Luanda -  Intervenção da Secretária da UNITA na Huíla Dra. Amélia Judith, durante a palestra realizada hoje na cidade do Lubango com o Tema Origens do Conflito Angolano e os Acordos de Paz de 4 de Abril.

Fonte: UNITA 

Senhores Convidados,

Prezados Companheiros

Minhas Senhoras;

Meus Senhores.

Por ocasião do 4 de Abril que este ano assinala o 14º aniversário da paz militar em Angola fui convidada a partilhar com Vossas Excelências algumas reflexões em torno da efeméride, nesta palestra organizada pelo nosso Partido neste local e nesta data.

Espero que o calor humano que envolve este ambiente possa inspirar-me suficientemente para colocar-me a altura das expectativas dos organizadores e das tão ilustres personalidades aqui presentes. A todos exprimo a minha profunda gratidão pelo carinho e pela presença.

Minhas senhoras,

Meus senhores,

Os organizadores preferiram deixar ao meu critério a escolha do tema para esta palestra. Devo confessar que tive imensas dificuldades em escolher. Que tema devia trazer e partilhar aqui? Questionei-me várias vezes. Devia falar de quê sobre essa data tão importante na história recente da nossa Angola? Do 4 de Abril como dia da paz em Angola ou da paz em Angola volvidos 14 anos? Dos ganhos da paz ou da ausência desses ganhos? Da unidade e Reconciliação nacional como resultado da paz ou da ausência dessa unidade e reconciliação. Estas e outras questões que me ocorreram pareceram-me de difícil abordagem e para as quais não estaria suficientemente preparada.

Assim, decidi propor a Vossas Excelências o tema intitulado «Origens do Conflito Angolano e os Acordos de Paz de 4 de Abril». Deste modo farei uma viagem retrospectiva que nos vai ilustrar como os angolanos entraram para o labirinto da guerra fratricida em 1975, empurrados por forças e interesses estrangeiros e quão difícil foi sair-se desse labirinto. Procuro com essa abordagem atingir dois objectivos:

  1. Chamar atenção para a imprevisibilidade dos conflitos, sobretudo por causa de interesses estranhos, sempre ocultos e para a necessidade de manter acesa a chama da paz, custe o que custar;
  2. Oferecer uma síntese às novas gerações sobre as origens do conflito angolano a fim de compreenderem melhor o tempo e o espaço político em que vivem.

Minhas senhoras,

Meus senhores,

Por estes dias fala-se muito da paz em Angola e sobre a importância do 4 de Abril, dia da paz e reconciliação nacional. Fala-se de tudo sobre esse 4 de Abril. Fala-se dos ganhos, fala-se da paz real e da paz fictícia; fala-se da paz militar e da paz social; enfim fala-se muita coisa em volta da paz e do 4 de Abril.

Do meu ponto de vista considero justo enaltecer essa paz que, na verdade, em alguns casos, minimizou o sofrimento, porque já permite a coexistência embora sem convivência dos angolanos. Evidentemente, tudo que minore o sofrimento humano deve ser enaltecido.

Porém, penso que estamos a ser maus pedagogos para as novas gerações quando falamos da paz mas sem falar das origens do conflito. A juventude poderá não interpretar bem o valor dessa paz porque lhe faltará elementos de comparação.

Por isso, nesta bela ocasião, quero recuar um pouco no tempo para referir, com alguma aproximação, as origens e as causas do prolongado conflito angolano que culminou com a assinatura do Memorando de Entendimento do Lwena em 2002 cujo 14º aniversário estamos comemorando.

Com efeito, o ilustre filho de África e historiador Joseph Ki-Zerbo refere que a África nunca chegou a acomodar pacificamente o colonialismo. Apesar de esgotada após vários séculos de tráfico de escravos, no último quarto do séc. XIX a África estava longe de ser colonizável sem resistência.

No caso de Angola, René Pelissier, eminente investigador da História de Angola, recorda-nos, também, que, à excepção de Vasco Guedes de Carvalho e Menezes, que foi governador-geral entre 1878-1880, que não colocou o seu exército em guerra, sem excepção, nenhum outro governador conseguiu estabelecer seu poder sem recurso a guerra contra os autóctones. É por isso, que contrariamente ao litoral que conheceu a presença colonial ao longo dos séculos XV a XIX, no interior, os reinos da Lunda Cokwe, do Viye, do Wambu, do Kwanyama e outros apenas no princípio do séc. XX conheceram a presença colonial. A guerra entre os invasores coloniais e os nativos africanos foi sempre uma realidade até ao ano de 1926 altura em que caiu a 1ª república portuguesa e se implantou a ditadura fascista de Salazar.

