Luanda - Tomei contato esta manhã (através da net) com a notícia que dava conta que o ativista e companheiro Manuel Nito Alves foi ontem condenado a 6 meses de prisão, fruto de um julgamento sumário por “ter cometido crime de injúria contra o tribunal” e o MP pede que eu seja igualmente julgado sumariamente por considerar “a [minha] ausência [na segunda-feira] como sendo um desrespeito ao Tribunal de Luanda”.

Fonte: Central Angola

O testemunho do activista M’banza Hamza

Não estou surpreso com o intento e era de se esperar. Infelizmente, e talvez por muitos longos anos se nada se fizer, a nossa ‘justiça continuará a ser conveniente ao invés de consequente.’

Eu informei aos meus advogados as razões que me levariam a não comparecer em tribunal a partir de segunda-feira 08/02, razões igualmente de conhecimento do MP e do tribunal de Luanda. Assoberba-me entretanto, o facto do MP as considerar como desrespeito ao tribunal, a menos que se ache que no nosso país alguns são seres humanos e outros mero gado, ou que até crianças não sejam motivo de preocupação de um estado.

Vou usar o espaço público, uma vez que talvez não me dêm tanto tempo assim em tribunal para expor todas as vicissitudes que tenho passado no que toca a penúria financeira. Tenho apenas dois dias para apresentar a minha justificação ao tribunal, tribunal ao qual decidi não comparecer até ir ao banco e por hoje (09-02-2016) ser feríado, os serviços prisionais não me vieram pegar. Até ao momento da escritura desta nota (11h00) o meu reeducador ainda não chegou, para contar a epopeia que tenho passado, eu e a minha família, desde a minha detenção a 20 de junho de 2015. Nunca quis tornar isso público, mas se o tribunal quer usar tudo e nada como arma, convém dar voz a justiça dos factos, embora a dos tribunais se tenha tornado conveniente.

De 20 de junho a setembro de 2015

Depois da nossa detenção, as primeiras preocupações apresentadas aos procuradores, serviços prisionais e os deputados quando nos foram visitar tinham que ver com a cedência dos nossos documentos, especialmente os multi-caixas uma vez que deixávamos as nossas famílias financeiramente desamparadas. Insistimos nisso várias vezes.

No meu caso, na minha segunda audição em finais de julho tive a garantia verbal do procurador Luciano Cachaka (testemunhada pelo instrutor processual Pedro João e pelas advogadas Marisa e Isabel) que naquele mesmo dia (30 de julho de 2015) “teria a minha carteira e outros pertences que não constituem matéria de crime”, especialmente os multi-caixas. Postos na 29ª Esquadra, antiga DNIC, onde estão arrecadados os nossos pertences, nada aconteceu.

Na terceira audição, a 14 de setembro de 2015, voltei a cobrar ao procurador a promessa da carteira que me havia feito, dizendo que nada me fora entregue até então. Enfureceu-se sobremaneira com o instrutor Pedro João jurando que já havia autorizado POR ESCRITO que me dessem a carteira de documentos, “está aqui o Pedro João, eu ordenei por escrito, por escrito e não foi de forma verbal que as vezes deixa dúvida, foi por escrito.” Isso foi testemunhado pelo advogado Emanuel e esteve também para audição neste dia, o Nito Alves, mas na sala de espera com o qual partilhei a situação.

Neste mesmo dia o instrutor Pedro João auxiliado pelo inspetor David deram-me o telefone para ligar a um familiar para que no dia seguinte se deslocasse a DNIC para buscar a carteira (tudo isso foi testemunhado por Nito Alves). O meu irmão foi para lá (29ª Esquadra, ex-DNIC) três vezes, nada recebeu.

De outubro de 2015 à data atual

Esgotadas as esperanças de ter a carteira de documentos por meio do MP, decidi redigir através dos serviços prisionais, uma procuração no inicio de outubro de 2015, onde delegava os meus poderes forenses a meu irmão.

Na primeira vez, os serviços notariais exigiram o meu bilhete original, informados que estava retido com os demais documentos pessoais no SIC, orientaram que tal informação constasse na procuração. Voltou-se aos serviços prisionais e inseriu-se a referida nota. De volta ao notário para reconhecer a procuração, disseram: “esta nota não significa nada, tem de ter mesmo o bilhete original”. Já devem estar a imaginar a minha fúria. O notário onde tudo isso estava a acontecer é o de Cacuaco.

Foi assim que redigi através dos meus advogados, em novembro de 2015, uma carta ao meritíssimo juiz da causa Januário Domingos a solicitar o Bilhete de Identidade nem que fosse a titulo devolutivo e permissão de saída para a delegação provincial de educação para cadastro de professor. Esse pedido viria a ser atendido apenas a 16 de dezembro de 2015 e a notificação do despacho só me chegaria em mãos a 11 de janeiro de 2016 depois de retomado o julgamento. Sendo a única carta até hoje que teve despacho.

Entretanto, a 16 dezembro voltei a redigir uma nova carta ao juiz, eu pessoalmente (à mão) com 4 solicitações, pois já sabia da nova medida de coação. As solicitações incluíam a permissão para ir fazer o cadastro de professores que começara em novembro de 2015, ida à repartição de educação e à minha escola na Funda e, especialmente a cedência da carteira de documentos com os multi-caixas. Nenhuma resposta a isso tudo até hoje.

