Luanda - Desde o passado domingo 15 de Maio, está em vigôr em todo o espaço nacional, ao abrigo da lei natural, que nem sempre respeita com rigôr estas datas, a estação seca, vulgo cacimbo, após um dos mais chuvosos/desastrosos verões, de que o nosso “observatório meteorológico” tem memória, pelo menos em Luanda.

Fonte: Opais

Ao nível dos bens públicos/equipamentos sociais, o balanço dos estragos e dos prejuízos afigura-se brutal, com as estradas a absorverem o maior e mais visível impacto da força destruidora das chuvas tropicais que ensoparam o país de lés a lés, mas pelos vistos acabaram por se esquecer do Cunene, onde a seca cíclica voltou a fazer morada e muitas vítimas, agravando a vulnerabilidade das comunidades afectadas.

Desta última “estação molhada” não nos vamos esquecer tão cedo, sobretudo por causa da mediática “lagoa do Coelho” surgida na via (cada vez mais arrepiante e menos estruturante) que liga Luanda à Viana e que rapidamente se transformou na nova e mais badalada imagem da falta de qualidade das infraestruturas que estão a ser erguidas pelo Executivo.


Neste âmbito, note-se, o país tem vindo a ser “agraciado” pelos biliões já gastos com a implementação dos diferentes planos/programas ao nível do investimento público.


O destaque vai, certamente, para o “kumbú” já gasto com a reparação das estradas nacionais da malha viária herdada ainda do tempo colonial.
À falta de melhor informação, não nos parece que tenham sido acrescentadas significativas novas extensões aos quilómetros deste “pacote” original que remonta ao ano de 1974 e que ainda nem sequer está todo concluído, mas já se começou a degradar a tal ponto que rapidamente se transformou na mais recente e inflamável matéria do debate político interno. A UNITA veio a semana passada a terreiro com a realização de uma conferência de imprensa, onde o Presidente da sua Bancada Parlamentar, Adalberto da Costa Júnior, fez a divulgação de um conjunto de dados relacionados com os colossais montantes já gastos pelo OGE na reparação das estradas, desde que em 2004 o Executivo lançou mãos à obra.


Estamos a falar de um sector onde mais ninguém está em condições financeiras de investir e onde, quando se estabelecem as parcerias público-privadas, elas são sempre feitas com o dinheiro do Estado.


O resto às vezes é mais conversa fiada, enquanto os escândalos da promiscuidade entre os negócios públicos e privados não vêm parar à imprensa.
De facto o Governo tem não só a obrigação constitucional de reparar as estradas e seus anexos, mas também todo o interesse que tal intervenção seja bem feita, para capitalizar devidamente os dividendos em nome da sua própria sobrevivência política e consequente manutenção no poder.

A obra pública com qualidade/durabilidade é, em qualquer parte do mundo democrático, o melhor cartão de visitas/trunfo que os partidos no poder têm para apresentar aos respectivos eleitorados na hora de se prestar contas e se pedir mais um mandato.

Em Angola não podia ser diferente, mas às vezes até parece que é mesmo.

Hoje já não se discute esta obrigação que é sempre prioritária, mas o nível ou a falta dele, do seu produto final, sendo este o principal argumento de quem, estando na oposição, também quer um dia destes governar, para provar que pode fazer coisas melhores e com menos dinheiro.
O propósito desta iniciativa do maior partido da Oposição foi tentar relacionar os custos com os benefícios para daí tirar os seus dividendos o que de algum modo parece ter sido conseguido.


O inédito tratamento jornalístico que as televisões, nomeadamente a governamental, dispensaram ao conteúdo da conferência de imprensa do parlamentar da UNITA terá “facilitado” bastante a intenção.


Em abono da verdade não há aqui favor nenhum feito, nomeadamente pela TPA, que se limitou a cumprir, e desta vez razoavelmente bem, a sua obrigação profissional, que é dar a melhor cobertura a um assunto de manifesto e incontornável interesse público.


Em circunstâncias idênticas, estávamos habituados a ver mais o chamado tratamento cirúrgico da matéria jornalística, que resulta normalmente na esterilização da informação mais sensível/incómoda, quando não se verifica mesmo a sua completa manipulação política. Por algumas vezes, já tivémos, na sequência destes retoques, a oposição a aplaudir o Executivo, como mais uma das suas incondicionais “falanges espontâneas”, quando o propósito da conferência de imprensa convocada era exactamente o contrário.

Não foi o que aconteceu a semana passada.

São quase, revelou o mediático político angolano, “19 mil milhões de dólares americanos gastos em 12 anos”.


Nas contas do parlamentar da UNITA, tal soma “daria para construir auto-estradas a cruzarem todas as províncias do nosso país. Estradas para durarem no mínimo 30 anos e proporcionarem desenvolvimento e bem estar.”


A TPA fez o que devia fazer sempre (e não apenas quando o Governo é posto em causa) e lá tivemos o Ministro da Construção em directo a dizer que os valores não eram bem aqueles e por aí adiante, na resposta possível a um tão acutilante pronunciamento que, em termos de substancia, acabou por ser a grande história da última semana.


Enquanto se acertam os valores dos reais custos de tanto investimento público, há algo que não é possível para já corrigir sem se gastar muito mais dinheiro.


São as próprias estradas que entraram em estado de degradação acelerada, tendo mesmo algumas delas já desaparecido do mapa da circulação rodoviária.
Luanda tem vindo a ser testemunha de vários destes “misteriosos” desaparecimentos, havendo pelo país muitos outros casos idênticos.


Este ano e após tão generoso e profundo abraço das chuvas adivinhamos que é para a estaca zero que vamos ter de voltar em muitas localidades onde as estradas se mostraram pouco “corajosas” para fazer a face ao grande poderio de tanta “pancada” da natureza que pelos vistos vai voltar a atacar com a mesma intensidade na próxima “estação molhada”.


De facto e a manter-se esta “passada”, não há orçamento que aguente este exercício anual, depois das chuvas terem passado.
Só há uma solução e o mais grave é que todos sabemos qual é.

Grave, porque a sua implementação aparentemente está suspensa.

* A versão original desta crónica foi publicada a 13/05/2016 em Secos e Molhados/OPaís