhece saneamento como direito humano distinto do direito à água potável: https://nacoesunidas.org/assembleia-geral-da-onu-reconhece-saneamento-como-direito-humano-distinto-do-direito-a-agua-potavel/?utm_source=facebook.com&utm_medium=social&utm_campaign=Postcron.com
[29] - Expresso, 30.12.2015 - Em Portugal nascemos bem, em Angola nem tanto. Diz a ONU: http://expresso.sapo.pt/sociedade/2015-12-30-Em-Portugal-nascemos-bem-em-Angola-nem-tanto.-Diz-a-ONU
[30] - Rede Angola, 22.12.2015 - Oito em cada dez pessoas no Cunene afectada pela seca: http://www.redeangola.info/oito-em-cada-dez-pessoas-no-cunene-afectada-pela-seca/
[31] - Rede Angola, 27.12.2015 - Criada comissão para acompanhar e procurar soluções para a seca: http://www.redeangola.info/governo-cria-comissao-para-acompanhar-e-procurar-solucoes-para-seca/
[32] - Rede Angola, 29.12.2015 - Governo fala em aproveitamento político da seca: http://www.redeangola.info/governo-fala-em-aproveitamento-politico-da-seca/#.VoN0PG2_bPw.facebook
[33] - Rede Angola, 07.01.2016 - Greve dos trabalhadores da TCUL completou 20 dias: http://www.redeangola.info/greve-dos-trabalhadores-da-tcul-completou-20-dias/