Luanda - Este tema, a primeira vista, perece-me sugestivo, capaz de suscitar tabus mal concebidos, leituras distorcidas e posturas adversas, no ponto de vista histórico e prático, no contexto actual do País. Numa meditação profunda, fiquei induzido em fazer esta reflexão sobre esta questão sensível, complexa e delicada, tendo em consideração a importância que nela reveste, como factor-primário, na edificação de um Estado (Uno e Indivisível), composto por várias nações, etnias, raças e culturas, que se interligam e entrosam mutualmente.


Fonte: Club-k.net
 
Feita uma leitura histórica da origem do termo “Angola,” revela que, este termo tem a raiz no termo “Ngola,” que era o título dinástico ou nome dos Soberanos Kimbundus, do Reino de Ndongo e de Matamba. O termo “Ngola,” por sua vez, deriva do termo “Ngolo,” que significa nas línguas Kimbundu e Kikongo: força, rigor, fortaleza ou robustez.


Este título dinástico, ou nome familiar da Dinastia Ngola, dos soberanos Kimbundus, prevaleceu desde dos primórdios da fundação da Dinastia, até a conquista do território Ngola pelo Poder Colonial Português, em 1626, na sequência da derrota da Rainha Nzinga Mbandi. Importa notar que, o Reino de Ndongo, por muito tempo, era o vassalo do Reino de Congo, e, pagava igualmente os tributos ao Império Lunda-Chókue. Apenas durante a vigência do Reinado do Ngola A Kiluanje Inene (1515-1556) é que o Reino do Ndongo tornou-se independente da vassalagem do Reino de Congo.

 
O Reino Ngola, no ponto de vista geopolítica, era uma espécie de um enclave, cercado por Reinos de Congo (à Norte), por Império Lunda-Chókue (à Leste) e por Reino de Bailundo (à Sul); encurralado, deste modo, ao Oceano Atlântico, exposto às incursões constantes das potências europeias, em busca de comércio e do tráfico de escravos.

 
A condição física de enclave, do território Ngola, fez com que este Reinado adoptasse uma política de aproximação e de aliança estratégica com os Reinos do interior, acima referidos, como forma de se proteger e de se defender das incursões estrangeiras ao longo do Oceano Atlântico.


Por outro lado, sob pressão enorme psicológica, de inferioridade, derivada da condição de vassalagem e de enclave, induzira o Reino de Ndongo (Ngola) em assumir uma postura de flexibilidade diante o poder colonial português. Surgira, deste modo, uma aliança tácita, entre este Reino Africano e as forças portuguesas durante as guerras da conquista e da pacificação do Leste e do Centro-Sul do território, que hoje se chama, Angola.


O território de Ndongo e de Matamba vinham ser chamados, “Terras do Ngola” ou “Terras d´Angola,” reconhecidas oficialmente pelas autoridades portuguesas, em toda sua documentação e mapas, de então. Mais tarde, na conquista paulatina dos territórios do interior, Portugal vinha adoptar o nome de Angola, para designar toda Colonia, sob sua jurisdição politica e militar; que vinha ser negociada e reconhecida pelas potências mundiais, na Conferência (19 de Novembro de 1884 e 26 de Fevereiro de 1885) de Berlim, que determinou a partilha de Africa.


Portanto, isso revela que, o nome de “Angola” tivera sido imposta pelo poder colonial português, sem consentimento de outros Reinos do País, que não faziam parte da jurisdição do Reino de Ngola. Embora, o Povo Kimbundu fazer parte do grande mosaico de grupos étnicos bantos, na realidade, existia “Nações Soberanas, com territórios bem definidos, com línguas próprias, e cada uma regida por seu direito costumeiro, assente na sua cultura.


A questão que se coloca hoje, não é bem assim a origem do nome Angola, nem adopção deste nome, derivado da Dinastia Ngola, como designação do território em que todos habitamos hoje. Porém, a questão fulcral é o reflexo psicológico e material que este nome “Angola” exerce sobre os Angolanos, de diferentes origens étnico-culturais e geográficos. Acima disso, a origem deste nome, “Angola”, tem o impacto enorme sobre a realidade do País e a consciência ou a subconsciência de determinados sectores da sociedade angolana. No ponto de vista formal, constata-se uma adopção efectiva da identidade angolana, no sentido genérico de Angola, como factor-básico de cidadania, no contexto geopolítico e geocultural.


Contudo, a identidade angolana, deve reflectir o sentimento de pertença à uma Nação, que representa a realidade histórica, etnológica e cultural de cada grupo étnico do País. Todavia, nas circunstâncias actuais esta realidade histórica, etnológica e cultural não reúne condições materiais e psicológicas necessárias que satisfaçam os elementos básicos de pertença comum. Logo, um grupo étnico sente-se plenamente realizado nesta condição histórica, cultural e etnológica. Ao passo que, os outros grupos étnicos sentem-se marginalizados no contexto desta identidade histórica, cultural e etnológica; que tem origem na nacionalidade derivada das “Terras do Ngola” ou de “Terras d`Angola,” reconhecidas formalmente na documentação e nos mapas daquela época.


