Luanda - A defesa dos elementos da seita angolana "Kalupeteka" acusados de homicídio pediu esta semana, em tribunal, a audição de um secretário de Estado e do segundo comandante-geral da Polícia Nacional, face às declarações feitas aquando dos confrontos mortais de abril.

Fonte: Lusa

Em causa estão as afirmações prestadas em 2015 pelo secretário de Estado para Proteção Civil e Bombeiros, Eugénio Laborinho, e do segundo comandante-geral da Polícia Nacional, comissário chefe Paulo Gaspar de Almeida.


Segundo recordou o advogado que lidera a defesa no Tribunal do Huambo, no arranque do julgamento deste caso, que a 16 de abril envolveu a morte, segundo a versão oficial, de nove polícias e 13 fiéis, ambos falaram em "duas horas de fogo [troca de tiros]" no monte Sumi, entre as autoridades e os seguidores da seita "A luz do mundo".

"Disseram publicamente isso, então deviam vir agora ao tribunal dizer como e que meios foram usados. Fizemos esse requerimento, mas o juiz achou que não os devia chamar porque foram declarações prestadas na imprensa e não no âmbito no processo. Mas a nossa convicção é que, se houver necessidade, voltaremos a bater-nos para serem ouvidos", afirmou o advogado David Mendes.

O tribunal, tal como já tinha acontecido durante a fase de instrução, voltou hoje a rejeitar igualmente o pedido da defesa para reconstituir os factos no local do crime, queixando-se David Mendes de que nunca foi autorizado a visitar o monte Sumi, no município da Caála, no Huambo.

A acusação deduzida pelo Ministério Público (MP) do Huambo contra os homens, com idades entre os 18 e os 54 anos, manteve-se praticamente inalterada no despacho de pronúncia, que hoje foi lido em tribunal.

O MP do Huambo refere que as mortes dos agentes da polícia resultaram essencialmente de agressões com objetos contundentes, inclusive paus, punhais e catanas, às quais alguns polícias responderam com disparos.

A seita em causa, não reconhecida pelo Estado angolano, era conhecida por advogar o fim do mundo em 2015 e não permitir a alfabetização ou vacinação dos fiéis, tendo sido criada por José Julino Kalupeteka em 2006, depois de este ter sido expulso da Igreja Adventista do Sétimo Dia.

Neste processo, Kalupeteka - de 46 anos e detido preventivamente desde abril - é o principal visado e está indiciado pela coautoria material de nove crimes de homicídio qualificado consumado, crimes de homicídio qualificado frustrado e ainda de desobediência, resistência e posse ilegal de arma de fogo.

Os restantes elementos são visados igualmente por crimes de homicídio qualificado consumado e frustrado.

Além da leitura dos despachos de acusação e de pronúncia e da contestação da defesa, hoje foi ouvido o primeiro dos 11 réus, estando a audição do líder da seita prevista para quinta-feira.

"Ele será provavelmente o último dos réus a ser ouvido, concluindo-se esta fase talvez até final da semana", explicou David Mendes, advogado e elemento da associação Mãos Livres, de defesa dos direitos humanos, que se prontificou para assegurar a defesa destes elementos.

O julgamento arrancou hoje, sob forte aparato mediático e policial, este último considerado "exagerado" pela defesa.

Em causa estão os confrontos entre os fiéis e a polícia, cujos agentes tentavam dar cumprimento a um mandado de captura - na sequência de outro caso de violência na província vizinha do Bié e que também está a ser julgado - de Kalupeteka e outros dirigentes e alguns dos seguidores que estavam concentrados no acampamento daquela igreja, no monte Sumi.

A oposição angolana denunciou na altura a existência de centenas de mortos entre os populares e pediu uma investigação internacional, acusações e pretensão negadas pelo Governo.