Luanda - Na Kahama, um pequeno município no sul de Angola, não há família que não crie animais ou não viva da agricultura, cenário que a seca prolongada, de três anos, alterou drasticamente levando muitos, em desespero, a comer as próprias sementes, mas também raízes ou erva.

Fonte: Lusa

Os relatos são conhecidos e o próprio soba - autoridade tradicional - da comuna principal daquele município, o mais afetado pela seca na província do Cunene, confessou à Lusa que o povo ainda hoje "desespera" por comida.

E a chuva que começou a cair, timidamente, no final de 2015, ainda não permite aliviar o receio.

"A fome ainda não foi. Muitos foram parar nos hospitais por comerem raízes e assim", admite o soba da Kahama, Moisés Varanda, confessando que o povo "sofreu bastante".

Em conversa, conta que a agricultura, com a seca extrema dos últimos anos, "finalizou" naquela comuna e que mais de 200 cabeças de gado se perderam em 2015.

"No meu curral perdi 18 cabeças de gado bovino, fiquei com cerca de 30", confessa o soba, sem esconder as suas próprias dificuldades.

"Eu passei muita fome, todos passamos", atira, explicando que a população chegou a racionar a comida, com as refeições apenas à noite. Também por isso, aos 63 anos e habituado a dificuldades, não tem dúvidas em afirmar: "Desta vez, a seca foi mais dura".

Ao fim de três anos, a chuva voltou a cair em novembro, ainda que longe das necessidades, menos de 100 milímetros face aos habituais 500 milímetros. Já surgiu algum pasto para os animais, mas na agricultura faltam as sementes para relançar a atividade, nomeadamente as tradicionais culturas de massango, massambala e milho.

É que sem mais nada comer, restaram as sementes para garantir algum alimento durante a seca.

"Precisamos de oito toneladas de sementes de cada para começar já a produzir", explicou à Lusa o diretor municipal de Agricultura da Kahama, João Zua, resumindo também ele, da mesma forma, os últimos três anos: "Foi uma seca terrível, muita fome".

Em terra com cerca de 70.000 habitantes, a generalidade dedicada à agricultura de subsistência, além do gado, nem a cultura massango, mais resistente à falta de água, sobreviveu.

"Não houve culturas, todas foram afetadas e constituem a dieta básica da população. As pessoas viram-se obrigadas a consumir as sementes", reconhece Zua.

De uma produção anual acima das 30.000 toneladas de cereais, Kahama viu os campos não terem qualquer produção e mesmo em 2016, apesar da chuva que começou a cair, não se esperam grandes mudanças, tendo em conta a falta de sementes, apoio que antes era também prestado pelo Estado e que deixou de chegar. Aliado a isto, a crise económica no país também afeta os agriculturas locais, sem dinheiro para comprar sementes.

Por isso mesmo, João Zua admite que "não se espera uma grande produção agrícola" este ano. Já a criação de gado poderá começar a recuperar, mas os efeitos da seca ainda estão bem presentes localmente, tendo afetado 150.000 animais.

Em concreto, os criadores das duas comunas que constituem a Kahama viram morrer mais de 2.400 bovinos e 115 caprinos, só em 2015.

"Uma seca terrível, foi a pior que vivemos no município", garante Zua, também engenheiro agropecuário, de 53 anos.

No curral de Luciano dos Santos, criador de gado e agricultor na comuna-sede do município, perderam-se, só no último ano, 14 bovinos. Com 12 filhos para alimentar, confessa que foram três anos "muito difíceis", em que a fome foi o cenário habitual em casa, olhando para campos sem comida.

"Cultivo mais massango e um bocadinho de milho e umas abóboras, mas no ano passado não deu nada", admite, à conversa com a Lusa, mas sem esconder confiança, agora que a chuva começou a cair.

"Acho que esta colheita já vai ser aceitável", conta, num misto de convicção e de fé.

Por estes dias, a população da Kahama, tal como outras localidades do Cunene, segue de olhos fixos no céu, à espera que a chuva, com maior ou menor intensidade, pelo menos não pare.

"Esperamos que a natureza nos dê essa felicidade, de termos as quedas pluviométricas normais, que permitam a nossa atividade", remata o diretor municipal de Agricultura, João Zua.