Luanda - Cada dia que passa torna-se pertinente o debate sobre a questão da separação de poderes e interdependência de funções real no sistema político angolano e, há vozes na nossa praça (principalmente de alguns actores políticos) que começa a ganhar anticorpos e aderentes na sua acusação sobre a imiscuição do órgão Executivo (isto na pessoa do seu titular) nas decisões de outros órgãos (Legislativo e Judicial), viciando e perigando deste modo, o seu equilíbrio decisório e colocando em «check» a separação entre estes órgãos estabelecida na Constituição. Ora, o que é que a doutrina de Ciência Política e Direito Constitucional estabelece sobre esta problemática?

Fonte: Club-k.net

Para produzimos uma análise sincera e transparente, é necessário recuamos aos primeiros estudos estabelecidos sobre esta matéria pelo politólogo francês, CHARLES LOUIS DE SECONDAT, o barão de MONTESQUIEU (1689-1755) na sua vasta obra, O Espirito das Leis (1748), no livro décimo primeiro, onde este autor clássico estabelece uma visão geral sobre a importância da divisão e harmonização dos poderes num Estado em que se assenta sobre os pilares da República. Todavia, sempre foi crucial entre os clássicos saber de que modo se podia conter o Poder de cada um destes órgãos dentro dos limites que deve ser seus para que não se transforme em instrumento da asfixiação da outra. E um dos remédios encontrados pelo MONTESQUIEU foi primeiramente, que as Constituições deviam estabelecer uma divisão e harmonização clara entre os órgãos no sentido de evitar absolutização do Poder, isto é centralização e concentração do Poder num único órgão. E, é nesta visão que posteriormente a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (26 de Agosto de 1789) transformou este olhar num princípio constitucional, quando no seu artigo 16.º, estabeleceu que «Toute société dans laquelle la garantie des droits n’est pas assurée, ni la séparation des pouvoirs déterminée, n’a pas de Constitution». Com isso, as Constituições devem assegurar os direitos e liberdades individuais e colectivas e, estabelecerem uma divisão clara, efectiva de funções e de poderes, como também, cada órgão ou poder, ela deve existir para freiar e coarctar a acção extrapolativa de outro órgão – quando este ultrapassa as suas fronteiras de acção. Portanto, cada órgão em si constitui um centro autónomo institucionalizado de emanação de uma vontade que lhe é atribuída, seja quais forem a relevância, o alcance, os efeitos (externos ou internos) que elas assumem. E, estes órgãos diferenciam-se uns dos outros, a sua natureza, funções, poderes e modos de actuação que lhes são constitucionalmente atribuídos ou consagrados.


MONTESQUIEU procurou propagar a bondade da teoria da distinção de poderes em Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judicial, embora como sublinha o político português, PEDRO SANTANA LOPES [2001: 17], é incontestável o quadro traçado por este teórico da então realidade inglesa não fosse exacto. O CARL SCHMITT na sua doutrina da Constituição (1928), a propósito do princípio organizacional da diferenciação do Poderes do Estado, advoga que na distinção de poderes, a separação significa um alheamento completo que serve, tão-só, como ponto de partida da ulterior organização e depois, quer dizer, na posterior regulamentação, consente, sem embargo, algumas vinculações. A divisão significa propiamente uma distinção no meio de um dos vários poderes. É deste modo que surge o típico esquema da organização com três poderes vectores: o Legislativo, Executivo e Administração da Justiça. Esta divisão tripartida foi aceite, em geral, se bem que se possam constituir e se hajam constituído outros poderes, não há, em todo o caso, nenhuma Constituição do Estado de Direito cuja sua regulamentação orgânica não esteja dominada por este princípio da distinção de poderes.


Fazendo uma ponte a nossa realidade, a nossa Constituição estabelece este parâmetro da regulamentação orgânica (n.º 1 do art. 105.º/CRA), e o nosso sistema de governo (Presidencialismo-Parlamentar) é um sistema em termos de funcionalidade e estrutura é 90% presidencialista, contendo apenas 10% de anticorpos parlamentar, isto no modo de eleição do Chefe de Estado e Titular do Poder Executivo, que «apriori» também é um deputado. Portanto, uma única eleição para dois órgãos distintos (Executivo e Parlamento). O Poder Legislativo (Parlamento), um órgão unicamaral, representativo de todos os angolanos, cuja os comissários eleitos nas eleições gerais, vão exprimindo a vontade soberana do povo e exercendo a competência política e legislativa do Estado (n.º 1 do art. 141.º e art. 161.º/CRA). Este órgão foi separado do Executivo, tendo sido consagrado uma clara independência entre ambos os poderes igualmente legitimados pelo único sufrágio universal. O titular do Poder Executivo não pode dissolver a Assembleia Nacional e esta não pode demitir o Executivo, nem tão pouco fiscalizar as suas acções. O Executivo expurgado de deter o poder legislativo (formalmente), mas pode ter iniciativa legislativa (n.º 1 do art. 167.º/CRA) nas aquelas matérias de reserva partilhada ou relativa de legislação (art, 165.º/CRA). Para além disso, o Chefe de Estado e Titular do Poder Executivo, pode recusar a promulgação de leis de Parlamento, bem como estes podem negar a votação das leis que interessam ao Poder Executivo, inviabilizando a sua governação.

Para sermos claro, apesar da Constituição e a doutrina estabelecerem teoricamente isto, na realidade é pouco provável ou mesmo impossível de ocorrer, dado o suporte da maioria parlamentar que o Chefe de Estado e Titular do Poder Executivo possui. Porque o sistema em si foi arquitectado no sentido de favorecer e viabilizar os projectos e a acção política daquele que governa. E, há dois elementos fundamentais que concorrem para isso: a disciplina e rigidez partidária e a concertação da própria bancada parlamentar. Os parlamentares do partido no governo, eles possuem normalmente duas funções: a primeira consiste em ser suporte e defensor do Executivo e o seu Titular no Parlamento, como também aprovar e viabilizar todas as suas propostas à votação; segundo discutir e aprovar leis (de competência absoluta) que não prejudique o seu governo e reprovar as propostas da oposição parlamentar que visam colocar a trave no seu governo e dispersar os seus interesses).

Pelos parâmetros do conteúdo da Constituição e do real funcionamento institucional angolano como um sistema Presidencialista, designação que se perfilha do dualismo constitucional; formalista e funcionalista. Este modelo de governo angolano funciona a luz da Interdependência por Subordinação entre os vários órgãos do Poder, ao contrário daquilo que ocorre com os sistemas Parlamentares, em que se verifica uma Interdependência por Integração. A luz das competências e os poderes que o Chefe de Estado e Titular do Poder Executivo ostenta, lhe possibilita ter uma influência directa sobre os outros órgãos de poderes, até mesmo se quisermos advogar sem meias palavras, encontram-se refém do Chefe de Estado e Titular do Poder Executivo.

_ Politólogo & Jornalista