AO

EXMO SENHOR DIRECTOR PROVINCIAL DA EDUCAÇÃO DE LUANDA

André Soma


Assunto: Solicitação de Reposição da Legalidade

Excelentíssimo senhor Director;


Chamo-me Afonso Mayenda João Matias, tcp “Prof. John”, tcp “M´banza Hamza”, natural do Uíje, filho de Pinto Tomás Matias e de Leonor Odete João, cidadão angolano de 31 anos de idade, com o Bilhete de Identidade nº: 000kjjjjjjjjhjE034, residente na Província de Luanda, Município do Cazenga; Activista Cívico e Professor do Ensino Primário Diplomado do 5º Escalão, colocado na Escola Primária nº lklk6, na Funda; com o número de Agente: 1jujjj56, auferindo o salário base de: 75.679,86 Kz. Em vínculo funcional de Pessoal do Quadro, enquadrado no Ministério da Educação desde 1 de abril de 2005, i.e. há 11 anos.

Excelência, esta exposição é ao mesmo tempo uma denúncia e uma solicitação de reposição da legalidade quanto a minha situação docente e salarial.

Contextualização


Comecei o exercício de funções como Professor Primário a 1 de abril de 2005 (conforme Termo de Início de Funções em anexo), na escola primária nº 811, na comuna da Funda, município de Cacuaco, Luanda. Nesta escola leccionei até 2008. Em 2009, solicitei uma transferência interescolar para a escola 40yty6 (Centro 88366663gsa), também na Funda e nesta escola lecciono/leccionei até hoje/20 de junho de 2015, altura em que fui detido enquanto, com 13 outros activistas, participava de uma sessão de debates em torno de uma brochura política do activista e professor Domingos da Cruz, brochura adaptada da obra “Da Ditadura a Democracia” do filósofo americano Gene Sharp com o título “Ferramentas para Destruir o Ditador e Evitar Nova Ditadura – Filosofia Política para a Libertação de Angola.” Fui indiciado no crime de Tentativa de Golpe de Estado, mas pronunciado no crime de “actos preparatórios de rebelião e atentado contra o Presidente da República ou outros membros de Órgãos de Soberania”, que na verdade é uma forma suave de dizer Golpe de Estado.

 

Esta situação arrasta-se até a presente data, encontrando-me em liberdade condicional sob Termo de Identidade e Residência desde 29 de junho de 2016.

 

No entanto, desde janeiro de 2016 que não aufiro salário. Foi-me efetuado um corte salarial (e não sei se se mantém o vínculo funcional) cuja explicação e fundamentação legal de tal acto ainda não se me esclareceu. Estou actualmente impossibilitado de retomar a minha atividade docente, por razões derivadas especialmente do corte salarial e do não esclarecimento da minha situação.

 

Até antes do dia 20 de junho de 2015 (dia da detenção), eu residia de segunda a sexta-feira, por razões de trabalho (numa casa alugada) na Funda e os fins de semana passava no Cazenga onde resido oficialmente com a família. Como pode imaginar, este processo exige despesas de vária ordem, despesas essas que me são impossíveis cobrir no momento.

 

Na segunda quinzena de outubro de 2015 fui informado na cadeia, de que estava a decorrer o processo de Cadastramento de Funcionários da função pública da área da Educação. Fiz uma solicitação escrita ao digno procurador Luciano Kachaka para permissão de saída para efeitos de cadastro, não obtive nenhuma resposta até novembro, altura em que fomos pronunciados pelo crime acima referido. Fiz um requerimento neste mesmo mês de novembro de 2015 ao meritíssimo juiz da causa Januário Domingos, solicitando permissão de saída para o cadastro, o meritíssimo juiz respondeu a minha solicitação negativamente a 16 de dezembro de 2015, mas esta resposta só me foi entregue a 11 de janeiro de 2016, altura em que retomara o julgamento depois de uma pausa desde 18 de dezembro de 2015. Na sua resposta, o meritíssimo evocou o artigo 378º do Processo do Código Penal, conforme excerto abaixo:


Dos fundamentos do corte

Em suma, foi por esta razão que não efetuei o cadastro biométrico de professor.

 

A 28 de março de 2016, fomos condenados em primeira instância e reconduzidos às comarcas. Eu fui condenado a pena de 4 anos e 6 meses. Entretanto, já constatara eu irregularidades na domiciliação do salário. Em janeiro de 2016, passou quase despercebido, em fevereiro achei estranho, mas dei benefício à dúvida, mas em março, tive a certeza de que me havia sido efetuado corte salarial. Estando na cadeia, com toda burocracia institucional, só em maio deste ano tive a confirmação absoluta de tal corte, quando a 24 de maio, a minha mãe, D. Leonor Odete João deslocou-se à Direção Provincial da Educação para apurar a situação. Em total desdém (segundo me informou), o senhor director atende-a informando que o referido corte havia sido efectuado por duas razões básicas: (1) por não ter feito o cadastro de professor e acima de tudo (2) por ordem do Presidente da República. E por esta última razão, não havia recurso nenhum senão aguardar até a saída do recluso para ver tal situação resolvida. A mãe informou-vos da minha pretensão em dar aulas na Comarca de Viana uma vez que já estava condenado; a vossa resposta foi de que esquecesse qualquer pretensão em torno disso por causa da segunda razão do corte salarial.

