Luanda - No meu artigo recente, intitulado, «a Cortina de Fumo da Cidade Alta», afirmara que, o grande desafio, que ameaça a paz e a estabilidade do nosso país, é a não-aceitação do princípio de «alternância democrática», em que as eleições sejam conduzidas num ambiente pleno de transparência e de credibilidade, de modo que os resultados eleitorais correspondam à vontade dos eleitores, expressa nas urnas, através de boletins de votos, bem escrutinados e verificáveis; sem batota.

Fonte: Club-k.net

A conjuntura actual de Angola suscita muita reflexão no sentido de poder descortinar o melhor caminho que conduza o país à uma transição segura e sustentável, capaz de consolidar a paz e libertar a sociedade angolana da corrupção generalizada e da partidarização das instituições públicas e estatais. Isso é só viável se houver o trabalho profundo de consciencialização, para que o povo angolano tenha a noção exacta da democracia real. Pois que, a democracia tem sido invertida por regimes autocráticos, transformando-a num instrumento poderoso para inviabilizar o processo real da transformação democrática.

Todavia, a democracia baseia-se no princípio segundo o qual, o governo é do povo, pelo povo e para o povo. O que significa que, o governo emana do povo, ao serviço do povo e regido pelo povo, que é o dono do poder público e estatal. Por outro lado, a democracia funda-se indiscutivelmente na legalidade, na integridade, na legitimidade, na representatividade, na delegação do poder político e no exercício indirecto do poder público e estatal. Noutras palavras, a soberania reside no povo.

Nestes termos, não há meia medida, nem subterfugio, no que diz respeito a substancia e a realidade da democracia. Ou, se trata, de facto, da democracia de jure e de facto. Ou, não é democracia nenhuma, no sentido real da democracia. Se o que se pretende instituir no país não é a democracia de jure e de facto, então caberá ao poder politico definir explicitamente o tipo do sistema politico que seja mais apropriado para o país, nas circunstâncias actuais.

Agora, o que é arriscado é estar a simular uma coisa e fazer outra coisa. Porque, na realidade, acabará por desmoronar-se, causando danos enormes, como acontece frequentemente em muitos países da Africa. Me preocupa bastante a situação que se vive no país e de forma leviana que tem-se encarado o exercício de governação e sobretudo, a postura utópica e abstracta de alguns sectores e segmentos da nossa sociedade.

Na política, o pior procedimento, é do principio de «deixai fazer», esperar o encadeamento dos acontecimentos, sem previsão, sem influencias e sem mecanismos apropriados de correcção e do controlo. O principio de «deixai andar» é fatal, porque quando acontecer, já torna-se difícil alterar o curso dos acontecimentos ou anular os factos consumados. Se esses factos consumados forem de carácter positivo, muito bem; mas se forem de índole negativa, as consequências são ruinosas.

Por isso, a política é uma ciência social que baseia-se em princípios científicos que não apenas definem a natureza, mas regulam e orienta igualmente a sua dinâmica, de acordo com um determinado quadro politico, social, cultural e jurídico-legal, bem definido pela Carta Magna da Republica. A interpretação de cada fenómeno sociopolítico depende essencialmente da visão estratégica dos protagonistas políticos neles inerentes que intervém no processo da transformação, de uma situação específica e concreta. Cada jogador político possui uma estratégia bem delineada, que sustenta as acções concretas, de um teatro global.

Porém, as estratégias partidárias, de todos actores políticos, devem enquadrar-se num conjunto de normas (leis) previamente estabelecidas, dentro de um parâmetro. Caso contrário, emboca-se numa utopia filosófica, que conduz à ilegitimidade do poder político e ao anarquismo, que se baseia na negação do princípio da autoridade. A ilegitimidade política nasce do contexto ilegal, de arbitrariedade, que conduz ao descredito generalizado do poder público, provocando assim a resistência popular passiva ou activa.

Nesta questão precisa, o Poder Judicial, no Estado Democrático de Direito, é um pilar principal que não só assegura os deveres, as liberdades e os direitos fundamentais dos cidadãos, mas é o fundamento da soberania, que assenta na legalidade e na administração equitativa, idónea e transparente da Justiça. Quando o Poder Judicial é submetido ao mando do Poder Politico, e serve os interesses exclusivos deste, em detrimento do Povo, o Poder Público e Estatal fica mergulhado na ilegitimidade e na arbitrariedade, que conduz ao descredito generalizado.

