Lisboa - As principais empresas a operar em Portugal na área dos seguros para as exportações confirmaram à Lusa que estão a limitar as operações em Angola e Moçambique por risco de incumprimento nos pagamentos aos fornecedores.

Fonte: Lusa

"Continuamos na área comercial mas obviamente com o risco a aumentar", disse o presidente da Cosec, a seguradora especializada em garantir às empresas suas clientes o pagamento por parte do importador noutro país.

 

"Começámos a ser muito restritivos e é provável que grande parte das operações possa ser recusada, o que não quer dizer que não se possa autorizar pontualmente, mas são situações vistas de forma casuística", disse, por seu turno, o director do departamento de grandes empresas em Portugal e no Brasil da Credit & Caucion, Fernando Branco.

 

A restrição àquele que é o principal negócio destas seguradoras - garantirem que os exportadores recebem o valor da mercadoria se o importador não pagar - justifica-se pelas dificuldades financeiras em Angola e Moçambique, nomeadamente na falta de divisas que assola os dois países, por razões diferentes mas com o mesmo resultado.

 

"Angola atravessa dois problemas - o risco do importador angolano e o risco de transferência", explica o presidente da Cosec, Gomes da Costa, elencando que "as dificuldades de divisas em Angola têm originado que o importador angolano, apesar de pedir transferência das verbas, paga em kwanzas, mas como os bancos não têm divisas estrangeiras, neste caso euros, nalguns casos há incumprimentos pela dificuldades de transferir as divisas", o que faz com que o importador "seja apanhado neste circuito".

 

Este é o problema político, porque surge da incapacidade de o Estado garantir a acessibilidade a divisas estrangeiras, mas há também um segundo problema no maior produtor de petróleo na África subsaariana: "Angola tem também o risco comercial, que é o incumprimento do importador", ou seja, o comprador simplesmente recebe a mercadoria e não paga, diz o responsável.

 

"As exportações abrandaram um bocado, há grande dificuldade em cobrar, as empresas vão recebendo, ainda assim, mas as coisas esfriaram bastante", explica Fernando Branco, responsável pelo negócio em Portugal e no Brasil de uma das maiores seguradoras de crédito mundiais, com sede em Espanha.

 

Angola e Moçambique "não são mercados genericamente abertos, há um risco político adicional, de não transferência", aponta, notando que apesar dos dois países estarem em dificuldades, "do ponto de vista teórico a perceção de risco de Angola é um bocadinho melhor que a de Moçambique porque tem a particularidade de estar a ser ajudada pelo Fundo Monetário Internacional".

 

As exportações de Portugal para Moçambique 30% no primeiro trimestre deste ano, passando de 90 para 63 milhões de euros, ao passo que as vendas para Angola diminuíram 45%, para 303,2 milhões de euros.

 

A Coface e a Cesce, as outras duas grandes empresas a operar no sector, não responderam à Lusa em tempo útil.

 

Ninguém garante seguros de crédito para Angola e Moçambique - Consultor

 

As principais seguradoras de crédito à exportação para Angola e Moçambique já se retiraram destes países, disse à Lusa o director do seguro de crédito e caução da consultora Willis Towers Watson, Acácio Ferreira.
"As seguradoras de crédito estão a retirar-se de Angola e Moçambique; podem não o assumir publicamente mas retiraram-se desses mercados", asegurou o responsável, que enquanto consultor e mediador de empresas, trabalha com todas as seguradoras de crédito.

 

"Ninguém garante Angola e Moçambique", vincou Acácio Ferreira em entrevista à Lusa, na qual deu conta de um "agravamento enorme da pressão sobre os seguros de crédito" devido à dificuldades destes países em pagarem as importações em moeda estrangeira, nomeadamente dólares.

 

"Os exportadores portugueses perderam estes mercados; nota-se claramente que a preocupação não é novos 'plafonds' de exportação, não é exportar, mesmo, é retirar os valores, receber o que falta receber destes mercados, porque o impacto não é só nos exportadores, há também um forte impacto nas empresas que venderam a outras empresas portuguesas que dependiam fortemente destes mercados africanos", e que agora não conseguem pagar aos seus fornecedores nacionais, diz.

 

"A crise das transferências é o principal problema das empresas portuguesas, porque não conseguem tirar de lá os fundos e o mercado está a ficar cada vez mais pequeno" devido ao abrandamento das economias angolana e moçambicana, a primeira para 0,9% do PIB e a segunda para 5,8%, este ano, segundo o Banco Mundial.

 

Apesar de não haver muitos sinistros, ou seja, situações em que as empresas os créditos dão como incobráveis, "não sabem quando é que podem receber o valor em causa, o que por sua vez coloca em causa a sobrevivência de muitas empresas portuguesas, que não conseguem pagar a fornecedores por serem valores importantes ou prazos dilatados".

 

Em causa, diz este consultor que está no mercado dos seguros de crédito há 22 anos, "estão centenas de empresas que estão a ir para insolvências ou Processos Especiais de Recuperação (PER) por causa de Angola, o segundo maior destino das exportações portuguesas para fora da União Europeia, a seguir aos Estados Unidos.

 

"Os maiores sinistros de vendas [não pagamento da mercadoria entregue] são de clientes que vendem para Angola, porque muitas vezes as vendas até são feitas só no mercado português, mas o fornecedor vende a uma empresa que por sua vez exporta em Angola e quando entra em rotura, deixam incobráveis em Portugal", diz Acácio Ferreira, que actua no mercado enquanto intermediário entre o exportador e a seguradora de crédito, na consultora Willis Towers Watson.

 

Na génese do problema está a incapacidade de as empresas em Angola fazerem os pagamentos em moeda estangeira, a partir do momento em que o petróleo desceu de preço e diminuiu significativamente as receitas, e a excessiva dependência das empresas portuguesas na exportação para Angola, por causa da recessão em Portugal depois da crise das dívidas soberanas na Europa, no princípio da década.

 

"As empresas portuguesas começaram a dar crédito porque Angola era um mercado muito interessante e era preciso compensar o abrandamento da procura interna em Portugal, nos últimos anos, porque historicamente o país lusófono mais complicado de fazer seguros de crédito era Angola; ninguém trabalhava com crédito e todos exigiam ou pagamento antecipado ou cartas de conforto", explica Acácio Ferreira.

 

"A partir do momento em que as empresas portuguesas deram crédito a clientes angolanos, a pressão sobre o mercado de seguros de crédito aumentou exponencialmente", conclui.

 

Moçambique, diz, está a chegar à mesma situação de Angola: "Não é tão público por causa da dimensão, mas os exportadores portugueses para Moçambique estão confrontados com o mesmo problema de Angola, porque as empresas moçambicanas não pagam a Portugal, não conseguem fazer sair divisas".

 

Moçambique, salienta, "não é tão evidente pela dimensão e por não aparecer nas notícias, mas tem exactamente os mesmo problemas" que Angola, agravados "pela retirada das ajudas do FMI e dos apoios internacionais, da questão política e da iminência de uma guerra civil".

 

Para além destes problemas conjunturais em Angola e Moçambique, as empresas portuguesas enfrentam também o problema estrutural da "falta de credibilidade da informação financeira sobre as empresas" a quem vendem os seus produtos, que "sempre existiu e continua".