Luanda - Logo que ouvi as declarações da Dra. Júlia Ferreira, porta-voz da CNE, sobre a petição que cerca de 800 comissários eleitorais submeteram à Assembleia Nacional solicitando que sejam resolvidas as dúvidas suscitadas na aplicação da Lei do Registo Eleitoral, proposta pelo Presidente JES e aprovada apenas pelos votos do seu Partido, senti que aquela agente pública prestou um mau serviço ao País.

Fonte: Facebook

Senti e conclui também que o acto inédito (mas normalíssimo numa democracia) dos comissários subscritores da Petição causou mesmo um pequeno terramoto nas hostes do regime e sinalizou que, a partir de agora, e em 2017, as coisas na CNE não serão mais como em 2008 ou em 2012.


O regime deve ter sentido pela primeira vez que, se persistir em violar a Constituição, a Casa Militar poderá encontrar na CNE a mesma oposição estruturada que encontra nas ruas, nos Bairros ou no Parlamento. E não vale a pena tentar adjectivar os comissários pelas suas origens ou formações partidárias. Porque os comissários que assinaram a Petição e querem defender a Constituição são de todas as etnias, de todos os partidos, de todas as regiões do país.

 

Em 2012 participei nas sessões plenárias da Comissão Nacional Eleitoral, como assistente permanente e testemunhei bem o ambiente «policial» que certos comissários ligados à Casa Militar procuram manter naquele órgão. Estou convencida que um simples acto de exercício de um direito fundamental pode mesmo abalar os «defensores do templo». Como abalou.

 

Os sinais mais evidentes do terramoto que a Petição dos comissários causou são pelo menos quatro:

 

1. Na reunião do Plenário da CNE realizada no dia 26 terão participado 15 dos 17 comissários. Apenas 13 ter-se-ão pronunciado, dos quais seis a favor da Petição e sete contra. A Dra. Júlia Ferreira, não exprimiu a vontade colectiva enquanto porta-voz da instituição. Agiu como porta-voz dos sete, e não dos 13. Transmitiu a posição do regime em relação à Petição, o que nos permite afirmar que, ou não entende a natureza colegial do órgão, ou não entende o papel do porta-voz de um órgão plural quando transmite a posição (dividida) do órgão numa questão relativa à defesa da Constituição e do interesse geral.

 

2. De facto, a Petição foi subscrita por cerca de 800 personalidades, entre juristas, economistas, professores, gestores, agrónomos, tenentes generais reformados, camponeses, geógrafos, estudantes, sim, pessoas idóneas e informadas, de todos os quadrantes. Fizeram-no em seu próprio nome, como cidadãos e enquanto comissários eleitorais eleitos por todos os partidos representados no Parlamento. Esta Petição subscrita por 800 pessoas é contestada por sete pessoas. E estas sete rogam-se ao direito de presumir que as 800 estão erradas.

 

3. Incapazes de fazer tal afirmação com base no mérito da Petição, as sete pessoas, através da Dra. Júlia Ferreira recorrem a um artifício: o papel timbrado da CNE, os símbolos. O que nos leva a perguntar:
Que norma da CNE impede seus membros de comunicarem colectivamente com um órgão de soberania utilizando um dos seus símbolos? Então os comissários da CNE, membros do seu órgão máximo, o Plenário, não costumam comunicar-se utilizando o papel timbrado da CNE?

 

A Dra. Júlia Ferreira sabe, tal como eu sei, que pessoas em posição inferior a dos comissários, os funcionários da CNE, colocados nos serviços de apoio, têm utilizado nas suas comunicações escritas, para dentro ou fora da CNE, os símbolos da CNE. Eu tenho cópias. Onde está o problema?

 

Qual é o interesse público nessa questão relativa ao registo eleitoral: é o mérito e o conteúdo da petição dos 800 comissários à Assembleia Nacional ou o papel que utilizaram para escrever?

 

O legislador ordinário conferiu à CNE a competência para supervisionar o registo eleitoral presencial. Os comissários eleitorais têm dúvidas sobre como devem exercer tal competência. E membros do seu órgão máximo pretendem obter a resolução dessas dúvidas. Escreveram ao legislador, nos termos da lei, solicitando tal resolução. É assunto de serviço, não é assunto pessoal. Escreveram no exercício das suas funções.


Os eleitores querem ter uma Comissão Nacional Eleitoral idónea, isenta e transparente. Com comissárias e comissários que não tenham medo dos detentores do poder e do dinheiro e, por isso, sejam capazes de prestar bons serviços ao País.


Mihaela Webba