Portanto, os massacres do Monte Sumi e o julgamento sumário e parcial dos Revús revelam nitidamente a natureza da Justiça Angolana, altamente personalizada e partidarizada, incapaz de garantir os Direitos Humanos, bem consagrados na Constituição da República de Angola e no Direito Internacional, do qual Angola é actualmente Membro do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Pois que, no Estado Democrático de Direito, é a responsabilidade do Estado cumprir escrupulosamente as normas do sistema político vigente, que devem pautar a sua conduta e orientar todas as actividades públicas, estatais e privadas. Há gentes que pensam que a democracia é a ausência da legalidade ou é a vontade pessoal do governante, que determinam, per se, tudo, de forma arbitrária, sem basear-se na ordem constitucional estabelecida.

Esta mentalidade, da ausência da legalidade, está cada vez mais incutida na mente dos cidadãos, sobretudo da classe média burguesa e de alguns sectores da juventude, que optam-se pelo conformismo, assente na teoria abstracta, de «deixai fazer», que reflecte, de certo modo, a corrupção mental, o egoísmo exacerbado, o individualismo perverso, a ingenuidade politica ou a doutrina utópica.

A previsibilidade é uma das virtudes do sistema democrático, que permite, através de um quadro pré-definido, estabelecido pelo ordenamento jurídico, evoluir gradualmente, em todas etapas, sem percalços nenhuns, de ordem legal ou institucional, resultante do improviso ou da arbitrariedade. Ao passo que, os sistemas absolutistas, de todas matrizes politico-ideológicas, funcionam na imprevisibilidade, como estratégia política do poder centralizador, para adormecer a sociedade, e surpreendê-la, quando tudo estiver montado.

Neste sistema, do absolutismo, reina o medo excessivo, que hipnotiza a consciência humana, neutraliza-a, torna-a inerte, inactiva, insensível, dócil e manipulável; lançando a sociedade na submissão absoluta e na dependência humiliante, sem raciocínio, sem dinâmica e sem vitalidade; entregue totalmente à vontade do poder absoluto, que incute nela o espirito de culto de personalidade e da veneração. A sociedade angolana, por muito tempo, ficou submetida ao estado de letargia, que só agora começa a despertar-se gradualmente do sono profundo e de longa duração.

Não obstante, muitas mentes da nossa sociedade, menos esclarecidas ou incultas, são vulneráveis às manipulações políticas, que lhes transformam em simples marionetas, que actuam em prol da inviabilização da democracia. Recentemente, um sociólogo angolano, professor universitário, afirmara o seguinte:

“Os últimos três anos terão sido dolorosos, por facto do consulado de José Eduardo dos Santos não ser hoje aquilo que era há cinco anos. Viu-se-lhe diminuir a pujança, houve claro envelhecimento das estruturas de poder, diminuiu a qualidade de vida das pessoas e diminuiu a qualidade da jovem democracia angolana, tendo aumentado a concentração da riqueza num grupo cada vez mais nuclear.” Fim de citação.

Ora bem, a «diminuição da qualidade da jovem democracia angolana» é o aspecto fulcral que nos preocupa muito, que nos leva a reflectir profundamente, fazer juízo das nossas consciências, e assumir as nossas responsabilidades como uma Nação, cuja independência e democracia incipiente foram conquistadas com sacrifícios e com sangue de filhas e filhos, de todas famílias angolanas, sem excepção. Esta obra gigantesca, da independência e da democracia, não é uma arquitectura de uma pessoa, como tem sido propalada amplamente pelos activistas do partido da situação. Visando, na essência, criar o mito em torno do Presidente do MPLA, como forma de instituir uma dinastia, cuja sucessão ao trono será feita por via de descendência.

Infelizmente, esta postura é bastante arriscada, por facto de ignorar a realidade actual do país, bem como os fenómenos mundiais. Não há nenhum país do mundo, da época contemporânea, que pode viver numa ilha isolada do Globo. Os factores da globalização afectam todos os países, por mais fechados ou poderosos que sejam. Um país como Angola, com abundância dos recursos estratégicos; mas que é altamente corrupta e partidarizada, sem instituições públicas e estatais solidas, não pode dar-se ao luxo, de pensar que é imune das influencias da globalização.

