Luanda - Na segunda parte da entrevista que concedeu a OPAÍS e à Rádio Mais, Victor Aleixo garante que as pessoas que tornaram Angola dependente das importações ‘estão aí e nunca foram responsabilizadas’, apesar de se mostrarem mais interessadas em receber comissões do que privilegiarem a produção interna. O jornalista e empresário da comunicação social esperava muito mais do GRECIMA na defesa da imagem do país no exterior e revela que ‘nunca mais irá aceitar integrar um conselho de administração na qualidade de administrador não-executivo’. As razões só ele conhece e as expõe a seguir, depois de alguns anos nessa qualidade ligado à Televisão Pública de Angola (TPA).

Fonte: O Pais

tpaA diversificação da economia foi o tema de um dos textos que assinou em Maio na revista Figuras & Negócios, em que garantia que se está a falar muito do assunto mas na prática pouca coisa estará a acontecer. Quais são as linhas mestras que defende para a existência de uma diversificação económica real?

Temos que saber pensar o país. O que acontece é que qualquer um dos ministros puxa a brasa para a sua sardinha. Ninguém puxa a brasa para o país. Não vamos ter uma diversificação da economia se não tivermos o problema da água e da energia resolvidos. Os prazos começam a ser encurtados. Temos que definir o que é que queremos fazer, agricultura ou indústria em todo o país ou se haverá zonas que teremos que privilegiar. Temos que saber privilegiar onde deve ser a nossa maior aposta. Há uma série de questões que temos de fazer. Nesta mesma edição falo da questão do investimento. O Governo até pode ter feito bem. Tirou-se a ANIP e criou-se várias estruturas. Todos os ministérios hoje têm uma estrutura para o investimento privado.

É bom isso?

Não. Isso veio prejudicar porque não há um comando. Não tem havido essa coragem de se dizer: as pessoas nos ministérios evitam projectos acima dos 10 milhões de dólares para não passarem pela ANIP, que aprova os projectos de  50 milhões de dólares. Preferem não fazer isso para ficarem com os trunfos, porque não há uma sincronia entre a APIEX, ANIP e as diferentes estruturas ministeriais. Isso, pelo menos, existia no tempo da ANIP. Se queríamos aligeirar a estrutura, aligeirava-se mas não a destruindo. Acho que, se queremos ter portas abertas para os investidores, sejam nacionais ou estrangeiros, o campo tem que estar facilitado. O campo está cada vez mais apertado.

É oportuna a vinda do Fundo Monetário Internacional para ajudar na diversificação da economia?

Olha, se tú tens os cofres vazios fica um bocadinho complicado. Tenho muitas dúvidas que este apoio ou ajuda, como quisermos, se concretize tão rapidamente como se propala.

O ex-primeiro-ministro Marcolino Moco diz que….

Vamos por partes. Nos outros casos onde o FMI aparece dificilmente as conversações demoram menos de quatro meses. E aqui sabemos exactamente como é que a nossa máquina funciona. Se o processo demorar oito meses, cai para o final do ano. Caindo para o final do ano, o próximo será um ano eleitoral. Aí o Fundo Monetário poderá também condicionar para esperar pelos resultados das eleições ou pelo menos a tendência dos seus resultados. Apesar de os compromissos que se assumem obrigarem os estados, porque quem não está hoje terá que cumprir, de certeza absoluta que o Fundo Monetário Internacional quererá condicionar esta ajuda aos resultados das eleições.

Dizia que Marcolino Moco acredita que a vinda do Fundo Monetário Internacional poderá agravar ainda mais a crise económica e social no país. Qual é a sua opinião em relação a isso?

Não sei em que contexto ele afirmou isso. Não li estas declarações de Marcolino Moco, mas se calhar deve ser dentro daquele contexto em que a malta acomoda-se muito quando há um sítio para ir buscar. Mas não acredito muito nisto. Esta crise veio despertar algumas consciências que estavam adormecidas, daí que, por estarmos a sofrer na carne, acredito que o país precisa de ganhar uma consciência patriótica e acreditar mais em nós mesmos. Temos de começar a pensar que deixar que as ideias acontecem geralmente vindas de Lisboa. Portugal tem sido o sítio das ideias mirabolantes e os resultados nada positivos. Mas acredito que a própria oportunidade com que nos depararmos para sair desta crise, com ajuda do FMI ou das outras bilaterais, elas serão muito melhor impactadas do que até agora têm sido feitas.


O Core business continua a ser a carta principal para atrair investimentos estrangeiros para a diversificação da economia. Uma das grandes inquietações dos investidores continua a ser a justiça e a garantia do repatriamento do capital. Qual é a sua percepção em termos de atracção de investimento estrangeiro, sobretudo nesta fase APIEX?

