Luanda - Em Angola parece, ainda, ser da praxe a ilusão de que para o bom exercício da prática jornalística basta ter uma voz grave, uma aptidão comunicativa, boa aparência física e uma redacção repleta de escribas com o domínio da técnica da pirâmide invertida, ao passo que na era da “sociedade da informação” não é, absolutamente, assim.

Fonte: Club-k.net

Esta reflexão propôs­se em olhar para o jornalismo como uma actividade produtora e transformadora da realidade cuja prática requer uma ampla compreensão do pensamento teórico da comunicação de modo a influir, pelo jornalismo, no comportamento do homem pela inculcação de valores socialmente necessários.

Porquanto, acredita­se ser dominante a compreensão do jornalismo como a actividade reprodutora do real, ou seja, um meio de passagem da informação onde a objectividade, a clareza e a imparcialidade na observação, selecção, recolha, tratamento e divulgação dos factos são concebidos como a matriz do jornalismo em torno da qual gravitam todo proceder jornalístico.

É importante referir que apesar das diversidades de géneros jornalísticos existentes nos diferentes meios de comunicação, dada as características do meio de difusão, eles podem ser agrupados, segundo Luís Beltrão (apud LOPEZ, 2010:2), em género informativo, opinativo e interpretativo.

O género informativo constituído pela “ notícia, entrevista, reportagem, história de interesse humano e a informação por imagem” (idem), tem sido o foco da actividade jornalística onde a objectividade e a isenção na abordagem dos factos depois da Segunda Guerra Mundial passou a ser, de acordo com Lage (1999), a condição sine qua non para a prática jornalística. Por causa do surgimento do jornalismo literário ou o new jornalism pelo qual começaram “a circular nos EUA reportagens inventadas, afastando e deslocando o jornalismo de aspectos reais para ficcionais” (BORELLI, 2005:3). Nesta época imperava a noção de jornalismo como o espelho da realidade.

Todavia, no culminar dos anos 60, segundo Borelli (2005:3), surgiram, no seio dos profissionais e académicos, questionamentos e mudanças na “tendência em vigor, caindo por terra dogmas tradicionais como a objectividade”. O escândalo Watergate acompanhado com a abdicação do presidente Nixon da eleições presidenciais, influenciou a imprensa a pensar em um outro paradigma e o jornalismo deixou de “ser um lugar de passagem, de reprodução, de um mero veiculador e relator dos factos” e passou a ser “autor, protagonista dos factos de interesse público, a partir da investigação e da prática de um jornalismo interpretativo”.

Desde então, argumenta Borelli (2005:2), a famigerada objectividade “tão difundida ao longo da história do jornalismo serviu apenas para propagar a superficialidade”. Pois, a tendência moderna passou a apregoar um jornalismo “como um dispositivo” de construtor da realidade. Não obstante, a professora Viviane Borelli (2005:8) acrescenta que o exercício da actividade mediática “está impregnado de subjectividade, seja na escolha do ângulo da foto, selecção das fontes e citações”.

Borelli adianta ainda que esta atitude tem como pano de fundo as intenções dos media que “passam a construir seus critérios para solucionar falas, fontes, pontos de vistas”, ou seja, “ para definir o que é ou não importante”. Por conseguinte, como afirma Correia (2000) os media “fixam não tanto a forma como pensamos, mas os temas sobre os quais devemos pensar”.

Contudo, vale dizer que os temas seleccionados para o debate público não se devem contrastar da realidade social local, porque “ os media desempenham o papel de mediadores entre as diversas árias sociais, “fazendo aproximações, provocando diálogos entre eles” (BORELLI, 2005:7). Os media, adiciona, se configuram num espaço de legitimação e consolidação do real através da visibilidade proporcionada nos outros campos.

Portanto, o jornalismo como actividade transformadora da realidade assenta na perspectiva do jornalismo como actividade construtora da realidade. Porque se é possível construir é, igualmente possível transformar mediante os sentidos produzidos pelos media. Acredita­se que o jornalismo em Angola pode transformar através da prática de um jornalismo interpretativo e não como um meio reprodutor de assuntos que merecem especial atenção como: educação ambiental, a decadências dos valores morais e cívicos, delinquência juvenil, etc.

Por exemplo, em consequência dos recentes casos frequentes de abusos sexuais a menores em Angola, há já pronunciamentos de que a solução para banir tais actos passa pela aplicação da pena de morte. Ora, a partir de que meio se obteve as informações sobre os abusos sexuais a menores? Por intermédio de que género jornalístico? Depois da divulgação tem havido um seguimento dos mesmos factos por outros géneros? Em muitas circunstâncias as grandes decisões políticas são, fortemente influenciadas pelos media, através de notícias fragmentadas como estas. Todavia, sobre as responsabilidades dos media neste assunto vale citar o pensamento de uma referência do jornalismo brasileiro, Mauri Konig:

O conjunto da imprensa se preocupa muito pouco em apresentar as causas, e menos ainda em apresentar soluções. Em uma cobertura ideal seria importante não só discutir soluções, mas também narrar os casos de violência com a trajetória e história de vida das vítimas e dos agressores, pois suas biografias revelam os determinantes sociais, culturais e econômicos, o que poderia revelar causas, contextos e fatores que os levaram à violência. A qualificação da cobertura jornalística passa, portanto, pelo entendimento mais a fundo dos casos retratados na imprensa e pela qualificação do profissional de comunicação2.

Ainda em gesto conclusivo, acha­se oportuno dizer que o exposto sobre o jornalismo como actividade construtora da realidade é um tema sobre o qual não se debruçou essencialmente, pois há muito e muito mesmo que se lhe diga, porém é necessário que se olhe profundamente nos critérios da prática jornalística em angola dado que é urgente que se pense em um jornalismo a partir de Angola e para Angola, mas com ferramentas científicas universais por meio das quais poder­se­á criar uma identidade jornalística sob embasamento da cultura, da realidade social, política, económia, história e antroplógia do país.

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  1. 1­  Licenciado em Ciências da Comunicação/Jornalismo pelo IMETRO.

  2. 2­  Mauri Konig in O jornalismo é um instrumento transformador de pessoas e realidades, disponível em:

    http://blog.andi.org.br/o­jornalismo­e­um­instrumento­transformador­de­pessoas­e­realidades­afirma­ mauri­konig, acessado aos 20­02­2016.-