Luanda - José Eduardo dos Santos, ao anunciar a sua saída da vida política activa, pode simplesmente estar a adiantar um peão numa jogada de xadrez, almejando em mais dois ou três lances dar o xeque-mate tão desejado, que é o de assegurar uma sucessão mais ou menos consanguínea, à igualdade de outros ditadores africanos, como foi os casos de Ali Bongo, filho de Omar Bongo, e Joseph Kabila, filho de Laurent-Désiré Kabila.

 

Fonte: Central Angola

 

Em 2010, JES colocou em vigor no país uma constituição onde, dentre vários aspectos atípicos, destaca-se a forma de eleição do Presidente da República, desde então constitucionalmente dependente da eleição do partido à Assembleia Nacional, pois torna-se PR e Chefe do Executivo “o cabeça de lista […] do partido político ou coligação de partidos políticos mais votado no quadro das eleições gerais…”, conforme se pode ler no artigo 109°. Se por um lado é estranha a forma de eleger o presidente do país, é também surpreendente o que reserva a CRA na questão da substituição do presidente da República, o que nos é esclarecido no artigo 132°.

 

Eventualmente este artigo e a declaração anedótica de José Eduardo faça confusão com o disposto no artigo 128.°, onde se explicam os trâmites a ser seguidos perante uma auto-demissão do Presidente da República. O número 1 do artigo 128.° situa já a forma em que pode ocorrer essa auto-demissão – perturbação grave ou crise insanável na relação institucional com a Assembleia Nacional – e não é, salvo melhor entendimento, aplicável ao modo de saída que JES anunciou, ainda que não tenhamos levado à sério esse anúncio, visto que ele já demonstrou consistentemente não levar o país à sério. Tratar-se-á então do que a constituição denomina como “vacatura de cargo”. Rendamo-nos momentaneamente ao espírito da brincadeira e esmiucemos um pouco mais o artigo 132º da constituição JESiana. Dispõe o número 1 deste artigo que, ipsis verbis:

Em caso de vacatura do cargo de Presidente da República eleito, as funções são assumidas pelo Vice-Presidente, o qual cumpre o mandato até ao fim, com plenitude dos poderes. Sublinhado nosso. Está bastante claro esse ponto. Mas permitam-nos agora contextualizar o discurso do Kitumba quando, de forma ardilosa, anunciou aos seus militantes: “Assim, eu tomei a decisão de deixar a vida política activa em 2018”.

 

O senhor presidente não disse que em 2017 estará inactivo politicamente, pelo que poderá, obviamente, ser o candidato do MPLA – sempre à boleia partidária, até porque na sexta-feira, dia 11 de Março, no final da reunião do Comité Criminoso (CC), já ficou decidido que será ele o candidato único para presidente do seu partido no congresso marcado para Agosto. E como certamente ganhará em 2017, com a fraude já em curso, coordenada por uma comissão interministerial por ele criada, é aí onde a próxima peça do xadrez pode ser equivalente a um bispo sacrificado – ele próprio. Eis o hipotético cenário:

Depois da tomada de posse, poucos meses passados, anuncia o abandono e imediatamente é substituído pelo vice-presidente, nos termos do número 1 do artigo citado. E quem será o vice-presidente? Ainda não está claro. Mas suponhamos que seja o Manuel Vicente novamente, uma vez que o MPLA parece ter particular apetência em manter criminosos no poder.

 

MV assume a presidência do país e, voilà, xeque-mate constitucional do Zé, apegando-se ao número 2 do artigo em análise, que dispõe o seguinte: “Verificando-se a situação prevista no número anterior ou a vacatura do Vice-Presidente, o Presidente da República [no caso já é o vice transformado em Presidente] designa uma entidade eleita para o Parlamento pela lista do partido político ou coligação de partidos políticos mais votados [um deputado eleito na mesma eleição], para exercer as funções de Vice-Presidente, ouvido o partido político ou a coligação de partidos políticos que apresentou a candidatura do Presidente da República, nos termos dos artigos 109°. e 143°. e seguintes da presente Constituição.”

 

Exposto isso, prolonguemos um pouco mais o exercício hipotético pululando na mente criminosa do ditador: Coloca o seu filho na lista de deputados à AN, onde é eleito sem a menor contestação sequer, até porque já lá tem uma filha, a Tchizé, não existindo motivos para reacções escandalizadas se agora introduzisse Zenu ou Isabel, ainda que em longínquos e discretos números na lista de deputados, para não dar nas vistas antes do tempo.

 

Tão logo Manuel Vicente (ou qualquer outro militante como o João Lourenço ou Bento Kangamba), assuma o lugar deixado vago pelo mentor no crime, chama para ser seu vice um dos filhos de José Eduardo dos Santos… e tufas! Instala-se uma discussão interpretativa da constituição e uns João Pintos e Luvualus alegarão na imprensa onde são senhores que a oposição não leu a constituição, que até discutiu a sua aprovação, ouve-se um lamento e um resmungo do Miau, uma boca inteligente do Adalberto, mas fica por aí mesmo – na discussão, no debate que denota a tal pluralidade de ideias e o espaço para o contraditório.

 

O Tribunal Constitucional é chamado a pronunciar-se, mas Rui Ferreira também só faz o que lhe é mandado fazer, e por isso dirá que não há problema em ter um dos filhos do actual mais alto magistrado da nação como vice-presidente. Para finalizar, dizer que JES poderia até encurtar o jogo ao nem sequer tomar posse em 2017 alegando um pretexto qualquer para justificar o que diz o número 4 do artigo 132.°: Em caso de impedimento definitivo do Presidente da República eleito, antes da tomada de posse, é substituído pelo Vice-Presidente eleito, devendo um Vice-Presidente ser designado nos termos do n.° 2 do presente artigo.

 

Daí termos dito acima que o xeque-mate poderia ser dado em mais duas ou três jogadas. Outro atalho, um pouco mais descarado, mas sempre “em nome da estabilidade nacional e em prol do superior interesse do povo angolano”, poderia incidir na nomeação “cara-podre” de um dos filhos como o segundo homem na lista do seu partido para as eleições de 2017. Depois abandona e… Outra kitumbice. Estejamos atentos às malabarices do senhor que tanto mal já causou a maioria dos angolanos e a Angola. Não esperemos por 2018 ou eleições.

 

A luta pacífica deve continuar e intensificar-se a cada dia, visando derrubar não só o ditador mas, principalmente, a ditadura. Não nos deixemos igualmente embalar nesses discursos de analistas-militantes do comité de especialidade do partido-empresa, que insistem que o rumo do país tem de passar pelo sucessor de José Eduardo. Mentira pura!