Luanda - É histórica a decisão da justiça de Portugal de levar a tribunal um procurador da República por suspeitas de corrupção envolvendo altas figuras do Estado angolano.

Fonte: SOL

E os processos arquivados por despacho do procurador Orlando Figueira que corriam contra membros da hierarquia de Angola, incluindo o seu vice-Presidente, Manuel Vicente, vão ser reabertos.

É um ponto de viragem na política de tolerância cúmplice para com um dos regimes mais corruptos da atualidade.

Até aqui, a oligarquia angolana beneficiava de um estatuto de total impunidade em Portugal. Não se podia criticar a ditadura de José Eduardo dos Santos porque havia lá portugueses a trabalhar, disse Paulo Portas, cujo primeiro ato oficial quando foi ministro dos Estrangeiros de Passos Coelho foi visitar oficialmente Angola. Já antes, Durão Barroso, como primeiro-ministro e depois como presidente da Comissão Europeia, tinha mantido relações de grande intimidade, muito para além das necessidades protocolares, com o Presidente de Angola e família.

Ainda hoje, dois destacados membros de governos seus, Victor Monteiro e Martins da Cruz, antigos ministros dos Negócios Estrangeiros, operam muito próximo do regime de Luanda, nomeadamente na zona da finança internacional.

E assim, uma série de acontecimentos sinistros foram tendo lugar à vista de todos sem grandes investigações.

O estranho e nunca desvendado negócio de compra de ações do Banif por entidades angolanas continua a ser um mistério. E agora é tarde para se saber o que se passou.

Os principais envolvidos estão mortos (sim, mortos).

O advogado Francisco Cruz Martins, que mediou o negócio das ações do Banif entre Horácio Roque e António Figueiredo (ambos falecidos), foi deixado moribundo à porta de um empresário luso-angolano em Lisboa. Nada foi apurado. Antes pelo contrário, com queixas a correr em Portugal contra os oligarcas angolanos por crimes cometidos nas zonas diamantíferas de Angola, o ministro dos Estrangeiros de Portugal, Rui Machete, apresentava em Luanda ‘desculpas’ pelos incómodos causados aos governantes angolanos e garantia que estava tudo resolvido. Rui Machete tinha razão.

Os processos de investigação a dirigentes angolanos estavam nas mãos do procurador Orlando Figueira, que viria a decidir pelo arquivamento das queixas, interrompendo as investiga- ções às atividades financeiras em Portugal da Sonangol e do vice-Presidente angolano, Manuel Vicente.

Enquanto isto, o capital angolano foi comprando influência em Portugal. Uma frente de investimentos de interesses angolanos tem um filho do ministro Rui Machete entre os seus executivos.

A filha de José Eduardo dos Santos compra bancos e empresas com financiamento local. E o seu marido, Sindika Dokolo, é VIP no Porto de Rui Moreira, compra arte aos milhões na capital do Norte, e recebe como dote do sogro uma porção substancial do continente africano para uma herdade agrícola. Seria uma história divertida de colonizador-colonizado se não estivéssemos a pagar pelo colossal sucesso de Isabel dos Santos na alta finança e pelos dotes artísticos do seu marido congolês, com os colossais prejuízos do BES.

Com capital angolano a controlar os principais órgãos de comunicação portugueses, o regime de Luanda montou uma operação de propaganda que durou anos.

De facto, durou enquanto o preço do crude permitiu pagar a operacionais da informação avençados. Os opositores do regime angolano foram ativamente silenciados nos órgãos nacionais, que competiam na transmissão de estranhas reportagens panegíricas dos paraísos angolanos onde pontificavam portugueses sorridentes a dizer para as câmaras: "está-se bem".

Mas as coisas estão a mudar. Onde havia textos laudatórios aparecem agora notícias.

Um procurador da República está detido, suspeito de corrupção para encobrir crimes financeiros de entidades angolanas. Investiga-se o vice-Presidente de Angola. Agora já não se pode ignorar. Mas não deixa de ser irónico que, embora isto seja conhecido há muito tempo, só agora, que o preço do petróleo desceu para preços irrisórios, é que o vigor da justiça lusitana e do bravo jornalismo português se consegue manifestar.