Luanda - Se há algo que realmente nos preocupa em relação ao presente e ao futuro desta cidade de Luanda, que é por direito natural muito nossa há já várias décadas (já lá vão seis), são os espaços públicos/zonas verdes.

Fonte: opais

Depois talvez acrescentasse a conservação da memória histórica da cidade através do seu património arquitectónico que ainda resiste intacto ao impacto das chamadas forças de mercado.

No caso em apreço elas têm a particularidade de estarem muito próximas do regulador público, quando não se confundem mesmo com ele ao nível do topo da pirâmide.

Herdeira de um passado fortemente socializante, Angola é um país onde a transição para a economia de mercado continua a ser feita de uma forma que, no mínimo, tem com os princípios da transparência e da equidade, uma relação muito tortuosa.

Para além de natural, o direito à cidade também já é actualmente uma dinâmica corrente de pensamento e de acção ao nível dos movimentos sociais e no âmbito do debate sempre contraditório entre os vários interesses que coabitam no mesmo espaço urbano.

Em termos de evolução/crescimento, as cidades sempre foram feitas tendo por pano de fundo esse permanente conflito de interesses que é o que está a passar agora na nossa Luanda.

De uma forma mais pronunciada, sente-se que isto está a acontecer tendo como referência principal a entrada em cena do Plano Director-Geral Metropolitano (PDGML), que ainda ninguém sabe muito bem por onde vai começar e no quê que vai dar, mesmo depois de todas as explicações já dadas.

Em abono da verdade, é nossa convicção que o PDGML começou a ser implementado há já algum tempo na zona ribeirinha da cidade com a construção de todos os edifícios que lá se encontram e com outras definições, limitações e demolições, sendo o que se está a passar na Chicala e seus arredores um exemplo desta intervenção futurista.

É bom que fique muito claro, que os prédios por mais altos e emblemáticos que sejam, não fazem as cidades, sendo apenas a parte privada delas. Certamente, não é a mais importante e pode ser sempre dispensada a favor do alargamento do espaço público.
O contrário é que já não é muito recomendável, mas é exactamente esta a tendência que estamos a assistir, sem menosprezo por todos os investimentos que já foram feitos em termos de requalificação do espaço público.

Para além das pessoas, dos seus habitantes, a cidade é sobretudo a rua na sua expressão mais abrangente/estruturante, sem a qual nada se faz. Sem circulação de pessoas e bens ficaríamos apenas com o “betão armado em carapau de corridas” e sem qualquer utilidade, pois ninguém aceitaria ficar prisioneiro numa luxuosa torre qualquer, por mais/melhores condições em termos de conforto que ela tivesse para nos oferecer.

A rua é quase tudo.

São as avenidas, as estradas, as passagens superiores e inferiores, os becos, os largos, as praças, os jardins, as zonas verdes, as praias e por aí adiante.

Numa cidade quanto maior for este espaço, maior será a qualidade de vida dos seus habitantes e visitantes, melhor será a própria operacionalidade da urbe com todos os impactos positivos que isto terá em termos de produtividade no que toca ao desempenho da sua economia.

Preocupa-nos cada vez mais o destino que se quer ou mesmo que já se está a dar a esta parte mais pública da Luanda que herdamos em 75 e que está a ser renovada a cada dia que passa.

O ritmo da mudança é bastante acelerado e os critérios não nos parecem estar muito de acordo com algumas noções de equilíbrio que são fundamentais para a própria sustentabilidade da cidade.

Sendo esta Luanda já deficitária de espaços verdes, estaremos do lado de todos aqueles que defendem que o betão armado não se devia aproximar mais de áreas como a Zona Verde do Rio Seco, a Floresta da Ilha de Luanda ou as encostas do Miramar.

Haverá certamente várias outras que agora não nos vêm a memória e que também deviam ser colocadas por quem de direito no mesmo “território interdito” ao investimento imobiliário. Confesso que foi com algum alívio que respirei por ocasião da recente reinauguração do Largo do Ambiente.

A certa altura e tendo em conta a demora da obra cheguei a recear que ali estivesse em marcha mais um projecto imobiliário de alto rendimento, como se diz agora na linguagem oficial.

Os meus receios têm como fonte mais próxima, o que se passou com o falecido largo Julius Fucik, ao lado da Biker (na baixa), que acabou por ser engolido por mais um interesse privado qualquer, depois de nos terem garantido que ali seria construído apenas um parque de estacionamento subterrâneo, mantendo-se por conseguinte a sua disponibilidade como espaço público.

Enquanto se aguarda pela conclusão da obra em curso no jardim em frente ao nosso antigo Liceu Salvador Correia, do renovado Largo do Ambiente diremos apenas que para já ainda só estamos diante de um parque de estacionamento “underground” com alguns “enfeites” à superfície por onde as pessoas podem circular.

Numa primeira apreciação com base nas imagens televisivas muitas foram as pessoas que como eu ficaram a impressão que há pouco espaço à superfície para o verde da natureza se afirmar com uma maior exuberância, mas se calhar é porque as árvores ainda não estão todas crescidas.

A ver vamos.

In Secos e Molhados/O PAÍS (12-02-2016)