Temos que arrumar a casa. A casa está desarrumada. Se continuar assim, sem melhorar a questão da justiça, da transparência, não vamos ter investidor algum que virá para aqui. Estamos a brincar com coisas sérias. Fazemos é muita propaganda porque foi inaugurada uma fábrica e agora vamos diversificar a economia. Isto é sério. Para as potencialidades deste país, não é com isso. Aliás, hoje de manhã ouvi uma entrevista de um americano, onde ele dizia que ‘vocês têm que criar um ambiente para as grandes empresas, como a Google e outras virem para este país’. Este país é produtor de petróleo, mas não é produtor de dados. E dados hoje é petróleo. Nenhuma empresa ou economia funciona sem dados. Nós somos um país em que tudo se esconde em termos de dados ou de informação. Trouxe-vos aqui uma coisa: estive a ver a classificação das 100 maiores empresas de África. De Angola só aparece a Sonangol. Isto repete-se durante muito tempo. Dos maiores bancos, Angola aparece entre a 50ª ou 60ª posição. É verdade, na agropecuária não aparece nenhuma empresa angolana.

Ai há duas coisas: podemos dizer que os números que aparecem dos outros países são de menor dimensão que Angola! Mas eles apresentam os dados. Se nós não apresentamos os dados eles não são conhecidos. E isso é feito com base em estudos internacionais. E é com base nestes estudos que os investidores lêm, ficam a saber como as regras de jogo são cultivadas na nossa casa e depois puderem vir. Hoje ninguém pega dois biliões de dólares para enterrar aqui e depois não sabe como é que vai sair o dinheiro. Portanto, temos que saber fazer o trabalho de casa, porque está mal feito. Quando tú tinhas um cenário que apresentava uma perspectiva de algum melhoramento, depois foste complicar. Hoje tens estruturas que criaste no ministério – se calhar nem se foi aproveitar alguns quadros eu foram formados. Aliás, há dias dizia-me um antigo director da ANIP que no tempo dele, antes da directora ANIP, formei 70 quadros nos Estados Unidos e na Inglaterra, mas não estão em nenhuma estrutura do investimento que se criou. O país enterrou dinheiro e não soube aproveitar. Portanto, é preciso aproveitar-se também as estruturas de justiça. Fala-se da falta de transparência e é verdade. São coisas que estão a mão de semear que podem evidentemente ser ultrapassadas.

O impacto da crise no país consiste fundamentalmente no facto de dependermos muito da importação. O Governo traçou recentemente seis pilares para atenuar o seu impacto, com a produção local como o principal cavalo de batalha. Qual será o melhor caminho?

A produção local é muito importante e para tal é preciso apostar muito na agricultura. Aliás, se conseguires apostar na agricultura, produzindo em pleno, deixas de ser um país a olhar para o mar. Repare que desde o alho ao tomate, tudo vem do mar. É um princípio lógico. Até o próprio ovo e a galinha, que são produções fáceis, nós dependemos do mar. Não há produção suficiente. Mas isso foi propositado. Repare que há 20 anos quando se deu cabo do sector agroindustrial, que já existia, havia esta intenção. Foi precisamente nesta altura que o país começou a descambar. O Roque Santeiro surge nesta altura. Quem eram as pessoas que depois foram trabalhar para o Roque Santeiro? Eram os quadros da indústria que existia.

Muitos deles com os quais o país gastou dinheiro formando-os, em Portugal e noutros países. E você deu cabo da indústria. Quando querias apostar no sector da moageira, também deste cabo disto tudo. Então, começaste a receber os africanos do oeste e os libaneses que vieram tomar conta da grande importação. Portanto, isso foi propositado e os culpados estão aqui dentro. Os culpados amigos das comissões, porque era mais fácil facilitar a importação dos produtos do que apostar na produção, porque vai ter várias fases para lançar a batata na terra. Mando vir a batata da África do Sul ou o repolho da China. Os causadores desta situação estão identificados de certeza absoluta. Agora, nós temos que mudar isso, apostar na produção nacional, nos angolanos e nas nossas potencialidades.

Acredita que a revisão da Lei dos Contratos Públicos vai potenciar os produtores locais, tendo em conta a perspectiva dos 25 por cento?

Eu acho que nós não podemos ser pessimistas, mas, se calhar, vamos esperar para crer. Eu acho que há vontade, mas falta encontrar o caminho certo. Repare que às vezes quero chegar à Viana, mas não sabemos se vamos pela estrada de Catete ou numa outra estrada. Por exemplo, vinha agora para a Rádio Mais e acreditei que vindo pelo aeroporto era mais fácil. Já me tinham dito que fosse pela Samba, depois pegava a UGP. Mas cheguei aqui depois de duas horas.