 

Desesperada, com a crise a apertar, despesas a aumentar e sem recursos financeiros para arcar com tudo isso, especialmente a família que eu havia deixado (esposa e dois filhos), em junho de 2016 a mãe fez uma denúncia pública da situação, informando à comunicação social a resposta que o senhor director lhe havia dado quanto a razão do corte salarial bem como as dificuldades que a família estava a passar. Esta denúncia fez-vos convocá-la quase a rogos para conversar e esclarecer a situação. Este encontro teve lugar no dia 28 de junho de 2016. Das deliberações, o senhor director informou que para se corrigir a situação, tínhamos de conseguir um despacho do juiz da causa a deferir a ida à Direcção Provincial, ou seja, devíamos fazer uma carta dirigida ao meritíssimo juiz da causa, assinada pela minha mãe e o advogado, tendo um visto de V.Excia solicitando o deferimento da minha ida à Direcção Provincial da Educação de Luanda. Embora tenha achado estranha tal orientação, fiz fé que assim fosse e orientei-me a escrevê-la. Entretanto, no dia seguinte, dia 29 de junho, saímos sob Termo de Identidade e Residência.

 

Na primeira semana de julho a mãe ligou para o vosso assessor a solicitar passos de seguimento uma vez que já não se impunham condições restritivas de deslocação. Depois de muita indisponibilidade de V.Excia, tivemos, duas semanas depois da primeira ligação, a resposta e orientações vossas que diziam que eu tinha de escrever a vós (não ficou claro o quê e para quê) e juntar à carta uma cópia da soltura. Esta última orientação de cópia da soltura eriçou-me o cabelo por se tratar de um processo muito mediático.

 

Bem, depois de uma pesquisa exaustiva em torno de vários diplomas legais que regem o funcionalismo público angolano, bem como a legislação penal em vigor, constituição da República de Angola e os diplomas legais ligados à área da Educação, eis a solicitada carta.

Da fundamentação legal do corte salarial

Como já referido acima, foi-me efetuado corte salarial desde janeiro de 2016, supostamente por orientações do Presidente da República de Angola e por não ter feito o Cadastro Biométrico de Professores que teve lugar entre os meses de novembro e dezembro de 2015. Tal corte foi materializado por S.Excia Senhor Director Provincial da Educação de Luanda, André Soma.

 

O Cadastro de Funcionários da Função Pública é parte das orientações da Assembleia Nacional na sua Resolução nº 25/15 de 31 de dezembro, “como um procedimento formal de acompanhamento da execução do Orçamento Geral do Estado, visando proporcionar um efeito útil aos contributos que se levantam em torno da discussão do referido documento.” Na sua secção A, ponto I, número 1.6, este documento orienta que “sejam concluídas, no exercício económico de 2016, as medidas de controlo dos efectivos da Função Pública, das Forças Armadas e da Polícia Nacional, bem como a sua identificação obrigatória através de dados biométricos [essas medidas de controlo referem-se às que começaram em outubro/novembro de 2015 com o cadastro biométrico de professores].” Portanto, não estou contra o cadastro biométrico, por ser um dispositivo legal e normal para o funcionalismo público.

 

A lei nº 17/90 de 20 de outubro, lei sobre os Princípios a Observar pela Administração Pública, no seu artigo 27º nº 1, sobre “Processos Administrativos” postula o seguinte:

• Para apreciação de questões contenciosas que digam respeito à administração pública, bem como a fiscalização sobre actos que envolvam nomeação ou contratação de funcionários da administração pública, serão competentes as salas e câmaras dos tribunais populares provinciais e do tribunal popular supremo.

 

Este artigo atribui a competência de arbitrar diante de questões contenciosas da administração pública aos tribunais. Em termos simples, este artigo está a dizer que cabe aos tribunais sancionar os litígios e/ou conflitos na Administração Pública. Exemplo: relativamente ao caso concreto do cadastro biométrico de funcionários da educação, todos os problemas daí decorrentes, as constatações de funcionários fantasmas, a ilegalidade documental, as trapaças administrativas, etc. são da competência única e exclusiva dos tribunais resolver. Devem abrir-se processos judicias e deixar aos tribunais determinar as devidas sanções ou absolvições.