Hoje, este sentimento de «pertença comum» (genuína, adoptada, ou imposta) tem reflexos adversos na consciência dos Angolanos. Os Kimbundus genuínos, de sangue e de origem, por exemplo, dificilmente conformam-se com o conceito de igualdade e de atribuição da nacionalidade “angolana,” derivada das “Terras d´Angola,” aos outros povos que não são de origem (natos) desta esfera étnico-cultural. Assim que surgem as manifestações de “complexo de superioridade” e de “complexo de inferioridade,” consubstanciadas na classificação discriminatória de “angolanos de primeira” e “angolanos de segunda.” Em certa medida, os Kimbundus natos têm razão de agir assim, por facto da nacionalidade de origem Ngola, assentar-se na antropologia cultural, que vincula e confere a cidadania de um povo.


Portanto, isso tem implicações profundas de como se encara o Conceito de Estado Angolano, a luz das Nações diferentes que hoje compõem o território actual de Angola, de uma nacionalidade que foi imposta pelo Poder Colonial Português.


O Conceito Português, que orientou a colonização e a constituição de uma Colonia, baseava-se na desarticulação e desintegração das Nações encontradas e forçadas a incorporar-se no Reino de Ngola, sob a dominação da administração portuguesa. A desarticulação, a desintegração e alienação cultural dos Reinos Africanos não somente afectou os Reinos incorporados no Ngola, mas sobretudo desagregou absolutamente o próprio Reino Ngola; neutralizando, na sua essência, a Língua Kimbundu, sobretudo na Província de Luanda e Bengo, onde está sedeado o poder político e económico do País.


 Este Conceito Português, da desarticulação, desintegração, alienação cultural e a incorporação, ficou adoptado, na íntegra, na pós-independência, como se afirma a máxima do MPLA: “Um Só Povo; Uma Só Nação.” Neste caso específico, não existe hoje nenhum vestígio dos descendentes nobres da Dinastia Ngola; nem há vontade política da reabilitação e restituição do Grande Reino de Ndongo e de Matamba, do Rei Ngola A Kiluanje Inene e da Rainha Nzinga Mbandi.

 
Pois, o MPLA ergueu o seu poder sobre as cinzas do Reino Ngola, desmantelado pelo Colonialismo Português. Há uma Escola de Pensamento no seio da liderança do MPLA que acha que, a reabilitação e restituição do Reino Ngola servirá de «eixo-central» da renascença do Nacionalismo Kimbundu; transformando-se, deste modo, num contrapeso e num contrapoder, diante a Cultura Crioula que serve de instrumento da neocolonização do País.


Os nacionalistas e patriotas Kimbundus, no seio do MPLA, não têm coragem de vir a terreiro defender a reabilitação e restituição do Reino Ngola, que esteve na origem do nacionalismo contemporâneo angolano; e que, na sua essência, consagra a dignidade, o orgulho e a personalidade deste Povo Bantu, que se destacou na História da Africa e da História Universal. Ou seja, o prestígio que a Rainha Nzinga Mbandi goza no Mundo, no ponto de vista de carisma, sabedoria, bravura, argúcia e o sentido forte de Estado. A “bantofobia,” que se traduz na crioulização da sociedade angolana, é o factor-impulsionador da acumulação excessiva da riqueza do País por um punhado de pessoas e suas famílias.


Com efeito, o propósito desta política, de «acumulação primitiva do capital», praticada pelo Presidente do MPLA, consiste em criar um monopólio económico, que permita a manutenção definitiva do poder por este grupo, estabelecendo uma oligarquia autoritária. A partidarização dos Reinados (autoridades tradicionais) do País está incorporada na estratégia do poder totalitário e vitalício, que visa essencialmente a desintegração e instrumentalização dos poderes tradicionais e das comunidades autóctones.

 
Existe, neste respeito, na sociedade angolana, acoberto da «Etnia Kimbundu», o preconceito segundo o qual, somente um grupo étnico tem o direito de governar o País, impondo a sua vontade politica. Isso associa-se, de certo modo, a política colonial portuguesa da desintegração e incorporação de todos Reinos da Colonia num espaço geográfico de Ngola, designada Angola, sob a predominância da Cultura Crioula. Os Governos Portugueses, de todas matrizes político-ideológicas, têm sido consistentes e resolutos na defesa desta política da crioulização da sociedade angolana. Isso, de grosso modo, fez inviabilizar os Acordos de Alvor e impulsionar a Guerra Civil prolongada.

 
Este fenómeno, de desintegração e subalternização da Cultura Bantu, tem implicações erosivas à estabilidade do País, no ponto de vista económico, social, cultural e politico. Pois, aprofunda-se gradualmente o sentimento de não «pertença comum» à identidade angolana; baseando-se no princípio da classificação da sociedade, em angolanos de primeira e angolanos de segunda. Minando sucessivamente os alicerces da unidade nacional.

 
Em síntese, está-se diante dois cenários variáveis, que se resumem no seguinte: a) Buscar um «denominador-comum» que afaste os preconceitos induzidos na superioridade de uma etnia, que se coloca acima de outras etnias. b) Adoptar uma política de igualdade, assente no princípio de acesso ao poder na base de mérito democrático, independentemente da origem geográfica, étnica, racial, cultural, social e politica.


Na realidade, muitos países do Mundo, mesmo em Africa, têm estado a proceder a alteração dos nomes dos Países, que não estiverem em consonância com os requisitos exigidos de uma Nação multiétnica, multirracial e multicultural, capaz de inspirar o espirito fraternal, de igualdade e de unidade nacional.