Portanto, os caminhos estão aí, o que é preciso é saber enfrentá-los. Acho que acima de tudo, para se melhorar isso, temos que sentir um pouco de amor pelo nosso próprio país. Se a classe dirigente der amor, isso vai se repercutir em todos nós. Estamos dispostos a consentir sacrifícios para que isto melhore. Agora, tem que haver alguém. Quando este alguém incentiva a importação, prefere privilegiar o estrangeiro- não estamos aqui com xenofobia- e não se acredita nas nossas potencialidades, isso começa a ser mau.

Como está a imagem de Angola no exterior?

Devia estar melhor. Este sempre foi um défice muito grande de Angola. Eu pensei que com o GRECIMA se pudesse pelo menos cozinhar as linhas mestras para uma melhor venda da imagem de Angola. Se calhar isso ainda está a desenhado, porque o que vejo o GRECIMA a fazer, pelo menos na minha concepção não é o que deveria ser feito. Acho que o GRECIMA hoje – e espero que seja bem entendido – está a fazer um trabalho que deveria ter ser feito pelo Ministério da Comunicação Social. Portanto, concentra-se excessivamente aqui dentro e esquece-se de fazer o trabalho de casa lá fora. Nós verificamos isso. Há pouco tempo estive num país africano e as pessoas, as rádios não tinham o hino nacional de Angola. Há muito trabalho que pode ser feito.

Eu acreditava que este seria o caminho do GRECIMA. Durante algum tempo, a minha empresa fez trabalhos neste sentido e longe de se acreditar que era possível fazer, em pouco tempo na Cote D’Ivoire, que era uma praça muito forte da UNITA, no Burkina Faso e o Togo, conseguimos meter informação de Angola nas primeiras páginas dos jornais e nas televisões. Trouxemos aqui um jornalista francês, Jean Marie Tala, um togolês que vivia em França, para entrevistar o Presidente da República. Eu sabia que se continuasse neste ritmo, hoje a imagem de Angola poderia ser melhor vista e interpretada. Repare que estes últimos desenvolvimentos, por causa do que houve com os jovens, a imagem de Angola caiu muito e não há uma contra-ofensiva forte. A contra-ofensiva que notamos é mais trabalho do GRECIMA internamente, a nível dos órgãos, se calhar uma questão de estratégia. Queremos acreditar que se calhar no próximo ano o GRECIMA terá mais tempo para se preocupar. Também é preciso que os responsáveis e os quadros do GRECIMA saibam aplicar o princípio de gestão e de colaboração participativa. Há muitas ideias que existem por aí. Todos nós somos angolanos e nos sentimos ofendidos quando vemos que a imagem do nosso país que existe por aí não é muito bem passada.

Disse algumas vezes que a comunicação social angolana parecia que andava meio perdida, porque deambulava por aí. Já encontrou o seu rumo?

Olha, houve uma altura em que estava motivado porque via a comunicação a palmilhar caminhos muito positivos. Hoje, com muita dor, verifico que o cenário está um bocadinho mau. Muitas das penas jornalísticas que ainda poderiam dar um bocadinho para o país entraram forçosamente no defeso. A classe parece-me um bocadinho desmotivada e tudo isso cria um cenário não muito encoraja dor. Agora, vamos dizer que existe neste cenário alguns órgãos de imprensa e quadros que têm procurado jogar contra este cenário negativo e têm trabalhado contra a afirmação da comunicação social. É preciso dizer que nós jornalistas, membros da comunicação social, temos um papel muito importante. E este papel importante é ter coragem de apresentar os factos tal qual eles são. Mas temos um papel importante na informação e formação da sociedade.

A comunicação social não é só fazer como infelizmente alguns entendem que deve ser feito e buscarem cenários de denegrir este ou aquele, ou apoderarem-se de pistas para extorquir dinheiro deste ou daquele. Aquilo que existia e dizia-se muito nas empresas públicas, onde as pessoas viviam do autoconsumo, nós também começamos a viver isso. São pessoas que se aproveitam da força de poderem a qualquer momento meterem uma informação, e vão extorquir dinheiro ao fulano. Muitas vezes mentindo que têm esta ou aquela informação, e as pessoas vivendo na sociedade do medo, com medo de verem os seus nomes estampados na imprensa, são levados a pagarem. Isso é triste, desencorajam-nos e não nos engrandece.

