Luanda - Desde 10 de Março que Nuno Dala está em greve de fome. Detido no Hospital Prisão São Paulo, em Luanda, sobrevive a soro. E o soro tem que ser levado pela família, conta ao PÚBLICO por telefone a mulher Raquel Chiteculo, pois os serviços não o fornecem, queixa-se. “Está em cadeira de rodas, quando queria levantar dizia que o coração batia rápido”, descreve.

Fonte: Publico

Raquel Chiteculo e Nuno Dala têm uma filha de dez meses. Na altura em que Nuno Dala foi preso, a 20 de Junho, a bebé tinha três semanas.

 

“Se estivesse bem acompanhado não precisávamos de levar o soro”, comenta Raquel Chiteculo, 26 anos. “Queixa-se, está fraco. Se não levar soro fica mesmo mal”.

 

Nuno Dala, 31 anos, professor universitário, foi condenado no dia 28 de Março a uma pena de prisão de quatro anos e seis meses, com outros 16 activistas, pelos crimes de “actos preparatórios de rebelião e associação de malfeitores”. Iniciou a greve de fome em protesto contra o facto de as autoridades lhe terem confiscado os seus bens na detenção, entre eles Bilhete de Identidade, cartão bancário, computador, impressora, telefone, documentos e livros – terminado o julgamento e ditada a sentença, as autoridades continuam, ainda hoje, na posse de objectos pessoais dos activistas.

 

A família – mulher e filha, uma irmã de 29 anos e um irmão de 11 anos – dependem financeiramente dele. A renda da casa onde todos vivem está por pagar. A mulher teve que se mudar para casa dos pais. Isto apesar de Nuno Dala ter dinheiro na conta, fruto do seu trabalho como professor na área da Pedagogia. É licenciado em Linguística pela Universidade Agostinho Neto, tirou um mestrado na Universidade de Winnipeg, Canadá, e é especializado em Linguagem Gestual e no ensino especial.

 

Em início de Março, Raquel Chiteculo fez um post no Facebook, ainda antes de Nuno Dala iniciar a greve de fome, em que ele protestava contra as autoridades por causa das razões que agora evoca para a greve de fome. Diz, por exemplo: “Ao longo da prisão preventiva no Estabelecimento Prisional de Kakila e Hospital Prisão de São Paulo, por força das condições carcerárias desumanas, contraí várias patologias, a saber, infecção urinária, infecção sanguínea, gastrite, degradação da visão e outras doenças não identificadas até hoje, cujos sintomas me afligem sistematicamente”.

 

Raquel Chiteculo não tem dúvidas: o marido está determinado a levar em frente a greve de fome.

 

As queixas de tratamento nas prisões têm sido frequentes. Também outro activista, Osvaldo Caholo, entrou em greve de fome e ameaça suicidar-se denunciando falta de água para beber nas prisões. O PÚBLICO tentou contactar o director-geral do Serviço Penitenciário, António Fortunato, mas não obteve resposta.

 

Ainda esta quarta-feira, a presidente do subcomité de direitos humanos do Parlamento Europeu expressou "profunda preocupação com a sentença" dos 17 activistas e exigiu a intervenção urgente das autoridades para providenciarem as condições médicas adequadas a todos e em particular a Nuno Dala e Nito Alves, que foi diagnosticado com paludismo e pediu para ser transferido para o hospital-prisão. A presidente, Elena Valenciano, apela a que as sentenças sejam anuladas e que os 17 sejam libertos, lembrando os tratados internacionais assinados por Angola. O Parlamento português chumbou o voto de condenação a Angola: PSD, CDS e PCP votaram contra a "ingerência" nos assuntos internos de Angola.

Telemóveis e computadores apreendidos

Nesta terça-feira, a advogada Marisa Moniz deslocou-se ao Tribunal Provincial de Luanda para acompanhar os familiares dos activistas no pedido de recuperação de bens dos detidos. Quiseram devolver os cartões bancários e de identidade às famílias, mas não o material informático, contou.

 

Marisa Moniz diz que a seguir à investigação os documentos devem ser devolvidos, segundo a lei, “a não ser que o juiz decida que ainda não é o momento certo para entregar” - mas nem os documentos, nem os cartões bancários são matéria de investigação, defende a jurista. A recusa na devolução dos bens foi argumentada com o facto de “ainda constituírem objecto de investigação para o Tribunal Superior”. “Isso não tem lógica nenhuma, o Tribunal Superior não investiga.”

 

Na carteira de Nuno Dala estaria ainda dinheiro (equivalente a 150 dólares), e os códigos dos cartões bancários – que desapareceram. “No auto de apreensão não consta o dinheiro. Agora é a palavra de Nuno Dala contra a dos agentes”, diz a advogada.

 

O professor também exige ter acesso aos exames médicos que fez no Hospital Militar – os resultados não lhe chegaram às mãos, queixava-se. A advogada esclarece, porém, que foi investigar e que terá havido um mal-entendido que irá esclarecer com Nuno Dala na próxima visita.

 

Gertrudes Piedade, 29 anos, a irmã, lembra que ela e o irmão “caçula”, de 11 anos, estão dependentes de Nuno Dala – os pais morreram. O “caçula” não tem como ir à escola por falta de dinheiro para as propinas, denuncia. Defende que o irmão deveria ir para outro local onde a assistência médica é mais apropriada à sua condição. Nuno Dala é diabético, diz.

 

No ano passado, o rapper Luaty Beirão, um dos detidos, esteve em greve de fome durante 36 dias, chamando a atenção internacional para o caso. Na altura foi transferido para uma clínica em Luanda. A família de NunoDala quer que ele o seja também.

O intelectual


Segundo o jornalista e amigo Fernando Guelengue, Nuno Dala tem escrito um livro que está para ser publicado no Brasil, O Pensamento Político dos Jovens Revús – Discurso e Acção.

 

Fernando Guelengue conhece-o do Instituto Superior Politécnico do Cazenga, onde Nuno Dala dava aulas. São amigos desde 2013, tal como de outro dos activistas, Domingos da Cruz (autor do livro/brochura que os activistas estavam a discutir e que levou a sentença mais pesada, oito anos e meio de prisão).

 

Tornaram-se mais próximos com o tempo. “Para mim ele é a arma secreta do grupo. Era das pessoas mais esclarecidas. É muito inteligente.” Defendia “que a destituição do Presidente deveria acontecer por meio de um processo em que a oposição e a sociedade civil estejam preparadas.” Fernando Guelengue lembra-se que ele organizou uma marcha sozinho “mas estava sempre nos bastidores”. “Defendia a democratização das instituições do Estado e a consciencialização do povo para que as injustiças sejam corrigidas. Dificilmente era alguém que pensava em si: primeiro estavam os outros.”

 

Jesse Lufendo, da organização não-governamental Omunga, lembra-se de conhecer Nuno Dala, pelo menos há três anos, através das redes sociais: Lufendo lia o que Dala escrevia sobre a situação do país e lembra-o como alguém crítico que inclusivamente manifestava discordância sobre as ONG’s fazerem apresentações de projectos em hotéis na capital porque “as pessoas não podiam participar”. “Tem esse carácter crítico”. O activista de direitos humanos lamenta: “Há essa solidariedade porque eles estão numa situação que é consequência da injustiça da nossa justiça”