Luanda - São dois elementos aparentemente desconexos, mas que conduzem, quase obrigatoriamente, à mesma conclusão: a situação por que estamos a passar é um misto de carne e peixe, não sendo nem uma coisa nem outra. Já não andamos por cima da abundância dos petrodólares, mas também estamos, pelo menos aparentemente, bem distantes do fundo do poço.

Fonte: Facebook

Dois exemplos atestam o estado híbrido em que nos encontramos.


I) No dia 01 de Julho, o Presidente do MPLA, que é o mesmo da República de Angola, atirou para as costas do "padre" que governa o Banco Nacional de Angola a responsabilidade de encontrar solução para a gritante falta de divisas no mercado.

 

Falando por ocasião da quarta reunião extraordinária do Comité Central do seu MPLA, José Eduardo dos Santos disse que o Governo já recomendou ao BNA que "trate desta matéria com urgência".

 

Apesar de, naquela reunião, onde não estava, Walter Filipe não ter recebido orientações concretas sobre como desataria o nó, o facto é que o governador do BNA não só acatou rápida e obedientemente a recomendação como surpreendeu o mercado: em menos de um mês o BNA vendeu aos bancos comerciais aproximadamente 800 milhões de dólares, números até aí impensáveis.

 

A forma rápida e expedita como o BNA atendeu a exigência do Governo sugere, pelo menos, uma de três hipóteses : ou a falta de divisas é artificial (e neste caso elas aparecem sempre que o chefe da Corte ordena), ou o BNA reduziu a quota de divisas destinada ao Mártires de Kifangondo ou, finalmente, Walter Filipe recebeu de Deus o poder da multiplicação.


Por óbvio, afastemos essa última hipótese, já que o governador do BNA não tem "cara" de milagreiro. Não há evidências de que as "homilias" diárias no seu gabinete tenham catapultado Walter Filipe àquela condição. Apesar do encorajamento de JES expresso na afirmação de que "é nos momentos mais difíceis e períodos de crise que os quadros têm que ser mais criativos e dinâmicos", não é crível que o governador do BNA tenha inventado fosse o que fosse.

Também não é crível que o BNA ousasse tocar na quota do Mártires de Kifangondo. Depois de alguma subida, o dólar voltou "à normalidade", sendo comercializado a 560 Kz, o que é um elemento que nos diz que as reservas de cambiais de libaneses, malianos e outros não foram afectadas. Portanto, descartemos igualmente essa hipótese.

Sobra-nos, então, a primeira hipótese.

A recomendação do Governo no sentido do BNA suprir a carência de divisas "com urgência" não era de cumprimento facultativo; o seu cumprimento é obrigatório.

Se o BNA foi capaz de cumprir a recomendação em tão curto espaço de tempo é porque dólares tinha nos seus cofres ou teve acesso a segredos de outros cofres.

É da sabedoria popular que quem cabritos vende e cabras não tem, de algum lado os tira.


Moral da história: há crise, sim senhor, mas o País ainda não está de tanga. A oferta de divisas aumenta ou diminui consoante as conveniências políticas e pessoais da encarnação angolana do "Tout Puissant". Com o que fica confirmado aquilo que o Povoléu já diz a "céu aberto": este País tem dono!

II) Com o País já sentindo na carne e na alma os efeitos crise - de que o aumento generalizado dos preços e a paralisação quase total do tecido produtivo por falta de insumos são os exemplos mais palpáveis - o Governo mandou dois dos seus membros aos Estados Unidos para dizerem aos americanos que não precisam de levar à letra tudo o que lhes chega aos ouvidos sobre Angola.


Os ministros das Finanças e dos Petróleos foram a Washington dizer que muito do que se diz sobre Angola é fruto da imaginação de jornalistas mal intencionados. Apesar de enorme falta de divisas, Armando Manuel e Botelho Vasconcelos foram dizer a americanos que Angola tem as portas escancaradas ao investimento estrangeiro. Não tendo a imprensa tido acesso a todos os encontros que os dois governantes tiveram com interessados americanos tornou-se impossível saber as garantias que ambos deram aos potenciais investidores do repatriamento seguro dos seus dividendos.

 

Moral da história: há crise, sim senhor, mas nem tanto à terra nem tanto ao mar. Do propósito dos dois governantes nos Estados Unidos infere-se que a crise fustiga a arraia-miúda, mas não perturba o sono de quem dirige o País. É com essa ideia que ficaram os Yankees.