USA - O autor do livro que inspirou os ativistas angolanos condenados considera que a repercussão internacional do caso ajuda a enfraquecer os regimes ditatoriais em todo o mundo. "O mais ameaçador para o regime é a ideia de que as pessoas estão a pensar por si próprias, a decidir de acordo com aquilo que pensam, e a expressar essas ideias através de ação", afirma em entrevista à Lusa o escritor norte-americano Gene Sharp, autor do livro 'From dictatorship to Democracy: A Conceptual Framework for Liberation', cuja leitura e discussão adaptada à realidade angolana levou à condenação de 17 ativistas por rebelião.


Fonte: Lusa


"A minha mensagem para os ativistas é: leiam, estudem, pensem"

Agora, a visibilidade internacional da condenação coloca de sobreaviso outros regimes: "Foi o que aconteceu no passado, um caso atrás de outro, e é o que esperamos agora".


Fundador do Instituto Albert Einstein, que apoia ativistas em todo o mundo, Sharp recomenda aos angolanos persistência no combate ao Governo.


"A minha mensagem para os ativistas é: leiam, estudem, pensem. Pensem cuidadosamente, com sabedoria e, acima de tudo, estrategicamente. O caminho para a liberdade é sempre perigoso. Pensamento lúcido e desenvolvimento de uma estratégia calculada são necessários para lá chegar", aconselha.


Em março, os diplomatas da União Europeia acreditados em Luanda, incluindo Portugal, afirmaram esperar que os anunciados recursos permitissem respeitar os direitos dos jovens, atitude que o governo angolano classificou como uma "ingerência".


A última resolução do Parlamento Europeu sobre Angola, adotada a 08 de setembro passado, também já pedia às autoridades que "ponham um fim imediato aos casos de detenções arbitrárias, detenções ilegais e tortura, e garantir investigações diligentes, imparciais e completas a todas as acusações de violações dos direitos humanos"


O autor do livro, cuja leitura adaptada levou à condenação de 17 ativistas angolanos por rebelião, considera que o "regime [angolano] está enfraquecido", como indicia a "prisão de adolescentes".


Gene Sharp afirma que "quando um governo prende adolescentes por estarem a ler livros isso mostra que estão nervosos, porque sabem melhor do que ninguém que o seu sistema está enfraquecido".


"Prender um jovem de 19 anos é um sinal de que o regime está muito fraco", acrescenta o escritor, autor da obra "From dictatorship to Democracy: A Conceptual Framework for Liberation", que foi adaptada para português pelo docente universitário Domingos da Cruz (um dos 17 réus).


A obra adaptada, "Ferramentas para destruir o ditador e evitar nova ditadura, filosofia da libertação de Angola", foi lida e comentada pelo grupo de ativistas todos os sábados, durante três meses.


Os ativistas, com idades entre os 19 e os 37 anos, entre os quais o luso-angolano Luaty Beirão, foram condenados a 28 de março a penas de prisão efetiva entre dois anos e três meses e oito anos e seis meses, por atos preparatórios para uma rebelião e associação de malfeitores.


Professor na Universidade de Massachusetts desde 1972, Gene Sharp foi várias vezes nomeado para o Prémio Nobel da Paz e fundou o "The Albert Einstein Institution", uma organização sem fins lucrativos que estuda o uso da ação política não-violenta em todo o mundo.


O autor salienta que o seu trabalho, uma das fontes de inspiração da resistência civil que levou às Primaveras Árabes, "não se centra em determinar até que ponto um governo é ditatorial ou democrático", mas na análise do sistema político.


Porque, além do modo de eleição, um sistema político ditatorial é também definido por um ambiente em que "liberdades cívicas básicas não existem e a oposição enfrenta repressão".


"Não sou especialista em Angola. No entanto, muitos governos, particularmente aqueles que são autoritários e ditatoriais, acreditam que todo o conhecimento sobre ação não-violenta é subversivo porque articula como um governo não pode governar as pessoas se elas pessoas decidirem não ser governadas por ele", explica.


O Tribunal de Luanda deu como provado que os acusados formaram uma associação criminosa que pretendia destituir os órgãos de soberania legitimamente eleitos, através de ações de "Raiva, Revolta e Revolução", colocando no poder elementos da sua "conveniência" e que integravam a lista para um "governo de salvação nacional".


Gene Sharp assegura que o seu livro não dá instruções de como derrubar um governo, até porque "cada luta não violenta ocorre no contexto de um ambiente doméstico único."


"Seria irresponsável e presunçoso tentarmos aplicar uma mesma fórmula para todos. Não é esse o nosso papel. O nosso papel é disseminar informação, dar ferramentas, e tornar esses recursos tão disponíveis quanto possível. Como usar essas ferramentas é determinado pelos indivíduos e grupos", explica.


Sharp diz que "qualquer ditador ou regime opressivo considera" este conhecimento "ameaçador porque cria a perceção de quão fraco e sem poder é realmente."