Lisboa - Estive no lançamento do monumental trabalho do historiador Carlos Pacheco, em dois volumosos tomos, intitulado Agostinho Neto – o perfil de um ditador, a história do MPLA em carne viva.

Fonte: Facebook

A meu ver, o problema que levou alguns, como uma das próprias vítimas de Agostinho Neto, o “velho combatente” Adolfo Maria, a insurgir-se contra a forma unilateralmente negativa como a obra estaria escrita, não é propriamente o conteúdo da obra. São, especialmente, o título e os venenosos subtítulos que não correspondem, exatamente, ao conteúdo do valioso trabalho. E mais incendiários ainda, no sentido de simplisticamente atribuir todos os excessos de uma organização político-militar, nos tempos complicados em que operou, a uma só pessoa e um pouco mais (Lúcio Lara e Iko Carreira foram também significativamente visados pelos palestrantes), foram os discursos de apresentação da obra.


Do que me apercebi, na leitura transversal que acabo de fazer, é que nem se trata de um biografia de Agostinho Neto, de modo tão individualizado, mas das peripécias de luta de um dos movimentos de libertação nacional, numa situação bem complicada, de um país que não era uma nação (nem o é hoje, quarenta anos depois da independência, como o teorizo no meu último livro “Angola: estado-nação ou estado-etnia política”). Ademais, era uma luta feita contra uma máquina de guerra que apostou tudo na colónia de Angola, que considerava “a joia da coroa”, pelo que outros movimentos de libertação angolanos, FNLA e UNITA, tiveram o mesmo tipo de problemas com os excessos, como aliás, não deixou de ser referido “en passant”, tanto nas palestras de apresentação, como na própria obra.

A talhe de foice, talvez importante seja ressaltar que se esta obra mérito tem, é o de deixar claro que, diferentemente do que a tradicionalmente bem elaborada, por vezes demasiadamente excessiva e obsessiva propaganda, ontem e hoje da chamada família MPLA (é ver que em reação aos títulos e subtítulos da obra, logo se apresentaram, em plenas terras lusas, emepelianos bem falantes e entshirtizados jovens, orientados pela omnipresente máquina de propaganda e contrapropaganda) não só Holden Roberto e Jonas Savimbi eram representantes do diabo na terra; pelo que, passados tantos anos de divisão entre as lideranças angolanas, e já idos para o outro lado da vida, deviam ver também reconhecido o seu lugar no podium de pais da nação moderna angolana, ainda em construção.

Claro que isso exigiria uma profunda capacidade de liderança conciliatória que as forças políticas angolanas actuais continuam incapazes de implementar, afastados que estão, há tanto tempo, os factores psicológicos, sociológicos e antropológicos que conjugados com a situação internacional da guerra fria, estiveram na base, com certeza, dos excessos relatados. Isso é que é lamentável.


Preocupa-me que nessas e noutras palestras que vou ouvindo aqui em Portugal, não haja coragem de se assinalar que o pior que se disse sobre a liderança autocrática de Agostinho Neto, como a prática de se considerar lei tudo que ele dissesse, continua a fazer escola com José Eduardo dos Santos, numa altura que verdadeiramente já não se justifica, a não ser para permitir a sua eternização no poder e o seu enriquecimento pessoal e familiar, sem qualquer limite ético, moral e jurídico. Pelo contrário, se todos os espaços de contestação e manifestação são inteligente e cinicamente cerceados, em Angola, em Portugal, país democrático e nossa antiga metrópole, o silêncio é implementado com o afastamento de jornalistas que, dentro da liberdade expressão e informação que aqui impera, esbocem acenos sobre as verdades da política actual angolana, como aconteceu com o apresentador Mário Crespo, na SIC. Algo que nada tem a ver com a estrutura das relações entre dois estados soberanos, mas democráticos, como paradoxalmente se apregoa.

Se é importante falar dos males do passado (que devia ser para evitá-los hoje) imperioso é, na minha óptica, sermos intransigentes com os injustificados males do presente.