Lisboa - O anúncio do abandono de José Eduardo dos Santos da presidência de Angola ao fim de quase 40 anos pode não trazer grandes mudanças no sistema angolano, com o líder do regime a mover-se para proteger o grupo de interesses que criou nas últimas décadas. A saída, ainda sem sucessor definido, pode mesmo estar em causa, considera Ricardo Soares de Oliveira, professor de Política Africana na Universidade de Oxford.

Fonte: Observador

Numa coluna de opinião publicada no Financial Times, o também autor do livro “Magnificent and Beggar Land. Angola since the Civil War” (edição portuguesa da Tinta da China: “Magnífica e Miserável – Angola desde a Guerra Civil”), sobre a forma como a atual oligarquia acumulou poder e riqueza, diz que há muitas dúvidas sobre se José Eduardo dos Santos abandonará a Presidência de Angola em 2018 e, mesmo que o faça, sobre a forma como o fará.


“Não deu qualquer pista sobre se ainda iria liderar a lista do MPLA às eleições de 2017; nem nomeou o seu sucessor”, escreve Ricardo Soares Oliveira, lembrando que durante as décadas que esteve no poder (desde 1979) José Eduardo dos Santos construiu uma rede de interesses instalados, beneficiando com as receitas da venda de petróleo um pequeno grupo de oligarcas que investem sobretudo fora de Angola, e estes não vão abdicar facilmente do poder que detêm.


O professor de Oxford lembra também que não é a primeira vez que Eduardo dos Santos promete que vai abandonar a presidência, e que o ceticismo dos angolanos sobre o anúncio do seu Presidente pode ter fundamento: “se calhar está a preparar terreno para se candidatar novamente em 2017, e pode renunciar à sua promessa mais tarde”.


Mesmo que isso não venha a acontecer, há ainda a questão da sucessão. Sem nomear um sucessor, há já vários nomes que podem estar em cima da mesa, diz Ricardo Soares de Oliveira, lembrando, por exemplo, o nome do seu filho mais velho, José Filomeno, que gere o poderoso fundo soberano de Angola, e questionando a capacidade do seu vice-presidente, Manuel Vicente, ex-presidente da petrolífera estatal Sonangol, para assumir o cargo face às acusações de corrupção que têm surgido.


Certo, diz o professor de Oxford, é que falar sobre o abandono de José Eduardo dos Santos nesta altura é precipitado, considerando tudo isto e que, por exemplo, a sua filha, a mulher mais rica de Angola, Isabel dos Santos, tem sido nomeada para várias comissões – como a responsável por desenhar a estratégia de privatização da Sonangol – que podem influenciar e garantir os interesses do grupo de privilegiados que o regime de Eduardo dos Santos criou nos quase quarenta anos no poder.