Luanda - O juiz Januário Domingos (centro) viola, sem rodeios, a Constituição no Caso dos 15+2.O Despacho que mantém a prisão domiciliária dos 15, proferido pelo juiz Januário Domingos, é ilegal e deve ser revogado. No dia 18 de Fevereiro de 2016, o juiz manteve a medida de prisão domiciliária por meio de um despacho com pouco mais de dez linhas. Ou seja, nem sequer uma linha de texto gastou para cada arguido. Basta este detalhe formal para se perceber que se trata de um despacho não fundamentado, e portanto desprovido de significado jurídico. Contudo, cumpre analisar pormenorizadamente o despacho e a lei a que este faz referência.


* Rui Verde
Fonte: Makaangola


A Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal (Lei n.º 25/15, de 18 de Setembro) dispõe, no seu artigo 18.º, que o Ministério Público e, por interpretação extensiva, o juiz, quando for da sua competência, ao aplicar uma medida de coacção deve ponderar a necessidade e adequação da mesma ao caso concreto, acrescendo o seu n.º 2 que as medidas mais gravosas (prisão preventiva e prisão domiciliária) só se aplicam em concreto quando outras menos gravosas não forem suficientes ou adequadas.


Através desta norma de carácter geral e permanente, impõe-se ao juiz que, ao aplicar medidas de coacção, considere dois aspectos essenciais: a proporcionalidade e a circunstância individual de cada arguido. Isto é, as medidas têm de ser vistas no concreto e devem ser ponderadas expressamente alternativas menos gravosas. Assim, face à nova lei, o juiz Januário Domingos deveria verificar se, em relação a cada um dos arguidos (e não em grupo – os arguidos são pessoas individuais, não uma manada), a medida concreta era aplicável e, em caso afirmativo, justificar a sua manutenção.


Essa justificação será feita de acordo com os pressupostos do artigo 19.º. Na realidade, o juiz invoca genericamente a alínea c) do n.º 1 do artigo 19.º, ao mencionar que há “perigo da continuação da actividade criminosa ou perturbação grave da ordem e tranquilidade pública”. Todavia, limita-se a transcrever a norma e a afirmar que assim é. Não explica por que razão considera existir este perigo e não individualiza o perigo relativamente a cada um dos arguidos. Contudo, era sua obrigação fazê-lo.


A lei, ao prescrever no artigo 39.º (e não no 36.º, como por lapso o magistrado escreve), a obrigatoriedade do reexame dos pressupostos da prisão preventiva, e por força da equiparação normativa dos artigos 40.º, n.º 4, dos pressupostos da prisão domiciliária de dois em dois meses, atribui ao juiz um papel de avaliação substantiva da medida. Isto é, repetimos, o juiz é obrigado a avaliar em relação a cada um dos arguidos se os pressupostos para a manutenção da medida de coacção aplicada se mantêm. E é justamente isso que torna este despacho ilegal: ele não individualiza os arguidos e não concretiza os factos concretos que os torna, individualmente, um perigo para o público e uma ameaça à tranquilidade.


Ao não individualizar os arguidos e não concretizar os factos específicos que determinam a manutenção da prisão domiciliária, o despacho emitido pelo juiz Januário Domingos é ilegal, devido à violação dos artigos 18.º, 19.º e 39.º da Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal.


Acresce que a jurisprudência do Tribunal Constitucional de Angola, ainda no seu recente Acórdão n.º 384/2016, é inequívoca ao afirmar que os tribunais não devem revelar interpretações restritivas relativamente a medidas de coacção, que reconhecidamente têm de limitar-se ao “necessário, proporcional e razoável, numa sociedade livre e democrática”, apelando a uma hermenêutica moderna naquilo que diz respeito ao regime dos direitos fundamentais, que “prefira a máxima eficácia e abrangência dessas normas [de direitos fundamentais]”.


Portanto, além das normas concretas da Lei das Medidas Cautelares, há que considerar os ditames interpretativos determinados pelo Tribunal Constitucional no sentido do respeito claro e abrangente dos Direitos Fundamentais quando se trata de aplicar medidas de coacção, tendo em conta os preceitos constitucionais.


Portanto, quer atendendo à legislação quer à mais recente jurisprudência do Tribunal Constitucional, o despacho do juiz Januário Domingos que mantém a prisão domiciliária dos 15 é inequivocamente ilegal e inconstitucional.