Lisboa  - Batizado com o nome Operação Fizz, o caso está a provocar ondas de surpresa e choque no Ministério Público. Orlando Figueira, um ex-procurador do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) que foi responsável até 2012 por investigar algumas figuras do regime angolano, foi detido esta terça-feira por indícios de corrupção passiva “na forma agravada” por ter recebido duas transferências bancárias no mesmo dia em que arquivou um inquérito-crime sobre Manuel Vicente, atual vice-presidente de Angola e outros arguidos. O Expresso sabe que Vicente é suspeito de ser o corruptor ativo do magistrado, ainda que, para já, não tenha sido constituído arguido.

Fonte: Expresso

"Posso confirmar que o meu escritório foi alvo de buscas", admite Paulo Amaral Blanco, advogado de Manuel Vicente e constituído arguido por corrupção ativa. "Isto não tem pés nem cabeça", crítica o advogado. Segundo Amaral Blanco, os investigadores levaram, entre outros documentos, comprovativos dos honorários de Manuel Vicente entre 2007 e 2010. "Estava a ser investigada a compra de um apartamento no Estoril-Sol e eu fiz chegar ao processo esses comprovativos. Quando o processo foi arquivado pedi-os de volta. Agora a polícia levou-os."

 

É a primeira vez na história do DCIAP, um departamento de elite do Ministério Público em Portugal dedicado às investigações mais complexas de crimes de colarinho branco e de criminalidade organizada, que um dos seus elementos é alvo de um processo-crime. E é também a primeira vez que um membro do governo de Angola é suspeito de corrupção em Portugal. Até agora, o que havia em relação a figuras do regime de Luanda eram investigações que resultavam apenas dos mecanismos de prevenção de branqueamento de capitais, na sequência de alertas obrigatórios emitidos pelos bancos quanto ao fluxo de somas avultadas de dinheiro associadas a antigos e atuais governantes.

 

Na Operação Fizz, Manuel Vicente é considerado suspeito de corrupção ativa pelo facto de duas transferências bancárias totalizando um montante de 200 mil euros terem sido feitas para uma conta de Orlando Figueira pela Primagest, uma sociedade controlada pela Sonangol, precisamente quando o atual vice-presidente de Angola era o CEO da companhia estatal angolana de petróleo. "Na tese da investigação, Manuel Vicente é o corruptor", admite Paulo Amaral Blanco. O dirigente angolano não está em Portugal e só por isso não terá sido constituído arguido.

 

As transferências foram feitas a 16 de janeiro de 2012, no mesmo dia em que o então magistrado do DCIAP arquivou um inquérito-crime sobre branqueamento de capitais relacionado com Manuel Vicente. Segundo o que o Expresso apurou, o dinheiro foi depositado numa conta aberta aparentemente de propósito no Banco Privado Atlântico Europa – a filial portuguesa do angolano BPA – e cujo beneficiário era Orlando Figueira. Esses valores viriam a ser mais tarde declarados pelo ex-procurador como rendimento do trabalho.

DE ONDE VINHA O DINHEIRO?

O inquérito-crime sobre Manuel Vicente encerrado em janeiro de 2012 dizia respeito à origem do dinheiro usado pelo então CEO da Sonangol para adquirir um apartamento no nono piso do bloco A do edifício Estoril-Sol Residente, em Cascais, por vários milhões de euros.

Trata-se de uma investigação iniciada em 2011 e anterior a uma outra, aberta já em 2012 na sequência de uma queixa apresentada ao Ministério Público pelo historiador, professor universitário e ex-embaixador angolano Adriano Parreira e com denúncias adicionais feitas pelo jornalista Rafael Marques. Conhecido como “o processo dos angolanos”, o inquérito-crime sobre os factos avançados por Adriano Parreira viria a ser parcialmente arquivado em novembro de 2013, incluindo quanto a suspeitas sobre Manuel Vicente.

Numa nota divulgada esta terça-feira, e sem referir quaisquer nomes, a Procuradoria-Geral da República (PGR) confirma a realização de um extenso número de buscas a casas, escritórios de advogados e a um banco e que “foi efetuada uma detenção” na sequência das diligências levadas a cabo por 11 procuradores, oito juízes e 60 inspetores da Polícia Judiciária.

“Os factos em investigação indiciam suspeitas da prática dos crimes de corrupção passiva na forma agravada, corrupção ativa na forma agravada, branqueamento e falsidade informática”, esclarece o comunicado da PGR, acrescentando: “Em causa está o recebimento de contrapartidas por parte de um magistrado do Ministério Público (em licença sem vencimento de longa duração desde setembro de 2012) com a finalidade de favorecer interesses de suspeito, em inquérito cuja investigação dirigia”.

A saída de Orlando Figueira do DCIAP esteve envolta em polémica por causa dos rumores que correram então de que teria sido contratado por Angola, alegadamente para o banco BIC, mas a instituição financeira negou que isso fosse verdade. O magistrado não informou a hierarquia qual era a empresa para onde ia trabalhar, já que tinha assinado um acordo de confidencialidade, sendo que o Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) concedeu-lhe uma licença de longo prazo, permitindo-lhe voltar a exercer mais tarde funções de procurador.

O empregador-mistério veio a revelar-se ser o Millenium BCP, cujo maior acionista é a Sonangol e onde Orlando Figueira é consultor do departamento de compliance desde 2012. Em 2014 passou a ser também assessor jurídico do CEO do ActivoBank, uma instituição do grupo Millenium BCP vocacionada para a banca online. Além disso, é advogado no escritório da sociedade BAS.