Até aqui tratou-se da guerra de resistência dos africanos contra os invasores coloniais que, em abono da verdade, ocorreu um pouco por todo continente africano.

A partir de 1945, com o fim da II guerra mundial, na qual muitos africanos participaram do lado das respectivas potências coloniais, uma nova visão apoderou-se destes ou seja, dos africanos e começa aqui um amplo movimento reivindicativo sobre a independência em quase todos países africanos.

Angola também não esteve alheio a este movimento reivindicativo africano pelas independências. Alguns angolanos começaram a contactar a Organização das Nações Unidas (ONU) para a partir daquela tribuna internacional pressionar-se Portugal, então potência colonial, a conceder a autodeterminação.

No plano político organizativo e com vista a reivindicação da independência de Angola, a história registou que em 1954 foi fundada a União das Populações do Norte de Angola (UPNA) no Congo Belga actualmente Republica Democrática do Congo, liderada por Barros Nekaka. A evolução da UPNA é actualmente representada pela Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), cuja figura emblemática foi, durante longos anos, o senhor Álvaro Holden Roberto. Nas grandes cidades como Luanda, Huambo e Benguela/Lobito, a síntese dos vários nacionalismos forjados pelas mais variadas formas de resistência à ocupação colonial deram lugar ao surgimento de algumas formas de organização politica. Em 1956 é formado o Partido Comunista de Angola (PCA), liderado por Viriato da Cruz. Nos anos seguintes outras tantas organizações políticas são formadas como a “MLEC, MDIA”, porém sem grande relevância.

No ano de 1961 tem lugar acontecimentos de grande importância que terão sacudido grandemente o poder colonial em Angola. Tratam-se do levantamento dos camponeses da baixa de Cassanje, na província de Malange, que no dia 4 de Janeiro negaram-se a cultivar algodão, a menos que os preços desse produto fosse melhorado; no dia 4 de Fevereiro, nacionalistas angolanos, com catanas e paus, dirigiram-se às cadeias coloniais de Luanda a fim de libertarem seus compatriotas que, entretanto, estavam para serem deportados para as prisões das ilhas de Cabo Verde; no dia 15 de Março foram disparados pela FNLA os primeiros tiros dos angolanos contra os colonialistas portugueses das fazendas do Norte de Angola.

Em 1962 ocorre um acontecimento de grande importância. Nesse ano foi formado o Governo Revolucionário de Angola no Exilio (GRAE) chefiado por Holden Roberto cujo Ministro dos Negócios Estrangeiros era o Dr. Jonas Malheiro Savimbi, este que mais tarde viria fundar e dirigir por longos anos a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA).

Com reconhecimento efectivo da OUA, o GRAE, ao invés de ser um elemento de unidade entre os angolanos, transformou-se na primeira causa das batalhas politicas entre os Movimentos de Libertação daquela altura, nomeadamente o MPLA e a FNLA. A guerra contra o GRAE quer nas instâncias internacionais, quer nos países africanos, deu lugar ao reconhecimento de um segundo movimento de libertação nacional pela OUA. Tratou-se do MPLA e o reconhecimento ocorreu em 1965.

Em 1966 foi fundado o terceiro e mais jovem dos movimentos de libertação. Trata-se da União Nacional para a independência Total de Angola, UNITA. Totalmente desavindos entre si devidos, como já vimos, às diferenças de visão dos vários nacionalismos, os três movimentos de libertação conduziram, cada um numa zona exclusiva, a guerrilha anticolonial que propiciou a Independência de Angola. É, todavia, muito importante reter que todos os povos de Angola, organizados ou não, contribuíram quer na resistência à ocupação colonial, quer na luta de libertação para Independência obtida em 1975 sendo, portanto, ridícula a ideia da existência de um Único Representante do Povo Angolano como por vezes faz-se ouvir. Foi a ideia dum ÚNICO aliada aos interesses estrangeiros que facilitou o ecludir da guerra fratricida.

 

O 25 de Abril em Portugal e os Acordos de Alvor.

