Luanda - O mau estado das casas de banho, jardins e espaços de lazer, a falta de recursos financeiros para a aquisição de material gastável e de higiene e a carência de pessoal de limpeza nas escolas públicas vai forçar o governo de Luanda a cobrar uma ‘comparticipação’ dos pais e encarregados de educação. A proposta inicial é de 150 kwanzas, saiu do Gabinete de Educação de Luanda e já está na mesa de Higino Carneiro para decisão. Há quem apoie e ideia, mas apela à sensibilidade para com as famílias carenciadas.

Fonte: NG
A partir deste ano, todos os alunos das escolas públicas do ensino geral – da iniciação à 12.ª classe – vão pagar uma ‘comparticipação’ mensal no valor de 150 kwanzas. A medida, que é uma proposta do Gabinete de Educação do Governo Provincial de Luanda (GPL), surge da necessidade de se criar um fundo de maneio para a manutenção e conservação das escolas públicas, bem como para a aquisição de materiais, meios didácticos e produtos de higiene. “As casas de banho das escolas estão mal, do ponto de vista de higiene”, reconhece um alto responsável do Governo Provincial de Luanda, ao NG.

Com este plano, pretende-se também pôr ordem nas comparticipações dos alunos, uma vez que, segundo o responsável, “já existem escolas públicas, em Luanda, a cobrar valores arbitrários” e, em alguns casos, fora das possibilidades de muitos encarregados de educação. “Compreendemos que as escolas já não recebem o fundo de maneio para poderem satisfazer as necessidades básicas e, por isso, os directores apelam ao bom senso dos pais, mas tudo deve ser feito com orientação superior e de forma organizada.”

A ideia da cobrança de comparticipação foi apresentada num encontro recente realizado pelo Gabinete Provincial da Educação de Luanda, em Cacuaco, em que, de entre outros assuntos, se discutiu e se determinou uma comparticipação de 150 kwanzas, para evitarem arbitrariedades de valores, porquanto já há escolas públicas a cobrar 500 kwanzas, sem qualquer autorização. Por não se saber para onde vai o dinheiro, o Gabinete de Educação de Luanda ordenou que as escolas suspendessem a cobrança e que aguardassem pelo parecer do governador Higino Carneiro.

A proposta, que poderá entrar em vigor ainda este ano, vai abranger os alunos do ensino primário (iniciação, 1.ª, 2.ª, 3.ª, 4.ª, 5.ª e 6.ª classes); do primeiro ciclo (7.ª, 8.ª e 9.ª classes) e segundo ciclo do ensino secundário (10.ª, 11.ª e 12.ª classes).

Segundo a fonte do NG, “não se trata de uma propina, mas de uma comparticipação que, para entrar em funcionamento, deverá contar também com a colaboração da comissão de pais e encarregados de educação, que vai auxiliar a gestão do fundo.

O responsável do GPL assegura, no entanto, que, apesar da necessidade de todos contribuírem, a medida não vai servir de factor para colocar, fora da escola, os alunos que não puderem comparticipar”.

Gratuitidade ‘ferida’

De acordo com a lei de bases do sistema de educação, no artigo sétimo, o ensino primário é gratuito, quer no subsistema de ensino geral, quer no subsistema de educação de adultos’. É com base nesse instrumento que Isaac Paxe, docente universitário e especialista em assuntos educacionais, defende que uma medida dessas pode “ferir completamente o princípio de gratuitidade do ensino”.

Isaac Paxe recorda que Angola assinou acordos com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), no âmbito da educação, que chamam a atenção que, “naqueles ambientes de pobreza, a questão financeira seja tida em conta para garantir que o ensino seja gratuito, particularmente nas classes abrangidas pela escolaridade obrigatória, por se tratar de um direito que os alunos têm até à sexta classe. “Num país como Angola, com um alto índice de pobreza, o consenso é que não se cobre qualquer taxa do serviço da educação nos níveis obrigatórios.”

No entanto, o especialista refere que os tratados internacionais que Angola assinou garantem que os Estados implementem a gratuitidade de forma progressiva, aplicando o princípio da reserva do possível, que faz com que, quando o Estado se encontra com dificuldades financeiras para cumprir esse direito, possa encontrar mecanismos para fazer com que os cidadãos comparticipem, “sem que esta comparticipação crie obstáculo que fira o acesso gratuito à educação”.

De acordo com Isaac Paxe, para o caso de Angola, em que há disparidade de renda e dificuldades orçamentais, o Estado tem de fazer opções, mas não deve generalizar as taxas. “Quem puder pagar, em função dos seus rendimentos, que pague. Quem não puder, que lhes seja aplicada a isenção”, sugere, acrescentando que há um elevado nível de pessoas em pobreza absoluta, na ordem dos 30 a 40 por cento, e com dificuldade de pagar qualquer taxa com os serviços de educação. “Há pais que nem os alimentos conseguem garantir para os seus filhos e, nesses casos, o Estado, para garantir a própria alimentação e o bem-estar, prevê o programa de merenda escolar.”

O docente alerta que o Estado deve optar por medidas equitativas, em que o cidadão é discriminado em função das suas possibilidades. E propõe que o Estado crie incentivos, como a redução dos impostos dos pais que comparticipam nos serviços da educação, pois o valor [de 150 kwanzas] pode ser irrisório, dependendo das possibilidades de cada um. “Para uma família com os progenitores desempregados, qualquer valor que a sobrecarregue nunca é irrisório, ainda que a comparticipação seja de 20 kwanzas”, remata Isaac Paxe.

Lei do Ensino Gratuito (Artigo 7.º)

- Entende-se por gratuitidade a isenção de qualquer pagamento pela inscrição, assistência às aulas e o material escolar.
- O ensino primário é gratuito, quer no subsistema de ensino geral, quer no subsistema de educação de adultos.
- O pagamento da inscrição, da assistência às aulas, do material escolar e do apoio social nos restantes níveis de ensino, constituem encargos para os alunos, que podem recorrer, se reunirem as condições exigidas, à bolsa de estudo interna, cuja criação e regime devem ser regulados por diploma próprio.

Ensino constitucional

- A Lei Constitucional, no artigo 79.º, reserva um espaço para o direito ao ensino, à cultura e ao desporto:
- O Estado promove o acesso de todos à alfabetização, ao ensino, à cultura e ao desporto, estimulando a participação dos diversos agentes particulares na sua efectivação, nos termos da lei.

- O Estado promove a ciência e a investigação científica e tecnológica.
- A iniciativa particular e cooperativa nos domínios do ensino, da cultura e do desporto exerce-se nas condições previstas na lei.