Luanda  - Há cidadãos preocupados com as consequências da Lei da Amnistia recentemente aprovada pela Assembleia Nacional visando, naturalmente, reduzir a população prisional (que é a finalidade política desta medida). Alguns defendem que visa perdoar os criminosos que delapidaram o erário público enriquecendo ilicitamente e outros acham que veio para perdoar todos os criminosos, incluindo aqueles que foram injustamente condenados. Se eu estivesse nessa “confusão” de opiniões estaria entre os indignados com esse objectivo. Primeiro porque não admito de sã consciência que um funcionário público, ou não, que se tenha enriquecido abusivamente a custa do património público seja devolvido impunemente a liberdade. Segundo, porque não gostaria de ver o caso dos 15+2, de que vivencio com uma paixão premente desde o seu início por arrastar pessoas próximas e amigas, injustamente a prisão, a ser pura e simplesmente perdoado. Isso seria um incomensurável abuso a boa fé das pessoas e uma grave ofensa a minha inteligência. Ainda bem que não é essa a função da AMNISTIA.

Fonte: Facebook

Em primeiro lugar, o crime amnistiado não elimina a responsabilidade civil (obrigação de reparar danos) e aquele que enriqueceu ilicitamente e em consequência disso foi preso e depois amnistiado, é sempre obrigado a repor o património com que ilicitamente se locupletou, seja em benefício do Estado de quem retirou o bem, seja em benefício de pessoas singulares ou colectivas a quem prejudicou directamente retirando os bens patrimoniais. Portanto, não faz sentido a ideia ventilada segunda a qual a amnistia visa facilitar os “gatunos” que "assaltaram" o bem público em proveito próprio. Aliás, estando fora da cadeia, tais "gatunos" podem sempre ter mais facilidade de devolver o património delapidado trabalhando para isso ou lançando mãos a outras garantias para o efeito.


Em segundo lugar, a amnistia não tem nada a ver com as pessoas e, portanto, é falsa a ideia de que é um perdão dirigido as pessoas. Visa eliminar temporariamente certos crimes, fazendo com que eles deixem de existir ao longo do tempo compreendido pela lei correspondente. Na prática quer dizer que o amnistiado fica sem razões para ser acusado e condenado, porque a lei diz que ele não cometeu crime nenhum, ou que os factos de que é acusado não correspondem a nenhum tipo de crime. Com a amnistia, dá-se, assim, uma "descriminalização temporária" dos tipos criminais consagrados no Código Penal e legislação relacionada. É por isso que o processo é prontamente arquivado por se tratar de acto não criminal (para os casos daqueles que têm processo em curso e ainda não foram julgados e condenados) e o preso é retirado da cadeia (para aqueles que foram condenados e presos) porque desaparecem os motivos que o levaram a ser condenado. Portanto, o amnistiado passa a ser alguém que não cometeu crime a luz da lei. Daí que o seu cadastro criminal passe a estar completamente limpo como se nunca tivesse praticado algum crime.

 

Todas as suspeitas que percebo derivam do facto de se confundir a AMNISTIA com o INDULTO. É com o indulto que se perdoam os criminosos e não os crimes, embora não afaste igualmente a responsabilidade civil. E isso acontece, porque o indulto é o perdão concedido pelo Presidente da República na sua qualidade de Chefe de Estado manifestando assim a sua magnanimidade diante de certas pessoas da sua livre escolha que se encontram em situação carcerária, sejam inocentes ou culpados com sentença condenatória transitada em julgado. Para os inocentes, um indulto é sempre um insuportável sinal de humilhação, sobretudo porque o indultado tem apenas a prisão extinta (é retirado da cadeia e devolvido a liberdade), mas não fica com o cadastro criminal limpo. Para todos efeitos é um criminoso solto e o crime cometido ou não permanece no seu cadastro, sofrendo as respectivas consequências (estar limitado de exercer certos direitos ou estar sujeito a reincidência se cometer o mesmo crime).


Felizmente, para os inocentes, a Lei da Amnistia está a dizer “vocês têm razão, porque não cometeram crime algum!”. Em terceiro lugar, se a amnistia representasse um perdão, como muitos querem que seja (embora não seja), este seria um perdão do “povo”, feito através dos seus representantes (os deputados a Assembleia Nacional). Já que a aprovação da Lei da AMNISTIA é da competência absoluta da Assembleia Nacional. Portanto, somos nós, CIDADÃOS, que estamos a dizer “esqueçamos esta pouca vergonha que foram as condenações injustas ou mal feitas!”, o que é sempre um sinal de reconciliação entre os cidadãos. Infelizmente, nem todos podem ser amnistiados por limites impostos pela própria lei e pela própria LC (Constituição, para alguns). É claro que as pessoas têm a liberdade de suspeitar das intenções (políticas ou outras) por detrás desta medida legislativa e este comentário não visa afastar essa liberdade. O mais importante é que a suspeita seja acompanhada da clara consciência da função da Amnistia como medida de política criminal evitando, assim, deliberadas confusões sobre a sua essência legal e constitucional. Dixit