A luta de libertação nacional levada a cabo pelos três movimentos de Angola, pela Frelimo em Moçambique e pelo PAIGC na Guiné Bissau levara Portugal à exaustão e ao desânimo no seio das suas forças armadas. O Movimento das Forças Armadas do 25 de Abril é o produto acabado do ambiente político de Portugal no princípio de 1974. Existe uma forte relação de causa e efeito entre o Movimento das Forças Armadas que resultou no 25 de Abril e o triunfo da luta de libertação nacional em Angola. A perfeita avaliação da interligação dos dois momentos pelas partes propiciou a assinatura dos Acordos do Alvor aos 15 de Janeiro de 1975 entre o governo português e os três Movimentos de Libertação de Angola, na circunstância, todos reconhecidos pela OUA como legítimos representantes do povo angolano. Porém, como já vimos, esses três movimentos de libertação nunca antes se haviam entendido entre si e a sua presença parceira nos Acordos do Alvor decorreu de esforços empreendidos pelo Dr. Jonas Savimbi, curiosamente o mais jovem dos três líderes, com o apoio de ilustres personalidades da cena política africana de então como sejam os Presidentes Jomo Kenyata, do Kénia, Kenneth Kaunda, da Zâmbia, Joseph Mobutu, do Zaire ( actual RDC) dentre outros. As rivalidades entre os movimentos de libertação eram potenciadas pelo Partido Comunista Português por via do seu confrade MPLA. Vários documentos têm sido publicados a este propósito.

Os acordos de Alvor foram assinados num período que coincidiu com o auge da guerra fria entre as duas superpotências de então nomeadamente, a ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e os Estados Unidos da América (EUA). As duas superpotências mundiais almejavam o controlo da região austral da África e o conflito então latente entre os três movimentos de libertação era uma boa justificação para introduzir armas e tropas para se atingir os propósitos das partes. Embora ausentes das negociações, as duas superpotências acompanharam, nos bastidores, com interesse redobrado os passos dos acordos que entretanto já consideravam inválidos. Diversa documentação que comprova o envolvimento das superpotências de então no conflito angolano, está disponível.

De acordo com Tiago Moreira de Sá, doutorado em História Moderna e Contemporânea, e investigador no Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade de Nova Lisboa, autor do livro «Os Estados Unidos e a Descolonização de Angola», o entendimento entre os três movimentos de libertação tinha um carácter meramente formal. De acordo com Tiago de Sá essa mensagem foi directamente transmitida pelo Dr. Agostinho Neto à Moscovo.

Ainda de acordo com o mesmo autor, as duas superpotências não se limitaram a dar pouco crédito ao Acordo de Alvor mas também a miná-lo, iniciando fornecimentos de armamento no mesmo mês da sua assinatura, com a ex-URSS a destacar-se nesse fornecimento do armas ao MPLA e os EUA fazendo o mesmo para a FNLA. Na verdade, o Acordo do Alvor serviu apenas para legitimar a saída irresponsável de Portugal da antiga colónia uma vez que paralelamente, existiam outros planos para a descolonização de Angola que eram de conhecimento das autoridades portuguesas de transição.

No livro «O Pai do Nacionalismo Angolano» João Paulo N´Ganga, apresenta uma carta do Almirante Rosa Coutinho onde a dado passo pode-se ler:

Camarada Agostinho Neto! …Resolvemos aconselhar-vos a dar execução imediata a segunda fase do plano que assinamos em Praga. A carta datada de 22 de Dezembro de 1974 é prova inequívoca de que, entre os movimentos de libertação haviam uns que mantinham relações privilegiadas com círculos portugueses e, do lado português encarregavam-se de manobrar qualquer acordo a favor de uns, prejudicando outros.

Desta maneira, apenas a UNITA viu-se traída por Portugal e pelos dois parceiros e apanhada, sozinha, no caminho de uma pacífica e verdadeira independência nacional.

Minhas Senhoras,

Meus Senhores,

O artigo 4º dos Acordos de Alvor previa a independência de Angola para o dia 11 de Novembro de 1975, após realização de eleições gerais, livres e justas, para eleição de uma Assembleia Constituinte igualmente prevista na alínea d) do artigo 24º do já citado Acordo de Alvor. Contrariamente, uma guerra fratricida foi instalada no país para satisfazer interesses estrangeiros sendo o MPLA apoiado por todos os países do bloco soviético nomeadamente, a própria União Soviética, Cuba, Jugoslávia, Bulgária, Checoslováquia, Roménia, Alemanha do Leste e por alguns círculos comunistas de Portugal . A FNLA era apoiada pelos EUA. Na guerra de propaganda, rapidamente foram introduzidos termos como bantos fantoches, agentes de imperialismo internacional, caricatamente pelas mesmas forças que representavam interesses imperialistas. Apesar de ter sido apanhada de surpresa e inicialmente sem apoios, a UNITA fez resistência a todos esses países ao que se juntavam alguns africanos como Guiné Bissau, Nigéria, etc.

