Luanda - A pergunta que não se quer calar e que insistentemente o advogado Benja Satula quer ver respondida por acreditar que não foram réus que planearam e mataram Jorge Valério, de 20 anos, em 2012, é precisamente esta. Para o Ministério Público e a assistência produziram-se provas suficientes que condenam Jéssica e os “comparsas”. A sentença está marcada para a próxima Sexta-feira.


Fonte: Opais

As provas mais consistentes do processo são os relatórios das ligações telefónicas estabelecidas entre Jéssica Coelho, Manuel Bravo, João Manuel Mateus, Victor Nsumbo e a própria vítima, Jorge Valério. O tribunal mostrou que os extratos foram obtidos para a descoberta da verdade.

A acusasção corrobora da mesma ideia, no caso o Ministério Público e a advogada assistente, Ana Paula Godinho, uma vez que, dizem, não se compreende de outra forma as razões que levariam Jéssica a ligar várias vezes a Bravo (o motorista) fora do horário de trabalho, nomeadamente às 23:00h de 29 de Setembro, 01:05h da manhã de 30 de Setembro de 2012, e às 02:00h.

Os relatórios mostram que constavam muitas chamadas de Bravo dirigidas a Jéssica no dia do desaparecimento de Jorge, mas, segundo Benja Satula, o advogado de defesa, que se apoiou no mesmo documento, a localização de Bravo dava na zona dos combatentes e de Jéssica, no 1º de Maio, entre as 12:00h e as 14:00h. Por isso, é impossível terem marcado ou feito um encontro no Colégio Elizângela, nesse horário, porque encontravam- se em pontos diferentes.

Passados quatro meses de julgamento e de produção de provas, o caso ainda mostra muitas nuvens escuras, não só verificadas nos autos, como também provocadas por alguns declarantes que se contradisseram em tribunal. “Foram feitos exames às roupas dos arguidos no processo e o resultado foi negativo ou não se detectaram vestígios de sangue”, disse Benja. Os invólucros recolhidos no local do crime, tal como aponta o advogado, não foram examinados, mas fez-se exames de balística a uma arma que não disparou (a que consta nos autos).

“Quem fez os disparos? O indivíduo que matou o Jorge o masacrou, e não o fez porque a pistola encravou, mas porque tinha vontade de fazer, aliás, ele foi fazendo disparos para que ninguém acudisse”, sublinhou, nas alegações finais. O PAÍS, agora que se aproxima o fim do julgamento, traz uma breve nota sobre cada um dos os sete arguidos do caso que ficou conhecido como “Jéssica/Jorge Valério”, como cada um aparece no processo, as suas declarações e as acusações que sobre si pesam.

Para o Ministério Público e a assistência, não há dúvidas de que são os indivíduos abaixo que cometeram o crime, com excepção de Adilson Monteiro (prófugo) e de João Manuel Maiala (o homem que alugou a arma). Pede a condenação dos réus como um acto de justiça feita, também para que sirva de exemplo a não seguir. A decisão desta “novela com várias interrogações” está nas maus do juiz Milecamena António João, da 3ª secção da sala dos crimes comuns do Tribunal Provincial de Luanda.

•NOME: Jéssica Alves Coelho, 20 anos
•OCUPAÇÃO: Estudante

É vista como a mandante do crime, a jovem que projectou e pediu que ‘empacotassem’ o namorado Jorge Valério. Consta nos autos que, aos 17 anos, a então menina pediu ao seu motorista que arranjasse alguém para executar aquele trabalho, uma vez que o seu parceiro tinha fotos exibindo a sua nudez e ameaçava postálas nas redes sociais. Jéssica teria pago 8 mil dólares por todo o trabalho. Mas, em tribunal, como também na fase de instrução preparatória, negou todas as acusações que pesam sobre si, e disse que nunca vira, com a excepção do Bravo, os demais arguidos.

•NOME: Manuel Lima Bravo, 37 anos
•PROFISSÃO: motorista

O cidadão aparece no processo por alegadamente ter arranjado João Manuel Mateus e Rodrigo Domingos Vidal ‘Narô’, jovens com quem a Jéssica negociara. Foi o primeiro dos réus a levantar em tribunal a afirmação de ter sido vítima de tortura por parte dos agentes do SIC no acto de instrução preparatória, tendo acrescentado que quase todas as declarações feitas na fase de instrução preparatória fê-las porque não aguentava mais tanta agressão. Por fim, numa acareação com Hélder Neto, agente do SIC (antes DNIC), Bravo disse que as agressões de que foi vítima, da parte daquele agente, lhe causaram sequelas graves, ao ponto de não mais conseguir ter relações sexuais com a sua esposa.

