Lisboa - Especialistas do recém-criado Corpo Médico Europeu (EMC), lançado em Fevereiro pelo Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças, estão em Luanda na sua primeira missão, a tentar ajudar a controlar o surto de febre-amarela, que desde Dezembro de 2015 já matou 293 pessoas e se espalhou a pelo menos três países: República Democrática do Congo (39 casos), Quénia (2) e China (2). O risco de se transformar numa epidemia internacional é bem real, diz a Organização Mundial de Saúde (OMS).

Fonte: Publico

Há 2267 casos suspeitos de febre-amarela em Angola, e 696 foram confirmados com testes de laboratório. A única forma de controlar esta doença viral, transmitida pela picada do mosquito Aedes aegypti – o mesmo que contamina com o vírus Zika e o dengue na América Latina – é através da vacinação. Mas, apesar de terem sido lançadas campanhas de vacinação nas províncias de Luanda, Huambo e Benguela, as mais afectadas, a cadeia de transmissão da doença não se quebrou.

 

Num artigo publicado a 9 de Maio na revista médica The Journal of the American Medical Association, os investigadores Daniel Lucey e Lawrence Gostin, da Universidade de Georgetown (Washington D.C.) recomendam à OMS que “convoque uma comissão de emergência para mobilizar fundos, coordenar uma resposta internacional e liderar um aumento da produção de vacinas”. Recordam que o atraso com que a OMS reagiu a anteriores emergências, como o surto de Ébola e “possivelmente a actual epidemia de Zika” tem “um custo em vidas e não se deve repetir.”

 

A infecção, que causa uma febre hemorrágica – que provoca uma icterícia que dá nome à doença – está presente em 16 das 18 províncias angolanas, diz a OMS. A maioria dos pacientes recupera dentro de alguns dias, mas 15% passa a uma face mais drástica da doença, com sintomas que incluem hemorragias e falência dos órgãos – metade destes doentes morre se não tiver tratamento de apoio à vida.

 

Perto de seis milhões de pessoas foram vacinadas na província de Luanda, graças ao envio para Angola da reserva estratégica do Grupo Internacional de Coordenação da OMS – 11,7 milhões de doses. Mas com esta campanha de emergência, esgotou-se o stock. Isso sem falar no resto dos 20 milhões de angolanos.

 

O problema não é apenas o dinheiro. Em causa estão mesmo as condições de produção: faltam ovos de galinha embrionados, a partir dos quais se faz a vacina. E apenas quatro locais no mundo produzem a vacina da febre-amarela: a farmacêutica francesa Sanofi Pasteur, e institutos de investigação médica no Brasil, Senegal e Rússia.

 

Se a febre-amarela se instalasse na Ásia, seria necessário reduzir a dose da vacina até ao mínimo indispensável para conferir imunidade, ou repartir a vacina por várias doses, explicou ao Guardian Willian Perea, da OMS. Mas essa abordagem pode vir a ser usada também em Angola, dada a necessidade de imunizar muita população quando não está disponível uma dose suficiente de vacinas. “Estudos clínicos mostraram que usar as doses de forma mais poupada pode ser uma opção. Os peritos estão a explorar esta possibilidade, e as circunstâncias em que poderia ser usada”, diz um conjunto de perguntas e respostas da OMS.

 

A taxa de vacinação fora de Luanda continua a ser baixa. E a situação é preocupante para os países vizinhos, com fronteiras altamente porosas, onde a febre-amarela não costuma existir. Na República Democrática do Congo, onde menos de 30% da população será imune à doença, a OMS tinha conhecimento a 2 de Maio de 453 casos da febre-amarela. Espera-se a chegada dentro de dias a Kinshasa de 2,2 milhões de vacinas.

 

Os casos chineses são de trabalhadores que estavam em Angola e regressaram ao seu país – e ilustram o perigo de contaminação de viajantes não imunizados contra esta doença.

 

A progressão da febre-amarela em Angola está relacionada com o desinvestimento na saúde, agravado pela crise económica causada pela queda do preço do petróleo nos mercados internacionais. O orçamento para a recolha de lixo foi cortado em 70%, com o lixo a acumular-se nas ruas, sobretudo nas zonas mais pobres – como Viana, onde foi relatado o primeiro caso, em Dezembro. Os mosquitos Aedes aegypti gostam de viver entre os seres humanos – na verdade, picam apenas pessoas – e gostam do ambiente de lixos abandonados, locais onde se acumula humidade.