Luanda - Para um pais que teve uma guerra tão longa e fratricida como foi o caso de Angola, comemorar o aniversário do final deste conflito não deve ser visto somente como uma ocasião festiva mas como data de reflexão e de ponderação. A guerra foi sem sombra de dúvida um dos principais elementos que atrasou a vida dos angolanos. É verdade que muitos tiveram a guerra como uma oportunidade para se enriquecerem e para estarem na linha da frente no usufruto dos privilégios e das oportunidades que o país oferece. Mas no cômputo geral a guerra foi destrutiva e prejudicial para a maioria dos angolanos.

Fonte: Club-k.net

Eu partilho das preocupações de muitos compatriotas que defendem a ideia segundo a qual a principal guerra que temos agora não é mais a armada mas a guerra contra a pobreza, a exclusão social e contra corrupção. Não se pode admitir a construção de uma Angola social e economicamente bi-polarizada. Ou seja um país em que num extremo encontramos os privilegiados e no outro encontramos a maioria que vive no desenrasque. Não podemos continuar a ter uma Angola em que um reduzido número de pessoas usufruem de quase todas das oportunidades que os recursos do país proporcionam enquanto a maioria vive como estranhos na sua própria terra. Aplica-se aqui o ditado que diz “quando se é rico, um país estrangeiro se torna como se fosse seu próprio país, mas quando se é pobre nos tornamos estranhos até na nossa própria terra”.

 

Se calhar por isso vemos compatriotas nossos repartindo o tempo que passam ao ano no território com o que passam no exterior. Ou seja, por terem disponibilidade financeira têm muitas escolhas para estabelecerem residências.

 

A maioria dos Angolanos deseja que a guerra seja de facto um mal do passado que nunca mais deve voltar à nossa terra. Mas, como se diz e bem, nada deve ser dado como garantido (nothing should be taken for granted). A paz deve ser trabalhada todos os dias e uma das premissas principais que deve ser salvaguardada para a preservação da paz é a garantia da paz social. É importante que os recursos do país sejam bem distribuídos e quem tem a responsabilidade de gerí-los não se sirva deles como se um dono se tratasse. As injustiças e a pobreza são inimigos da paz, devem ser combatidos com veemência e sem tréguas.

 

Ao andar pelos bairros de Luanda facilmente demos conta que a qualidade de vida dos Angolanos regrediu muito nos últimos dois anos. A tão propalada “classe média emergente” está empobrecida e perdeu uma grande parte da sua capacidade de compra. É fácil notar o acentuado estado de degradação de muitas residências cujos proprietários estão sem capacidades de reabilitá-los. As ruas estão tão degradadas que para se ir à casa de um familiar as vezes é necessários fazerem-se vários contornos para se fugir aos lamaçais e aos enormes buracos nas ruas. Bairros que até bem pouco tempo eram exemplos de musseques “urbanizados”, como são os casos da Mabor, Petrangol, Sapú e Calemba 2, as suas ruas são hoje quase intransitáveis e muito degradadas. Os residentes nestes bairros que possuem viaturas vêm os seus meios tornando-se em sucatas num ritmo muito acelerado. Portanto, a sociedade está empobrecida. Quem governa tem, por isso, a responsabilidade de elaborar políticas sustentáveis e a qualidade de vida dos cidadãos não deve continuar a dar dois passos para frente e três para trás.

 

Portanto, a justa distribuição dos recursos do país e o fim da impunidade são elementos essenciais que irão garantir a paz e a verdadeira reconciliação nacional. Engana-se por isso, quem pensa que a guerra não é mais susceptível de acontecer em Angola. A política de “safa-se quem pode” e do “cabrito come onde está amarrado” é uma panela de pólvora em ebulição. Temos uma população maioritariamente jovem e esta precisa de políticas coerentes de inserção no mercado de trabalho. Muitos destes jovens que na altura da assinatura dos acordos de Namibe estavam com 4, 6 ou 8 anos idade, hoje estão com 18, 20 ou 22 anos. Muitos deles não conhecem a tenebrosidade da guerra e não é sempre fácil fazê-los compreender a quão má a guerra foi. Portanto, a luta contra o enriquecimento ilícito e o empobrecimento acentuado da população é uma ameaça à paz.

 

É fácil de notar-se que os níveis de criminalidade agudizam-se em todos os bairros. Neste momento já não existem bairros seguros e se o actual quadro socio-económico não se alterar, nem os condomínios fechados irão garantir segurança às pessoas que lá residem ou frequentam. Portanto, devemos combater os verdadeiros inimigos da paz e apontar dedos aos cidadãos que reivindicam ou reprovam o trabalho do executivo.