O milagre do santo de casa não é reconhecido. Dog Murras, nosso grande músico e interprete, tirando os devidos enfeites artísticos, expressou-se assim: para a classe dominante, Angola é um país rico, maravilhoso, bom, para eles e para estrangeiro. Possuem casas na praia, carros de luxo, comem sozinhos, cheios de muita ambição, país de emprego para as mesmas pessoas, país com herdeiros que não fazem nada e possuem muito dinheiro, país de arrogantes, narizes em cima tipo não defecam.

Enquanto isso, do outro lado, do lado dos pobres, continua o nosso interprete - Angola é um país onde inocentes morrem de fome na calçada. Angola para o angolano comum é só desgraça; estradas cheias de buracos, casas sem teto, país arrebentado, cheio de paludismo, febre tifóide, muita diarréia, muito luto. País de “gasosa”, corrupção tapa visão. Pessoas que trabalham honestamente não progridem. Angola é país de frustrados, bêbados (incluem-se as mulheres), onde a criminalidade aumenta a cada dia, país que está engessado, sem luz, sem água, país de bajuladores. Angola é um país de bloqueios e de impedimento da geração. Angola dos invejosos, detratores visão limitada. Angola é país onde aquele que nasce pobre morre pobre”. Ai vem o músico Bob Geldof e diz “Angola é gerida por criminosos”, entenda-se “corruptos”.

O ativista jornalista musical, nascido na Irlanda, organizador do Live Aid e do Live 8, afirmou essas palavras quando participava na “Conferência sobre Desenvolvimento Sustentável”, e que depois se tornou insustentável, no Hotel Pestana Palace, em Lisboa, na intervenção dedicada ao tema “Fazer diferença”. Não creio que tenha inovado ao proferir isso ou tenha feito muita diferença. Ele, apenas, reeditou aquilo que já foi dito, talvez por outras palavras, por pessoas que lhe antecederam no passado. Ele apenas mexeu na caixa dos marimbondos. Mexeu na cabaça da kissangua. É simples. Sempre que se fala no fracasso de encontros de doadores, a desculpa é sempre a mesma: temor de que os donativos parem nas contas dos dirigentes. Ou, então, quem não se lembra quando o Apóstolo Tadeu da Igreja Maná chamou de Angola de “país de Banana” e mandou calar a boca do vitalício ministro da Cultura?

O que me chamou atenção são as reações, que não foram proporcionais à ação de quem apenas exerceu a liberdade de expressão. Isso contraria a terceira lei da Física que afirma: “A toda ação corresponde a uma reação igual e em sentido contrário". Ele foi chamado de comediante de quinta categoria, disseram que insultou o povo angolano, que era ladrão, o acusaram de ter arrecadado muito dinheiro e enviado migalhas à África, de que desconhece a realidade angolana, falava sob efeito do vinho do Porto, drogado, suíno, cheio de rancor e outros nomes feios. Tudo isso só para o fazerem desacreditar.

Cá pra nós, se por ventura ele elogiasse Angola, alguém diria que não valia nada por ter sido feito por um cantor com todos os adjetivos acima? Como o Banco Espírito Santo e o Semanário Expresso, que são instituições de primeiro nível convidariam um indivíduo de quinta categoria? Onde se encontra essa categorização de pessoas, para eu ver em que posição Kwata Kanawa se encontra?

Todas as peças de defesa são muito frágeis. Alegaram o crescimento econômico. Isso é deprimente. Vivemos numa época em que todas as economias do mundo estão crescendo, algumas mais e outras menos. No nosso caso é muito agravante porque o povo só está a ver fumo. Como, então se explica que, Pinochet, aquele que chegou a ficar retido em Londres por muito tempo, que foi um grande criminoso, que negou liberdades individuais, mandou matar muitos desafetos, ter organizado a economia chilena a ponto que as outras da América latina ficaram por muito tempo a um dedo acima do ânus de uma cobra?

Não adianta falar mal de outros países, principalmente porque nós dependemos deles. De nada adianta querer remeter o assunto à escravatura. Se no passado a Europa se enriqueceu à custa desse triste negócio, hoje os convidados aumentaram e provêm de todos continentes. Nada mudou 550 anos depois.

