Luanda - Senhor presidente: Na minha crónica do mês passado, defendi que nós, angolanos, precisamos de promover um amplo debate a fim de harmonizar duas aspirações que se têm perfilado na cena nacional como antagónicas, mas que, na realidade, podem e têm de ser conciliadas: a estabilidade e o aprofundamento da democracia. Terminei o texto com a pergunta: quem pode pôr o guizo no pescoço do gato, isto é, quem pode conduzir esse processo?


Fonte: África21

Escutar unicamente os que dizem «ámen» apenas apressará o impasse


Hoje respondo: na minha opinião, o senhor presidente é a única figura que tem condições de fazê-lo. Atestam-no, sem sombra de dúvidas, inúmeros exemplos que foi dando ao longo do seu percurso político, em especial depois que, em 1979, aos 37 anos de idade, teve de assumir, em condições dificílimas, o comando do nosso país.


Assim, quando foi indicado presidente, vigorava entre nós a pena de morte, mas, além de ter comutado todas as sentenças já fixadas, jamais mandou aplicá-la novamente. De igual modo, encerrou praticamente o complexo dossiê do 27 de maio de 1977, tendo reabilitado uma série de quadros e responsáveis que, tendo sobrevivido a esse episódio, estavam injustamente marginalizados.


Em 1992, não hesitou em colocar o seu cargo em disputa, por via das urnas, como forma de, segundo se esperava, encerrar a guerra pós-independência e inaugurar a democracia; tendo ganho as eleições na primeira volta, como confirmam hoje diplomatas internacionais que acompanharam esse processo, concordou em disputar uma segunda volta com Jonas Savimbi, a fim de evitar o retorno da guerra, o que não foi seguido por este último.


Durante a guerra pós-eleitoral, e quando se tinha tornado claro para toda a gente que a Savimbi só interessava o poder, evitou várias vezes dar a ordem para que ele fosse liquidado. Só o fez em 2002, quando Savimbi rejeitou mais uma vez a sua oferta para um acordo pacífico. Ao mesmo tempo, entretanto, protegeu todos os demais membros da direção da UNITA. Sem esquecer que, quando a guerra acabou, proibiu qualquer manifestação pública por parte dos vencedores.


Além de todos estes exemplos, que falam por si, é também conhecida a sua atitude ponderada e promotora dos equilíbrios necessários, a todos os níveis e em todas as áreas, para preservar a unidade e a estabilidade.


Não tenho, pois, dúvidas de que o senhor presidente pode conduzir o debate que, na minha opinião, se impõe presentemente, para prevenir o impasse para o qual o país parece encaminhar-se. Com efeito, e embora eu não me identifique com um pessimista ou um «negativista militante», receio que o nosso país esteja a caminhar para uma espécie de bloqueio, exigindo uma série de inflexões que só o senhor presidente tem condições de identificar e dirigir.


Os dados estão aí: o arrastamento dos problemas básicos da população, em especial da juventude, mas não só, a insistência em algumas prioridades discutíveis por parte do governo, a não tomada de medidas visíveis para suster o processo de excessiva concentração da riqueza ou a inexistência de um ambiente de negócios favorável, apenas para dar estes exemplos, estão a fazer aumentar o descontentamento interno, o que a atual crise provocada pela baixa do preço do petróleo pode agravar ainda mais; previsivelmente, tais dificuldades internas já começam a ser usadas como pretextos pelos tradicionais adversários do MPLA e do governo angolano, sobretudo no exterior, para ressuscitarem as suas velhas campanhas de desestabilização contra o país.


O descontentamento interno e/ou as campanhas hostis promovidas do exterior não se resolvem encetando nenhuma fuga para a frente. O processo de democratização do país não pode ser interrompido, por mais «eficaz» que isso pareça a alguns. Escutar unicamente os que dizem «ámen» apenas apressará o impasse para o qual o país caminhará, se não forem feitas as inflexões que têm de ser feitas.


Temas como as reformas estruturais do Estado e da economia; estratégia de formação da burguesia nacional; consolidação da democracia; valorização das instituições; ambiente de negócios; prioridades da governação e outros dizem respeito a toda a sociedade. Em tempos de crise, a necessidade de envolver o maior número possível de pessoas nesse debate acentua-se ainda mais. As únicas condições para participar nesse debate são respeitar a Constituição e prescindir de qualquer interferência externa.


Estou firme e sinceramente convencido, senhor presidente, que esse diálogo é uma condição fundamental para assegurar a estabilidade sem pôr em jogo a democracia, evitando, ao mesmo tempo, que o nosso país caia num impasse de consequências imprevisíveis.