Ainda em dezembro de 2015 (28/12) fiz nova carta sob orientação do meu reeducador para o procurador junto ao SIC a solicitar a carteira e especialmente os multi-caixas, pois a penúria financeira já se fazia sentir. Aliás, o único dinheiro que nos manteve de dezembro de 2015 a janeiro passado foram as contribuições de natal que os nossos manos organizaram (tendo beneficiado de 35.000,00kz da contribuição) mais 25.000,00kz que o meu advogado Luís do Nascimento deu-me como boas festas. Os meus manos Timajó, Emilio “Kim”, Noé, um oficial da polícia (dos que me têm cuidado), Silva e outros manos e manas deram-me ao todo cerca de 130 dólares, no câmbio de junho de 2015.

Uma semana depois de 28 de dezembro, i.e. na primeira quinzena de janeiro de 2016, redigimos (eu e o reeducador) a mesma carta que redigira ao procurador junto ao SIC, ao juiz Januário. Até agora também não obtive resposta nenhuma.

No dia 13 de janeiro de 2016, depois de receber o despacho do juiz em resposta a minha carta de novembro de 2015, deslocamo-nos acompanhado do reeducador, no carro dos serviços prisionais ao SIC para buscar o BI. Postos lá, disseram que o BI já tinha ido ao tribunal no dia 12, dia anterior. Má fé do tribunal não ter feito a entrega neste dia o meu BI uma vez que ficamos lá mais de 4 horas sem haver sessão alguma.

Fomos do SIC ao Benfica buscar o BI. Tinha a garantia de também ir a Delegação Provincial para correr atrás do prejuízo do cadastro, mas depois de recebermos o BI, o motorista queixou-se da falta de gasolina. Que a que havia era suficiente apenas para me levar de volta a casa e assim o caso delegação ficou esquecido. Nunca mais voltou o carro dos serviços para me levar.

Com o bilhete em mãos ganhei um pouco de ânimo pois a procuração já poderia andar. Encaminhei o tão solicitado BI ao meu irmão. Posto no cartório, “a procuração deve ter dois carimbos! Um do estabelecimento e outro da reeducação” (O que me devora é que eles nunca previnem os supostos erros. Quando pediram para constar a nota da retenção do BI no SIC não falaram dos dois carimbos por que? Estão sempre a dar trabalho estúpido e nunca são responsabilizados. Se por exemplo vier a ter os dois carimbos, irão dar a desculpa de uma data qualquer, de uma assinatura que não casa, de um nome que não devia estar, ou estar, enfim! Tudo só para maçar o pobre cidadão).

Essa notícia fez mais do que enfurecer-me. Dois carimbos!!! Vejam que a procuração tem o carimbo e assinatura da diretora do Hospital Prisão de São Paulo! O meu irmão, ainda assim moveu-se para o Hospital Cadeia S. Paulo para saber disso. A chefe Sónia, chefe da reeducação gentilmente informou que o estabelecimento usa um único carimbo, além do mais a reeducação não possui carimbo próprio.

 

Incansável, o meu irmão foi tentar a sorte em outro notário neste mesmo dia, nos Combatentes. Estes foram mais extremistas “a procuração não deve ser feita pelos serviços prisionais, mas por nós administração pública. É preciso que vá um técnico nosso até a residência do preso colher os dados e a assinatura. A sua deslocação será paga por vós.” O meu irmão ainda falou da facto da procuração ter sido feita enquanto estive em prisão efetiva no HPSP, disseram que é mesmo assim o procedimento. A procuração está ate agora a mofar cá comigo sem sabermos o que fazer.

 

Foi assim que quando retomamos o julgamento na terceira temporada, a 25 de janeiro de 2016, instei com os meus advogados que solicitassem ao juiz autorização para eu ir ao banco. Os multi-caixas podiam aguardar, mas que tinha de ir ao banco com urgência. Já não tinha dinheiro nenhum e família já estava a ressentir. Instei que constassem que o banco fica a pouco menos de 800 metros de casa (o SIAC do Cazenga é na BCA, onde eu moro). O que fizeram prontamente, mas a tal autorização tarda em chegar até hoje. Fizeram outras tentativas, mas parece que também não houve nada.

Estamos em situação de penúria extrema com a família (esposa, dois filhos menores de 5 anos, além de dois irmãos). Até agora, 12h11 do dia 09-02-2016, os meus filhos não comeram nada. Nos últimos dias temos vivido de praticamente uma refeição por dia e recorrentemente arroz branco… Mas branco no verdadeiro sentido e oferecido (dão-nos meio kg/dia).

Não me dão os multi-caixas. Não me deixam ir ao banco. Não me reconhecem a procuração. O que querem de mim e especialmente dos meus filhos menores? Por que acham que os menores devem pagar pelo meu suposto crime que até agora não foi provado? Que justiça deve ser essa?

A minha atitude de me negar a comparecer perante o tribunal até que me permitam ir ao banco é tida como desrespeito ao tribunal; que direi desta atitude maquiavélica de me ver, eu e os meus a penar sem necessidade, uma vez que tenho dinheiro no banco? Estaremos com isso a proteger e defender os direitos da criança? Os direitos humanos já nem posso falar pois alguém bem cotado entre nós, o nosso amado ditador, disse que “não enchem a barriga.”

Não deviam estar preocupados a produzir provas para o nosso suposto “golpe de estado” ao invés de mandarem sumariamente para cadeia ou aspirar fazer o mesmo para alguém que só quer ir ao banco?

A única coisa que sei, é que agora que sabem que não têm saída com o processo querem inventar desculpas. Querem distribuir a pressão e provocar uma tempestade numa rolha de blue com água.

Seguem os documentos mencionados:

M’banza Hamza