A homenagem que recebeu em 2011 no prémio Prémio Maboque, foi o ponto alto que esperava na sua carreira?

Eu não trabalho para homenagens. Acho que o meu percurso ainda não acabou. Enquanto tiver forças para trabalhar, vou trabalhando. Digo às pessoas que nós somos da comunicação e não estamos. Às vezes, o problema maior é as pessoas que estão e querem complicar aqueles que são.

Administrador não-executivo da TPA em 2010, há informações de que chegou a ser a sondado em 2012 para dirigir o Jornal de Angola. É verdade?

Eu tenho um apreço muito grande pelo Jornal de Angola. Foi o órgão onde tive mais tempo e palmilhei todos os campos. Comecei como rádio-escuta. Entrei num período muito complicado, em que todos os portugueses estavam a ir embora e fomos chamado para este desafio. Na altura, vi toda a gente partir e a entrar. Daí que tenha um apreço muito grande. Quando fui sondado para a TPA, na verdade as pessoas que me sondaram  tinham-me apontado primeiro o Jornal de Angola. Não me mostrei disposto.

Diz-se que terá imposto algumas condições?

Não me mostrei disposto e era um bocadinho complicado. Além do mais, também só aceitei fazer parte de um conselho de administração, na condição de ser não-executivo, precisamente porque não queria cortar o meu trabalho no domínio da comunicação social. Os nossos pais dizem que o cavalo só engorda com o olho do dono. Estando um bocadinho fora, nós iriamos sofrer. E vocês sabem muito bem como é que o conselho de administração da TPA saiu, por quezílias políticas, numa altura em que se fervilha o ambiente político e todos acabaram por ser sacrificados. Não sei se nessa altura seriamos os melhores para arrumar a casa ou não, mas foi uma experiência que vivi, e hoje digo que não aceitaria repetir uma experiência de administrador não executivo em sítio nenhum.

Como é que avalia o desempenho da nova geração de jornalistas?

Há valores referenciais. Há mais de positivo do que negativo. Os negativos, os exemplos são muito poucos e não nos podemos perder aí. Acho que hoje temos uma juventude bem preparada, quer académica como profissionalmente, que se empenha para dar o seu melhor. Pessoalmente, tenho tido a experiência de trabalhar na formação de alguns quadros, alguns dos quais já são referências. Não é que tenha medo de enfrentar os antigos, mas nós gostamos de trabalhar com alguns quadros jovens que vêm sem vícios e conseguimos moldá-los fundamentalmente com o respeito da ética na profissão. De resto, quero pensar que a própria dinâmica há-de dizer que estes poucos exemplos negativos que acontecem serem poucos e poderemos eliminá-los. Isso também foi consequência lógica de uma confusão que há um certo tempo se criou a nível da comunicação social, onde se pensou que a forma de maior ter controlo era permitir que muita gente ligada às estruturas de segurança pudessem ser jornalistas.

Por ocasião do dia da liberdade de imprensa, concluiu-se numa declaração que a agenda jornalística está muito atrelada a agenda oficial. Tem a mesma percepção?

Isso aí tenho. Falta um bocadinho de criatividade, ousadia, espírito de iniciativa em alguns sítios. Às vezes, confronto-me na redacção com desculpas de que o trabalho não foi feito porque ainda tenho que mandar as perguntas. Digo-lhes que vão ter imediatamente com o indivíduo e ele vai dizer o que é! Mas isso é certamente consequência lógica de um certo clima que se cria nas redacções. Se nas redacções criarem um ambiente onde você é dignificado pelo trabalho que apresenta, cria-se este espírito de criatividade. Mas, é verdade que olhamos para os jornais e está lá reflectido. Quando olho para um jornal público, com um genérico de 30 ou 40 pessoas, e a notícia da província que aparece é que o governador recebeu o João ou o António, não tenho uma reportagem ou entrevista, é evidente que isso é falta de imaginação. E hoje, eles têm todos os meios.

O pacote legislativo da comunicação social continua na mesa. Há quem defenda que o dia em que for aprovada, haverá dois cenários: ou as redacções esvaziam-se ou então os gabinetes de comunicação institucional. Qual é o teu ponto de vista?

Nem uma coisa nem outra. Acho que isso já vai sendo disciplinado. Penso que a nível da comunicação social, pelo menos é o que se consta, já se começa a pagar melhor e já há uma maior separação das águas. Agora, não sei porque razão até agora não se aprova o pacote. Acho que há um excesso de zelo dos chamados ser pensantes em acreditarem precisamente nesta teoria: se aprovarmos isso, ou a informação descamba ou então não sabemos como é que as coisas vão ficar. Fica-se sem eira nem beira.