O que eu esperava é que mostrassem com números. Deveriam informar o número de escolas construídas, qual a percentagem de alunos que estão enquadrados ao sistema escolar, mostrar que ninguém possui nome na lista da Interpol e estão com nomes limpos nos registros criminais, deveriam colocar à disposição o nome de todos os dirigentes e de seus familiares mais próximos para ver se têm dinheiro depositados em outros países e se é combatível com o salário que recebem! Deveriam afirmar que eles andam livremente, pelas cidades de Luanda, no seio do povo, sem seguranças porque eles estão de bem com o povo.

Entretanto, por que dizem que ele ofendeu o povo angolano se ele disse que Angola era “gerida por criminosos?”. Ele não falou que o povo angolano é criminoso. Ele não me ofendeu porque não sou criminoso. Já no caso do Apóstolo da Maná, ele ofendeu sim, porque chamou-nos de “malcheiros”, “pés-descalsos”. O que se esconde atrás disso é a velha mania de envolver pessoas só para conseguirem solidariedade. Velha malandragem. Acho que um meu colega acertou quando outro dia lhe perguntaram qual era o sistema vigente em Angola, ao que ele respondeu: “na distribuição de prejuízos somos comunistas; na distribuição de lucros somos capitalistas e politicamente é uma anarquia”.

Este é um problema que o próprio governo é que tem que responder. Não adiante a oposição nem o povo se meter. Eles já são grandinhos. O que eles estão fazendo é aquilo que é conhecido como lágrima de crocodilo. Um crocodilo quando come sua presa, os movimento das mandíbulas e maxilares comprimem as glândulas lacrimais e começa a derramar lágrimas. Não chora porque está com fome, antes pelo contrário, é a certeza que tem uma carne para comer naquela semana e, as sobras, para seu animal de estimação, aquele que se fosse pessoa, seria um cão, por exemplo.

Em relação a essa discussão, entendo que o cantor deveria ser mais diplomático. Em vez de dizer que o fulano é mentiroso deveria dizer o clássico “está faltando com a verdade”. Soa mais bonito nos ouvidos da vítima, principalmente se tiver cerra, que impede ouvir os gritos populares.

Ser criminoso não precisa sair com armas por aí ou prendendo injustamente pessoas. Fazer uma política que só beneficie ou perpetue um grupo no poder, eternamente, não é saudável. Quando não se tem um povo feliz, isso também não saudável. Quando 3 crianças, em 10 que nascem, morrem, isso é cruel, se levarmos em conta as riquezas do país. Quando há angolanos formados fora, é o caso de Portugal que possui mais de 150 médicos e o país, que está doente, não possui nenhuma política de reintegração desses profissionais. Isso é cruel. Quando a elite cria e muda leis, como querem fazer agora para que o resultado das eleições seja divulgado até 15 dias depois do pleito, isso é casualidade. Nenhum grupo deve instrumentalizar as leis só para atender a seus interesses.

Angola precisa resolver problemas graves e crônicos. Não vemos políticas nesse sentido. Temos elevado grau de analfabetismo, doenças sexualmente transmissíveis, funções públicas vitalícias, inércia e desrespeito com coisas públicas, como retirar do poder pessoas sádicas, cínicas, como minimizar as gritantes desigualdades existentes entre angolanos, os benefícios do crescimento econômico não chegam à população, que fica batendo palmas naquelas inaugurações de pontes de paus. Recursos para Saúde e educação nem se fala. Tudo se perde pelo caminho.

Além disso, devemos parar com essa mania feia de justificar a corrupção do país mostrando que em outros países também há. Que também, em outros países, há alternância de poder isso ninguém fala. Precisamos acabar com tráfico de influência, e tirar da administração pública pessoas que não possuem nem habilitação de administrar um carro de pipoca. Precisamos também discutir como inibir instituições que organizam eventos sobre Angola, muito mais no ato de puxa-saquismo. Acho que Bob deu saída ao jogo para que possamos botar tudo isso na ordem do dia.

Se algum dia me convidarem para uma conferência no Hotel Alvalade, em Luanda, vou afirmar que o governo é cremoso. É que não é quente, nem frio. É morno! Isso enjoa qualquer um. Só faz meleca. Isso mata qualquer um de raiva. Qual é a solução clássica de coisa morna na boca? Vomitar tudo que é cremoso.

* Feliciano J.R. Cangüe
Fonte:
http://www.cangue.blogspot.com