Lisboa - O antigo primeiro-ministro angolano Marcolino Moco considerou hoje à agência Lusa que a declaração "mirabolante" do ex-vice-primeiro-ministro português Paulo Portas sobre o risco de "judicialização" das relações luso-angolanas constitui uma vontade de "angolanizar a justiça" portuguesa.

Fonte: Lusa

Numa entrevista, em Lisboa, Marcolino Moco salientou que essa é a "tradução" que faz das palavras proferidas por Paulo Portas ainda na qualidade de governante português durante um período tenso nas relações luso-angolanas e que envolviam investigações de atos alegadamente ilícitos de altas personalidades de Angola.

 

"Nunca se perguntou de onde saiu tanto dinheiro para uma família comprar bancos, outros setores estratégicos de Portugal. Isso era importante saber", disse, aludindo à recente diretiva do Banco Central Europeu (BCE), que exigiu a Lisboa menor exposição financeira a capitais angolanos.

 

"Há pouco tempo, ouvimos aquela palavra mirabolante de Paulo Portas, que disse que «Portugal não deve judicializar a relação» (com Angola), o que eu traduzo por «Portugal deve angolanizar a sua justiça». Quando vierem para Portugal assuntos relacionados com Angola, Portugal abandona a sua regra de diamante, que é a de separação do poder político e judicial", comentou Marcolino Moco.

 

Para o também primeiro secretário executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP, 1996/2000), os grandes empresários angolanos, "que são poucos", são "muito próximos do presidente (de Angola, José Eduardo dos Santos) e até parentes", dando como exemplo o caso de Isabel dos Santos, filha do chefe de Estado.

 

"Fala-se todos os dias na Isabel (dos Santos), que agora tem o nome de «Princesa», e percebemos bem a questão de que estou a falar. Há uma certa animosidade, e como tudo isso é acompanhado por um poder efetivo desta classe tão restrita em Angola", sustentou.

 

Segundo Marcolino Moco, há uma "manipulação de conceitos" em torno das relações luso-angolanas, sobretudo por parte de Luanda, que "politiza" problemas que existem entre pessoas e empresas, lembrando que, há alguns anos, "alertou" para a "permissão" portuguesa de vender setores estratégicos a empresários angolanos.

 

"Já tinha alertado que essa permissão de Portugal de vender setores estratégicos a «angolanos» - por que não são uma classe empresarial verdadeira, são homens e mulheres do poder, que se eternizam no poder -, havia de custar a Portugal. Acho que não me enganei, porque é justamente isso que está a acontecer hoje", referiu.

 

"Perguntei, então, se a UE (União Europeia) não tinha uma forma de ajudar Portugal a livrar-se desta situação que iria criar problemas. Ninguém me ouviu na altura. Era a altura do entusiasmo, do maná, mas nunca entendi que se chamasse crescimento económico à valorização, que tinha sempre de ser temporária, de um produto único para um país. Nunca entendi", sublinhou Marcolino Moco.

 

O "milagre económico" de Angola era, porém, a frase mais destacada de então, acrescentou, o que permitiu que as coisas chegassem ao ponto de qualquer problema de negócios ser logo elevado ao nível de relações entre Estados.

 

"O que é mais curioso, algo masoquista, é que alguma elite portuguesa acha que deve ser assim. Que os tais «angolanos» devem exigir tudo o quiserem perante Portugal, como se Portugal tivesse alguma culpa", argumentou.

 

"Agora estamos nesta situação e parece que Portugal já começa a sentir que a relação com África não pode continuar com esta relação do tipo «chico-esperteza», mas sim numa base de respeito para os povos", concluiu.