 

Olhemos para o Estatuto Orgânico da Carreira dos Docentes, ou Decreto nº 3/08 de 4 de março, que é um diploma especial e específico para docentes do Ensino Primário e Secundário, Técnicos Pedagógicos e Especialistas da Administração da Educação; eis o que encontramos plasmado no seu Regime Disciplinar:

Artigo 34º
(Regime disciplinar)

• Para além de estarem sujeitos ao regime geral da função pública, sem prejuízo para procedimento judicial, para o que respeita ao regime disciplinar constitui infracção disciplinar, o seguinte:
• a prática na sua vida particular de quaisquer actos socialmente reprováveis que ofendam a dignidade de educador;
• a exigência ou aceitação de valores monetários, bens materiais, serviços ou benefícios em troca de informações ou solução de um assunto;
• o incumprimento de planos e programas de trabalho;
• a violação dos regulamentos em vigor na instituição;
• a solução de assuntos por processos eticamente reprováveis;
• a ausência do docente a serviços de exames;
• a ausência a reuniões de avaliação dos alunos.

• A utilização fraudulenta das provas de avaliação ou de exame, a prática de actos previstos nas alíneas a) e b) do número anterior e a prática de quaisquer outros, que constituam simultaneamente crime punível com pena de prisão maior, são passíveis de demissão.

• O desempenho negativo, em circunstâncias normais de trabalho, que resulte em mau aproveitamento dos alunos, é tipificado de incompetência profissional e, consequentemente, passível de processo disciplinar.

O artigo 35º deste mesmo diploma define como Penas disciplinares não só para a educação, mas para a função pública no geral o seguinte:

Artigo 35º
(Penas disciplinares)
Constituem penas disciplinares as consignadas do diploma especificado do regime geral da função pública, nomeadamente:
• admoestação verbal;
• censura registada;
• multa;
• despromoção;
• demissão.

Como vemos, não há entre as penas disciplinares uma “Pena de corte Salarial”. Não há igualmente indicações diretas ou indiretas da possibilidade da aplicação de tal pena.

Que dizer da Competência disciplinar? O artigo seguinte deste mesmo estatuto estabelece:


Artigo 36º
(Competência disciplinar)
Nos termos da legislação em vigor sobre o regime disciplinar da função pública, têm competência disciplinar:
• para aplicação de pena de admoestação verbal todos os responsáveis;
• para a aplicação das penas de censura registada e multa, os chefes de departamento, a nível central, governadores provinciais e diretores provinciais a nível local;
• para a aplicação da pena de despromoção, os diretores nacionais e os governadores provinciais;
• para a aplicação da pena de demissão, o governador de província e o Ministro da Educação.

Conforme este artigo deixa claro, a única competência atribuída a V.Excia é a que se encontra na alínea b) do artigo 36º, que são as “penas de censura registada e multa.” Não há atribuída nenhuma competência disciplinar ao Presidente da República, mesmo sendo ele o titular do poder executivo.

Ora, até onde sei, não pende sobre mim nenhuma multa ou pena de demissão (o que pressuporia corte salarial) e nem que o fosse, é da competência exclusiva do Ministro da Educação aplicar a pena de demissão. Porém, não tenho informações nenhumas que digam que o senhor ministro tenha me demitido, pois tal, também careceria de uma fundamentação.

O trabalho é um direito económico e a Constituição da República de Angola estabelece no seu artigo 76º o direito ao trabalho nos seguintes termos:

Artigo 76º
(Direito ao trabalho)

• O trabalho é um direito e um dever de todos.
• Todos os trabalhadores têm direito à (...) justa remuneração, descanso férias, proteção, (...), nos termos da lei.
• O despedimento sem justa causa é ilegal, constituindo-se a entidade empregadora no dever de justa indemnização ao trabalhador despedido, nos termos da lei.

E dentre as tarefas fundamentais do Estado conforme enunciadas no artigo 21º da Constituição da República, estão:


Artigo 23º
(Tarefas fundamentais do Estado)

Constituem tarefas fundamentais do Estado angolano:
• promover o bem-estar, a solidariedade social e a elevação da qualidade de vida do povo angolano, designadamente dos grupos populacionais mais desfavorecidos;
• promover a erradicação da pobreza;
• efectuar investimentos estratégicos, massivos e permanentes no capital humano, com destaque para o desenvolvimento integral das crianças e dos jovens, bem como na educação, na saúde, na economia primária e secundária e noutros sectores estruturantes para o desenvolvimento auto-sustentável.

