Lisboa - Durante anos foi possível a pessoas nascidas em Angola reclamarem a nacionalidade daquele país. Agora, o parlamento angolano retirou essa possibilidade a meio milhão de pessoas ou mais. Mas só votaram a favor os deputados do MPLA, um movimento que durante décadas foi integrador e hoje em dia é cada vez mais um clube exclusivo para os que querem ter acesso a prebendas e sinecuras que o Estado angolano distribui.

Fonte: Expresso 

Sim, não era fácil obter a nacionalidade angolana para quem tivesse nascido em Angola, mesmo que filho de ascendentes também nascidos em Angola (tudo antes da independência), mas era possível e a lei permitia-o. Mais: a lei chegou ao ponto de ser pródiga e permitir que os descendentes dos tais estrangeiros nascidos em Angola, mesmo que nunca tivessem posto os pés naquele país, poderiam requerer também a nacionalidade.

Agora, isso acabou. No dia 24 de fevereiro, uma data que ficará para a história da nação angolana pelos motivos mais mesquinhos, 142 votos dos deputados do MPLA aprovaram uma nova Lei da Nacionalidade, que impede cidadãos estrangeiros e seus descendentes, nascidos em Angola no tempo colonial português, de serem angolanos. Votaram contra 34 deputados da UNITA e CASA-CE e houve quatro abstenções do PRS e da FNLA.
A secretária de Estado da Justiça, Isabel Tormenta, sublinhou que a os cidadãos estrangeiros nascidos em Angola na era colonial, isto é, até 10 de novembro de 1975, vão deixar de poder obtê-la, sem prejuízo dos que até à presente data já tenham regularizado a sua situação.

"Cidadãos filhos de estrangeiros, nascidos em Angola antes da independência que não tenham regularizado a sua situação já não podem adquirir a nacionalidade, perdem o direito, a partir da data da publicação da lei", reforçou Isabel Tormenta.

Ou seja, a nova lei da nacionalidade não só cria angolanos de primeira e de segunda (os cidadãos estrangeiros que tendo nascido em Angola já pediram a nacionalidade e os que não o fizeram até agora), como é aprovada sem haver uma ampla campanha de esclarecimento no exterior e de facilitação para quem quisesse obter a nacionalidade angolana, como ainda é colocada em vigor sem um período de carência que permitisse fazer o pedido a quem estivesse interessado.

Como as autoridades angolanas bem sabem, fizeram o possível para dificultar os pedidos de nacionalidade a quem vivesse no exterior, pois as pessoas teriam de se deslocar a Angola para obter alguns documentos fundamentais para esse objetivo, nomeadamente a certidão narrativa de nascimento completa, que poderia ser obtida sem dificuldade no exterior, mas que não era permitido. Como é óbvio, o que se pretendia era limitar o acesso à nacionalidade angolana.

Mas pelos vistos não era suficiente. E assim os deputados do MPLA, obedientemente, excluíram da nação angolana meio milhão ou mais de cidadãos estrangeiros que nasceram em Angola, que viveram grande parte da sua vida em Angola e cujos ascendentes já tinham, eles próprios, nascido em Angola. É só mais uma prova de como o MPLA mudou de natureza e de um movimento integrador de todas as sensibilidades da nação angolana que lutassem pela independência e liberdade do povo angolano passou a ser uma via essencial para aceder às prebendas e sinecuras que as mais altas instâncias angolanas têm para distribuir, esquecendo todos os grandiosos objetivos do seu início.

Sim, a partir desta semana, milhares de estrangeiros que se consideram de alma e coração tão angolanos como os angolanos que lá vivem foram, expatriados. É uma decisão que não honra a história do MPLA, nem os seus dirigentes históricos como Agostinho Neto, Lúcio Lara, Viriato da Cruz, Diógenes Boavida, Saidy Mingas, Ruy Mingas, António Cardoso, António Jacinto, Paulo Jorge e tantos outros – que seguramente não a subcreveriam nem a subscrevem.

Mas tenho um segredo para todos os que aprovaram esta lei e estão de acordo com ela: quiseram humilhar uma última vez os que nasceram em Angola, que são descendentes de angolanos mas não vivem lá. Não conseguem. Não conseguem nem nunca conseguirão. Mesmo que rasguem juridicamente os laços que nos unem a Angola, não conseguem tirar Angola dentro de nós. O vosso poder é demasiado pequeno para o infinito amor que temos por Angola. E, como se sabe, atrás de tempos vêm tempos e outros tempos hão-de vir, o mundo é composto de mudança, ninguém é eterno e até Catarina da Rússia um dia ficou velha e feia.

Nicolau Santos