•NOME: João Manuel Mateus ‘Teodoro’, 32
•PROFISSÃO: taxista

Aparece acusado no processo como o co-negociante da morte de Jorge junto com Narô – este último que desistiu do plano. Teodoro, em tribunal disse que não teve nada a ver com a morte do jovem, nunca tinha visto Jéssica e que estava a ser acusado injustamente. Quando questionado sobre o facto de ter sido indicado por Bravo, seu vizinho, disse que a este tinha comprado uma viatura Hiace. Também disse em tribunal que foi brutalmente espancado pelos agentes do SIC, e que depois de muita surra teve de indicar Victor Nsumbo, porque tinha visto, quando levou o seu carro para ser consertado, uma arma no porta-luvas do carro do mecânico. O SIC negou ter-lhe agredido, acrescentado que Teodoro era gatuno no mercado do “Asa Branca” e que actualmente encontra-se com o rosto “bonito”.

•NOME: Victor Nsumbo “Vladimiro”, 29
•PROFISSÃO: mecânico

Foi detido após ter sido indicado por João Manuel Mateus, então seu cliente, por causa da arma que vira no porta-luvas do seu carro. Em tribunal, disse que alugou a arma para ameaçar os assaltantes que várias vezes entraram na sua oficina e roubaram peças de carros. Também disse que foi espancado por agentes da DNIC (agora SIC), com uma chave de fendas nas nádegas, e que a crueldade dos agentes e a insistência em perguntarem “quem é o seu ajudante”, enquanto o batiam, fez com que indicasse Pocotocha. Victor aparece nos autos como o indivíduo que ficou com a tarefa de arranjar a arma e a viatura com a qual raptaram Jorge Valério. É, dos réus, o que em todas as audiências apresentava um terço pendurado no pescoço e orava no princípio de cada julgamento.

•NOME: António Nhath ‘Pocotocha’, 23
•PROFISSÃO: ajudante de mecânica

Ajudante de mecânica da oficina de Victor, aparece nos autos como o mais cruel de todos os arguidos, tendo aplicado vários golpes a Jorge, agredindo-o com um tambor demetal e blocos de cimento na cabeça. António não disse ter sido agredido pelo SIC, mas em tribunal alegou que o agente Hélder Neto é mau. Um facto curioso foi levantado pela advogada oficiosa, ao revelar, em tribunal, que Pocotocha estava detido de 10 de Setembro a 9 de Outubro de 2012, mas aparece no processo um homicídio que aconteceu a 28 de Setembro do mesmo ano. Nestes termos, não é possível alguém estar em dois sítios ao mesmo tempo.

•NOME: Adilson Cainda Monteiro, 21
•OCUPAÇÃO: estudante

No decorrer das investigações foram feitas buscas na residência de Adilson, por suspeitas do seu envolvimento no crime, e no decorrer das mesmas encontraram no seu quarto estupefacientes. Assim, Adilson está a ser julgado à revelia por posse e consumo ilegal de estupefacientes. Recorda-se que na fase das alegações finais o advogado de Jéssica levantou o facto de o pai de Jorge Valério ter dito, em entrevista, que Roberto Leal Monteiro Ngongo, avô de Adilson, dissera, durante o funeral de Jorge, que o seu neto “não matou, só mandou matar”.

Quem tentou raptá-lo dias antes da sua morte?

Consta também, segundo o que transmitiu o advogado de Jéssica, que no dia 27 de Setembro de 2012, dois dias antes do desaparecimento do malogrado, na Avenida de Portugal, aconteceu uma tentativa de rapto de Valério, tendo os seus raptores o agredido na rua, rasgando na totalidade o seu vestuário, com a intenção de introduzi-lo numa viatura. O rapto não se consumou por intervenção de um familiar. Também não está devidamente explicado, para Satula, o facto de às 22:30h a vítima ser raptada pelos arguidos em questão e às 23:00h os mesmos já estarem no Cazenga. “Os co-arguidos João Mateus e Victor Sumbo dizem ter-se deslocado na mesma viatura, mas seguiram caminhos distintos.


Um fez o percurso Bairro do Cruzeiro- Largo 1º de Maio-Unidade Operativa-FTU-Shopprite-Simão Kimbango-Camama e o outro diz terem seguido o percurso Bairro Cruzeiro-Largo 1º de Maio-Rocha Pinto-Camama?”, outra pergunta que carece de resposta.

Provas do crime que constam nos autos

1 Prova por confissão dos arguidos

2 Prova material e pericial.

3 Prova pericial por exame de endoscopia

4 Prova pericial por exame técnico no local do crime

5 Exame de balística

6 Relatório de reconstituição do trajecto da vítima até ao local do crime

7 Exame do portátil do infeliz

8 Relatório de chamadas emitidas e recebidas no telefone de Jorge

9 Relatório de chamadas emitidas e recebidas no telefone (032) de Jéssica

10 Relatório de chamadas emitidas e recebidas no telefone de Bravo

11 Relatório de chamadas emitidas e recebidas no telefone de Victor Nsumbo

12 Relatório de chamadas emitidas e recebidas no telefone João Manuel Mateus

13 Declarações da testemunha ‘Narô’ em tribunal