Após 16 longos anos de confrontação militar que, como já vimos, convidou para Angola um bom número de países, a queda do império Soviético, em 1991, voltou a propiciar um novo acordo entre o MPLA e a UNITA, desta feita denominado Acordo de Bicesse com a mediação de Portugal e assistência da ex-URSS e os EUA. O Acordo previa novamente a realização de eleições livres e justas como forma de recuperação do espirito do Alvor.

Infelizmente, tal como em 1975, enquanto os demais partidos engajavam-se na preparação dessas eleições, uma única força politica, com apoio dos habituais aliados e com o objectivo de se perpetuar no poder, à margem dos acordos, preparava uma polícia denominada antimotim, e uma gigantesca fraude eleitoral foi construída. A guerra voltou a ensanguentar o país por mais 10 anos até ao Memorando de Entendimento do Lwena rubricado no dia 4 de Abril de 2002.

O Memorando do Lwena, complementar ao Protocolo de Lusaka assinado na capital da Zâmbia, em 1994, encerra assim um ciclo de Acordos que nunca chegaram a oferecer paz aos angolanos.

Minhas Senhoras

Meus Senhores,

A nossa paz, a paz resultante do Memorando do Lwena, é ainda uma paz meramente militar. Politicamente, estão congelados todos os direitos constitucionalmente protegidos como o direito de reunião e manifestação; o acesso a comunicação social publica ainda é reservado apenas a um partido político violando o princípio republicano da igualdade; a discriminação social e económica é agora a norma fundamental na relação estado/cidadão; o regionalismo, o tribalismo e a discriminação social são práticas que caracterizam os agentes da administração pública na sua relação com o cidadão; as assimetrias económicas reflectidas no desequilíbrio do Orçamento Geral do Estado cuja estrutura evidencia sempre uma clamorosa diferença entre as distintas regiões do país e a capital, minam a unidade e reconciliação nacional;

Compete, pois, às novas gerações de homens e mulheres com caracter, proteger o Memorando do Lwena até as últimas consequências. Para a UNITA o compromisso da paz definitiva para Angola é irreversível.

 

Como reiteradamente tem afirmado Sua Excelência, o Presidente da UNITA, Dr. Isaías Henriques Ngola Samakuva e eu cito:

O preço da paz é o somatório do sofrimento colectivo por que passaram todas as famílias angolanas. Este sofrimento foi tão grande, tão profundo e tão longo que imunizou a nossa nação contra a guerra. Estamos vacinados contra a guerra. O povo angolano já pagou o preço pela paz militar. E deste preço, culpados somos todos, responsáveis somos todos e vítimas somos todos. Fim de citação

Minhas Senhoras                                                       

Meus senhores

Não restam dúvidas que o governo angolano há muito deixou de considerar esse Memorando. É, contudo, importante ter em conta que mesmo que outros ganhos o Memorando não oferece aos angolanos o facto da pátria não sangrar por ferro e fogo há 14 anos é um ganho inestimável. Esse ganho é emagrecido apenas pelas epidemias de Febre-amarela e de Malária entre outras. Pela falta de assistência médica e medicamentosa nos hospitais.

Por essa razão a paz deve continuar a ser acarinhada por todos angolanos. É na paz que a alternância do poder se pode realizar. Por isso nada deve obstaculizar a manutenção da paz.

Para que o verdadeiro sabor da paz seja valorizado por todos é necessário que todos conheçam as origens das guerras que a interromperam.

Convido pois, desta pequena tribuna, todos os mais velhos que viveram a odisseia do conflito angolano a fornecerem a verdade dos factos que minaram a unidade do nacionalismo angolano. Falem-nos dos nacionalistas Viriato da Cruz e Mário Pinto de Andrade: falem-nos da falência do “GRAE “Governo Revolucionário de Angola no Exilio; falem-nos dos Acordos secretos de Praga; falem-nos do encontro do Sal entre os Presidentes Spínola de Portugal e Mobutu do ex-Zaire; falem-nos dos apoios secretos recebidos dos EUA e da “Ex-URSS” União das Republicas Socialistas Soviéticas.

De contrário, porque a verdade não se conhecerá o julgamento da paz se fará por especulação e, por conseguinte, não será suficientemente valorizada.

Viva Angola!

Viva a Paz

Viva a Unidade e a verdadeira Reconciliação Nacional

Bem Haja

Muito obrigada