A este respeito, o titular do poder executivo, José Eduardo dos Santos, sabe como estamos infiltrados cá dentro. Há, de facto, muitos jovens que nos escapam o controlo, que frequentaram e continuam a frequentar o Norte da Africa e o Médio Oriente, na doutrinação islâmica e na formação técnica, dentro da estratégia actual da hegemonia e da expansão islâmica ao mundo. Portanto, é arriscando a pretensão de querer instalar o regime dinástico, como está patente, com fim de inviabilizar a transformação democrática em curso, em Angola.

Pois que, a dinastia monárquica não se ergue e não se consolida sem que haja o abuso do poder, purgas, perseguições e repressões internas. A Corea do Norte é o exemplo concreto, que hoje ameaça a segurança mundial, com repressões internas generalizadas, dentro do próprio aparelho do Estado. Se isso acontecer neste país, o próprio MPLA é que sentirá na carne e na alma o fardo mais pesado deste processo dinástico, que já ocorre silenciosamente. Uma convulsão social ou política, nas condições actuais de extrema penúria e de descontentamentos populares, permitirá este fenómeno islâmico manipular e instrumentalizar as forças vivas da nossa sociedade, sobretudo a juventude, que se encontra reprimida, desempregada, explorada, marginalizada e abandonada à sua sorte.

Em resuma, os partidos políticos desempenham o papel principal e decisivo na transformação das sociedades contemporâneas, no que dizem respeito a consciencialização dos cidadãos, a alteração de sistemas políticos, a renovação dos poderes públicos e estatais, bem como a viabilização da ditadura. Em toda história contemporânea da humanidade, todas convulsões sociais e políticas, provocadas pelas ditaduras da época, passaram pelos partidos políticos.

Em jeito de exemplos, interessa invocar o seguinte: O «holocausto» da II Guerra Mundial, levado a cabo pelo Adolfo Hitler, efectuou-se através do Partido NAZI. A Revolução Cultural Chinesa, perpetrada pelo Presidente Mao-Tse Tung, foi a obra do Partido Comunista Chinês. As matanças e repressões sistemáticas, conduzidas pelo Joseph Estaline, foram executadas com a cumplicidade do Partido Comunista Russo.

Em cada um destes casos, acima referidos, os partidos políticos serviram de instrumentos principais, na manipulação e na alienação das consciências das pessoas cultas e incultas, transformando-as em reféns da ditadura. Por isso, a instituição da dinastia em Angola, como tem sido invocada, será feita com a cumplicidade ou com o beneplácito do MPLA. Isso será feito através da nomeação do filho ou filha do Presidente José Eduardo dos Santos como número um (1) ou número dois (2) da lista de candidatos às eleições de 2017.

Em seguida, será através do MPLA que se vai forjar o esquema da falsificação do processo eleitoral de 2017, a fim de dar o cunho legal para a consagração da sucessão dinástica. Feito isso, imposto no poder o novo soberano, o drama da afirmação e consolidação da dinastia estará em plena acção, com consequências imprevisíveis.

Neste momento, somente o MPLA tem a faca e o queijo na mão, para que isso não venha acontecer. Portanto, as eleições gerais de 2017 poderão ser apenas uma encenação para legitimar o acto de viragem – do sistema democrático para uma dinastia absoluta. Só que, nas circunstâncias actuais do poder estabelecido, que se encontra no declínio acentuado, em condições de extrema penúria e descontentamentos crescentes da população, este procedimento deve ser evitado.

O grande desafio de 2017, que se coloca diante de nós, como Nação, é de consciencializar o povo angolano no sentido de combater a fraude eleitoral, de modo que haja o equilíbrio político na Assembleia Nacional, que permita a revisão do artigo 109º da Constituição da Republica de Angola. Removido o artigo 109º, permitirá a separação das eleições presidenciais e legislativas, em que o Presidente da República venha ser eleito por mérito próprio e por voto directo dos eleitores.

Nestes moldes, cada cidadão angolano, sem excepção, desde que reúna as condições necessárias, poderá candidatar-se livremente ao cargo máximo do Estado Angolano. O que viabilizará a preservação, transformação e consolidação da nossa jovem democracia, que se encontra na encruzilhada.

Luanda, 29 de Março de 2016