Luanda – A sociedade angolana terminou o ano de 2015 dominada com a discussão da questão das redes sociais e a sua regulamentação. Essa questão ganhou mais tónica no início deste ano com a sua abordagem nos distintos órgãos de imprensa e pelo status a quo da sociedade angolana.

Fonte: Club-k.net
Deve-se ressaltar que, apesar do interesse que desperta actualmente, essa questão emergiu num primeiro momento no ano de 2011 com a proposta de Lei de Combate à Criminalidade no Domínio das Tecnologias de Informação e Comunicação e dos Serviços da Sociedade da Informação à Assembleia Nacional, a luz da alínea i) do art.º 120º da Constituição da República de Angola.

As redes sociais em geral além de representarem um fenómeno inerente a natureza humana, (ubi homo, ibisocietas), onde há homens, está a sociedade e consequentemente onde há a sociedade está o direito (ubi societa, ibi jus), elas correspondem a pequenas comunidades, que se formam entre os membros de grandes sociedades e surgem quando se criam grupos que partilham “valores”, interesses ou objectivos.

Estás partilhas aproximam as pessoas que formam entre si, laços sociais que as unem. Este aspecto agregador faz com que estas pequenas comunidades contribuam para a sanidade das grandes sociedades em que se inserem, pois fomentam sentimentos de pertença e solidariedade.

Todavia, paralelamente as incomensuráveis vantagens das redes sociais online, elas levantam inúmeros problemas jurídicos, o que as transformam num veiculo para a prática de inúmeros ilícitos, tais como a difamação, a injuria, a violação do direito de imagem e a perturbação do direito à reserva de intimidade da vida privada e familiar dos utilizadores das mesmas ou de terceiros ou ainda a violação de certos pressupostos, tais como a presunção de inocência previstos na Constituição Angolana (CRA) e regulados no nosso actual ordenamento jurídico ordinário, apesar da descontextualização de algumas das suas disposições. (Art.º 32º, 67º/2 CRA, art.º 407º, 410º ambos do Código Penal).

Sendo inquestionável o facto que, o Direito dita as regras do convívio social em constante desenvolvimento e que o desenvolvimento social é um orientador do próprio Direito, não haverá outra maneira de atender as necessidades dos cidadãos nessa matéria, que não seja “atrelar” um ao outro.

Entretanto, a regulação das redes sociais não pode representar um retrocesso ao desenvolvimento social. O que pode vir a acontecer se a mesma revelar uma privação e/ou restrição de direitos, liberdades e garantias fundamentais do cidadão.

Essa regulamentação deve limitar-se ao necessário, proporcional e razoável, para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e deve revestir-se de um carácter abstracto e geral e nem pode diminuir a extensão nem o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais. Art.º 57º/1 CRA.

No entanto, a publicação e partilha descontrolada de fotos, imagens e narrativas de textos nas redes sociais denota, em minha opinião na perspectiva em análise, uma “quebra” ou “roptura” da confiança das pessoas no sistema de justiça e os seus órgãos e o distanciamento dos órgãos da Administração Pública perante os cidadãos.

Porque em muitos casos, essas publicações e partilhas precedem e/ou estimulam a formalização de uma denúncia, queixa ou mesmo a instauração da competente investigação, instrução processual do Ministério Público nos casos cuja relevância jurídica seja penal e noutros casos dinamizam ou aproximam a Administração Pública aos cidadãos.

Portanto, um maior engajamento no sentido de devolver a confiança dos cidadãos ao sistema de justiça e seus órgãos, administrando a justiça em nome do povo e para o povo, tanto quanto aproximar a Administração Pública aos mesmos, tendo sempre como desiderato a prossecução do interesse público, regendo-se pelos princípios da igualdade, legalidade, justiça, proporcionalidade, imparcialidade, responsabilização, probidade administrativa e respeito pelo património público, seria nessa altura melhor alternativa que a produção de mais um diploma legal Art.º 174º e 198º CRA.

Por quanto, a regulação jurídica de qualquer matéria na sociedade actual, vai além do conhecimento técnico do direito, ela expande-se ao conhecimento do ser humano inserido no contexto social e não deve perder de vista o dinamismo cada vez maior em que ocorrem as transformações sociais, ficando assim claro que todo ordenamento jurídico está condicionado historicamente e dependente das circunstâncias sociais e económicas e traduz uma determinada ideologia ou concepção do mundo.

*Jurista