Lisboa - O Ministério das Finanças enviou na segunda-feira para consulta do Banco de Portugal, da Comissão de Mercados e Valores (CMVM), do Banco Central Europeu e da Associação Portuguesa de Bancos uma proposta de alteração da lei que regula a blindagem de estatutos nas sociedades cotadas e ofertas públicas de aquisição (OPA). A solução de acabar com as restrições aos direitos de voto em assembleias gerais é “uma recomendação” da CMVM, mas não gera consensos.

Fonte: Público
Tudo apontava para que o Governo aprovasse na quinta-feira uma alteração da lei que regula a blindagem de estatutos nas sociedades cotadas e ofertas públicas de aquisição, o que não se confirmou. A iniciativa faria cair a blindagem em caso de uma OPA para controlar mais de 75% do capital. O que seria favorável aos interesses do maior accionista do BPI, o banco espanhol Caixabank, com 44% do capital, que hoje trava uma guerra com Isabel dos Santos (Santoro), com 18,4%.

Contactado, o gabinete do primeiro-ministro disse ao PÚBLICO que “a vontade do Governo é que os accionistas do BPI concluam a contento de ambas as partes as negociações em curso, sem que o diploma perturbe as negociações entre a engenheira Isabel dos Santos e o Caixabank. Gostaríamos de aprovar o diploma após as partes se entenderem.”

Mas ao posicionar-se como sendo favorável a uma mudança da lei, a meio da disputa, a acção de António Costa foi interpretada como uma ajuda implícita ao grupo espanhol. O que contribuiu para, já esta semana, o CaixaBank e Isabel dos Santos regressarem à mesa das conversações. A aparente aproximação não é alheia também ao facto de o prazo dado pelo Banco Central Europeu (BCE) ao BPI para se libertar da exposição ao Banco de Fomento de Angola estar a chegar ao fim. Outro dado a ter em conta no retomar dos contactos prende-se com a decisão da CMVM de imputar ao BIC Angola (de que Isabel dos Santos é também accionista) uma participação de 2,4% do BPI que obrigou a revelar. A posição (BIC e administradores) já existia desde 2013, altura em que deveria ter sido comunicada ao mercado, mas não foi.

O projecto do Governo está a ser analisado pelas instituições bancárias, que deverão enviar de seguida os seus contributos para poderem ser analisados pelas autoridades. Em linhas gerais, a solução apresentada é esta: as empresas com estatutos blindados devem ratificar esta regra em assembleia-geral, de cinco em cinco anos, sendo que nesse momento cada accionista votará com as acções que tem (sem restrições).

O segundo maior banco privado, o BCP, que tem igualmente o capital blindado, já fez saber publicamente, através do presidente do conselho de administração, António Monteiro (que representa a Sonangol), que é preciso cuidado a legislar. Um conselho que tem sido passado para a esfera política e que tem por detrás uma preocupação: em economias frágeis, mais do que beneficiar no curto prazo os accionistas, há que encontrar mecanismo de defesa que permitam optimizar os interesses das empresas. Recorde-se que o BCP enfrenta um quadro de fragilidades expressas nomeadamente na sua cotação e por ter ainda de pagar ao Estado 700 milhões de um empréstimo. As debilidades resultam igualmente de ter como maior accionista (20%) a petrolífera Sonangol, sem vocação para gerir bancos, e com restrições económicas em Angola.

As movimentações junto do poder político têm envolvido, como era de esperar, figuras de topo ligadas ao BPI favoráveis à desblindagem estatutária, entre as quais Artur Santos Silva. O presidente do conselho de administração do BPI actua no âmbito das suas funções, de defesa de uma posição apoiada pela maioria do capital.

O fim da blindagem dos estatutos (no BPI os accionistas votam apenas com 20% do capital presente) é requerido pelo banco espanhol desde 2014, mas não tem sido tema que preocupe Isabel dos Santos. O Caixabank quer poder votar com o investimento realizado (44% das acções), enquanto a Santoro alega que adquiriu em 2012 parte da sua posição no BPI ao grupo espanhol com o pressuposto da blindagem. E, aparentemente, não quer meter mais dinheiro no BPI. Como Isabel dos Santos tem direito de veto, apesar de estar alinhada com pouco mais de 20% do capital, inviabiliza a mudança estatutária.

Em simultâneo, tem havido outro diferendo, este à volta do BFA, onde o BPI possui 50,1% do capital, e a Unitel de Isabel dos Santos os restantes 49,9%. Para responder às exigências do BCE, que não reconhece ao Banco Nacional de Angola um padrão de supervisão equivalente ao europeu, o BPI propôs a cisão das suas operações angolanas e moçambicanas (para não contaminar o balanço). Proposta que, numa primeira fase, recebeu o apoio da empresária. Mas, havendo entendimento sobre desblindagem dos estatutos, este tema cai, pois a maioria do capital aprova a separação dos activos africanos. Resta saber se, em Angola, a Unitel está de acordo e se o Banco Nacional de Angola permite.