Lisboa - "O que temos de fazer agora é que o povo angolano acredite na paz, pois as armas já não têm razão de ser". Estas palavras foram proferidas há 25 anos, no Palácio das Necessidades, em Lisboa, por Jonas Savimbi, após a assinatura dos "Acordos de Bicesse", prometendo o fim da guerra civil a um país juncado de centenas de milhar de mortos e milhões de desalojados. Mas só após a morte do líder da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), quase onze anos depois, o desígnio se cumpriu.

Fonte: JN

Passavam dois minutos das 19 horas de 31 de maio de 1991 quando o primeiro-ministro português, Aníbal Cavaco Silva, convidou o presidente da República Popular de Angola, José Eduardo dos Santos, e o presidente da UNITA a assinarem os quatro documentos sobre a mesa solene. Depois, o chefe de Estado angolano estendeu a mão ao velho inimigo.

Desde fevereiro de 1975 que UNITA e Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), primeiro, tropas governamentais depois, se digladiavam, apesar de sucessivos acordos de cessar-fogo. A 22 de junho de 1989, José Eduardo dos Santos e Jonas Savimbi chegaram a abraçar-se, na cimeira de chefes 17 de Estado de Gbadolite, no Zaire.

Expectativas na "semente da árvore da paz"

Desta vez, seria para valer? Cavaco Silva, em nome do governo que mediou um ano de negociações, iniciadas com um encontro secreto em Évora, em 24 de abril de 1990, e depois acompanhadas por representantes dos governos soviético e norte-americano, na pele de observadores, procurou selar o momento: "Estou certo que as partes não vão desiludir as expectativas".

Premonitório, ao discursar na cerimónia de há 25 anos, com a presença do secretário-geral das Nações Unidas, Javier Pérez de Cuéllar, do ministro soviético dos Negócios Estrangeiros, Alexander Bessmertnik, e do secretário de Estado norte-americanao, James Backer, José Eduardo dos Santos observou: "Não basta lançar a semente da árvore da paz. Não basta que a semente brote. É preciso cuidar desta árvore para que cresça e dê frutos para o povo angolano".

Alcançada após seis rondas lideradas por Durão Barroso, então secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, que terminaram em Bicesse, Cascais, na noite de 1 de maio, com a rubrica dos documentos pelas delegações e a cessação das hostilidades no terreno 15 dias depois, a "semente" era constituída por quatro documentos.

Trata-se de um acordo de princípios políticos, no qual a UNITA reconhecia o governo e o presidente angolanos; o Protocolo de Washington, de dezembro de 1990, sobre liberdade política e realização de eleições; o acordo de cessar-fogo com regras para a desmobilização e desmilitarização; e o Protocolo sobre a transição, com a criação de uma comissão político-militar conjunta, extinção dos exércitos contendores e criação das Forças Armadas Angolanas (FAA).

Eleições livres e justas

Tornados possíveis também por profundas alterações geopolíticas, como o ocaso da União Soviética e do regime de Apartheid na África do Sul, os acordos conduziram a eleições legislativas e presidenciais em setembro do ano seguinte. As primeiras deram a maioria ao MPLA (54%); as segundas quase elegiam José Eduardo dos Santos na primeira volta (49,6%).

Apesar de a ONU e observadores internacionais terem declarado as eleições livres, justas e democráticos, a UNITA não aceitou os resultados e ameaçou regressar à guerra. Um mês depois, deflagram violentos confrontos em Luanda, vitimando o próprio vice-presidente e principal negociador do movimento, Jeremias Chitunda .

Com episódicos períodos de paz, sobretudo após a assinatura do Protocolo de Lusaca (20 de novembro de 1994), e apesar de pesadas sanções das Nações Unidas à UNITA - do embargo de armas e da comercialização de petróleo e diamantes, ao congelamento de bens próprios e dos dirigentes e familiares -, a guerra prolongou-se até 2002, chegando a ter civis como alvos. Por exemplo, um ataque reivindicado pelas forças de Savimbi a um comboio de passageiros, em 2001, na província de Cuanza Sul, causou 259 mortos e 412 desaparecidos.

Com a UNITA dividida e isolada, acossada pelas FAA, Savimbi é abatido a 22 de fevereiro de 2002, na província do Moxico. A 15 de março, as chefias militares das FAA e da UNITA encetam oficialmente negociações. Cinco dias depois, os chefes dos estados-maiores respetivos, Geraldo Nunda e Abreu Muengo "Kamorteiro" rubricam o acordo de cessar-fogo.

Quando a paz é enfim proclamada em Luanda, a 4 de abril, deixa para trás uma trágica esteira de morte (os números variam entre 500 mil; há quem fale num milhão), milhões de desalojados, centenas de milhar de mutilados, o país destruído e o chão crivado de minas e armadilhas.