Lisboa - Ricardo Salgado quebrou o silêncio no livro “BES. Os Dias do Fim Revelados”. Ataca, como nunca antes, Álvaro Sobrinho, diz ter sofrido ameaças e sugere que a KMPG pode ter sido influenciada pelo ex-presidente do BESA para escrever que as contas do banco estavam de boa saúde

Fonte: Visao

O episódio está contado no livro “BES. Os Dias do Fim Revelados”. Ao longo de quatro meses, a jornalista Alexandra Ferreira manteve conversas com Ricardo Salgado sobre os últimos dias que antecederam a queda do BES e do GES. A dada altura, quando o tema era “Álvaro Sobrinho”, Salgado contou que um irmão do ex-presidente do BESA terá ido a sua casa, em Cascais, ameaçá-lo. “Fui inclusivamente ameaçado em minha casa por um irmão dele. O irmão veio dizer-me que tinha um exército em Angola, com quatro mil homens, uma empresa de segurança.” Segundo o ex-líder do BES, o irmão de Álvaro Sobrinho estava furioso porque acreditava que teria sido Salgado a denunciar o ex-presidente do BESA ao Ministério Público.

A verdade é que as relações entre ambos já se tinham deteriorado. No livro editado pela Chiado Editora, e lançado na passada quinta-feira, Salgado conta que durante algum tempo foi ouvindo que havia problemas na gestão do BESA comandada por Álvaro Sobrinho. Desvalorizou, por entender que se tratavam de tricas entre acionistas angolanos. Mas em 2011 as informações transmitidas por Manuel Vicente, o então presidente da Sonangol e hoje suspeito de corrupção ativa na 'Operação Fizz', começavam a ser cada vez mais alarmantes. Como se já não bastasse haver empresários portugueses a queixarem-se de não conseguirem falar com o então presidente do BESA, Vicente acrescentava um dado ainda mais grave à história: o BESA estava com problemas de tal ordem que Sobrinho tinha sido chamado ao Banco Nacional de Angola para ser “altamente questionado”.

Nessa altura, conta Salgado, terá sido Álvaro Sobrinho o primeiro a ligar para Lisboa. “Dr. Ricardo Salgado, querem dar cabo do nosso banco!”

Já em Lisboa, Sobrinho disse-lhe estar convencido de que “havia alguém que queria causar problemas ao BESA”. Salgado terá então tentado confirmar aquela informação por outras vias, falando com os sócios angolanos. Chegou o momento em que todos terão sido unânimes: era preciso tirar Álvaro Sobrinho da presidência executiva do BESA.

Numa manhã de Outubro de 2012, Salgado chamou Sobrinho à Avenida da Liberdade, em Lisboa, para lhe comunicar que iria deixar a comissão executiva para passar a presidente do conselho de administração do BESA. As conversas entre ambos tinham ficado mais ásperas e Salgado não concordara com o investimento que Sobrinho entretanto fizera no semanário SOL mas ainda acreditava que o problema do BESA teria reparo.

O Banco Espírito Santo tinha iniciado a sua atividade em Angola há dez anos. Ricardo Salgado escolhera Sobrinho, ex-atuário do BES, para liderar a instituição que teria como parceiros a Portmill, chefiada por Manuel Hélder Vieira Dias Júnior, conhecido por Kopelipa, e o gupo Geni, chefiado pelo general Leopoldino Fragoso do Nascimento, conhecido por general Dino. Escolher Sobrinho tinha sido fácil: “Para além de ser uma pessoa extremamente meticulosa, tinha uma formação de base sólida em termos de matemática. Era uma pessoa de lápis afiado, muito meticuloso. E muito exigente.”

Em 2009, por imposição do Banco Nacional de Angola, o BES deixa de conseguir controlar informaticamente o que se passa no BESA. Salgado não faz caso. Confiava na equipa e os resultados do banco eram bons, estava em crescimento.

Tudo viraria drasticamente depois da conversa de Outubro de 2012. “Comecei a ser atacado por todos os lados, em Portugal e Angola”, conta Salgado. Mas só na Assembleia-geral de acionistas do BESA, em 2013, teve noção da realidade: milhões terão saído do banco angolano para destinatários cujos beneficiários finais são desconhecidos. Salgado tinha entre mãos um problema de 5,7 mil milhões de dólares dificilmente cobráveis.

Nessa reunião, recorda Salgado, por várias vezes o general Kopelipa terá perdido a calma com Álvaro Sobrinho: “Somos primos! Como é que isto é possível?” Sobrinho prometia resolver.

Hoje é Ricardo Salgado quem ataca. Sugere que a KPMG, presidida por Sikander Sattar, terá sido influenciada por Sobrinho para fazer um relatório de controlo interno, relativo a 2012, a dar conta de que o BESA estava “de boa saúde”. “Não me passa pela cabeça que o Dr. Álvaro Sobrinho não tenha conseguido controlar isto. A coisa mais espantosa é que isto vem com data de 28 de junho de 2013. A KPMG esteve, no mínimo, distraída.”

E questiona que legitimidade teria Sobrinho para criar uma sociedade chamada BESA UK, na segunda metade de 2012.”Para que é que se foi constituir uma sociedade que era dele com o nome do banco e que depois fechou em 2014? Sem nós sabermos! Ninguém sabia! (…) Merecia investigação.”