Estes dois artigos, excelência, deixam claro que o Estado deve proteger o trabalho do cidadão, visando a elevação da qualidade de vida do seu povo, defendendo os mais desfavorecidos (olhem excelência, para o salário base que aufiro e vereis que me enquadro neste grupo). Acima de tudo, deve promover políticas de erradicação da pobreza, através do investimento massivo no capital humano. Desta feita, as medidas punitivas devem ser proporcionais às infracções cometidas, especialmente acautelando para que não lesem outros direitos fundamentais e/ou a materialização das tarefas fundamentais do Estado. O Estado através de seus agentes não deve aplicar medidas punitivas meramente vingativas ou retaliativas, especialmente quando elas atentam contra direitos constitucionalmente garantidos e quando causam prejuízos intencional a terceiros.

Do meu perfil


Senhor diretor, lecciono há 11 anos e, durante este tempo de docência nunca incorri em nenhum processo disciplinar. Nunca tive (até onde eu me lembre) nenhuma classificação negativa decorrente da avaliação de desempenho de docente. Antes da implementação da Reforma Educativa, enquanto vigoraram os exames da 4ª Classe, quase sempre fui designado como Presidente de Júri aos exames finais (2006, Escola 811 – Funda; 2007, Escola 822 – Fortinho; 2008, Escola Beniamino - Funda). No ano lectivo 2014/2015 voltei a ser designado Presidente de Júri para os exames finais da 6ª Classe, no Escola 4060 na Kilunda. De lembrar que estas designações são por indicação da Repartição Municipal da Educação.

Em 2014 foi-me atribuído um Certificado de Honra e Mérito “em reconhecimento ao trabalho desempenhado em prol do crescimento e conhecimento das nossas crianças” pela Direccção da Escola Primária nº 68yu, a escola onde lecciono, que junto em anexo a esta carta.

Da ilegalidade da decisão de corte


Excelência, com base em tudo exposto aqui, especialmente a fundamentação legal apresentada, considero a decisão do corte salarial ilegal, abusiva e extrapolação de competências, e justifico-me:


• O corte salarial não constitui medida punitiva legalmente estabelecida na legislação da administração pública, muito menos nos diplomas legais da educação;
• O corte se constitui numa medida que demonstra abuso e excesso de poder;
• Não compete ao Presidente da República punir funcionários da administração pública (sem prejuízo às competências que lhe são atribuídas nos artigos 119º alíneas d), i), j) e k); 121º alínea d); 122º alíneas c), d), f), g) e i) todos da CRA);
• Não há legalmente um subordinação em termos de aplicação das medidas disciplinares entre o senhor Diretor Provincial da Educação e o Presidente da República;
• De entre as competências disciplinares legalmente atribuídas a V.Excia, não consta a medida aplicada;
• É uma medida pura e simplesmente vingativa e retaliativa.

E por que digo que é uma medida retaliativa? Por eu não conceber como pende a balança dos gestores públicos do sector da educação. O que realmente constitui preocupação? Tornou-se público o processo de cadastro biométrico de professores ocorrido entre outubro e dezembro de 2015, o saldo foi de 33 mil professores fantasmas e outros trapaceadores que delapidavam dos cofres do Estado angolano mais de 20 milhões de dólares ao ano.

Este saldo devia preocupar grandemente os gestores da educação em Angola, começando com o Ministro da Educação indo até aos chefes de Repartições Municipais. Em países evoluídos e comprometidos com a transparência e isenção na gestão da coisa pública, esta flagrante constatação daria em processos de auto-demissões, pois o saldo de 20 milhões de dólares ao ano é um tremendo golpe a economia nacional e um crime que podia ser de lesa pátria. Qual é custo social, económico e humano disto? Quantos projectos sociais foram olvidados (e vidas perdidas) por verbas que não foram para o cumprimento das tarefas fundamentais do Estado?

Surpreendentemente entretanto, não foi aberto, até ao momento um único processo cível contra nenhum dos 33 mil fantasmas e trapaceadores do sector da educação. Não ouvimos despromoções ou exonerações de quem quer que seja por razões ligadas a esta processo (até parece que esses fantasmas caíram dos céus, que não houve a conivência ou facilitação da parte de ninguém). Nem pronunciamentos públicos, não sei se houve um, enfim.

No entanto, investe-se pesada e injustamente contra um cidadão que a única coisa que fez foi exercer cidadania, dizer que há uma ditadura em Angola, e que precisa-se resgatar o país das mãos de gente que não está com o dever pátrio de servir e que o vai transformando em propriedade privada. Ora, ver com que lassidão se trata um assunto de lesa pátria como é a delapidação intencional e regular de mais de 20 milhões de dólares ao ano dos cofres do Estado, aos olhos de gestores que deviam impedir tal; ver ainda o silêncio e a indiferença com que olham para o caso; o proteccionismo com que temperam o processo, faz-me perguntar se valeu apenas terem destapado este antro de podridão que enferma toda a função pública nacional e que tão imediatamente vai se encaminhando para o limbo do esquecimento.

Ver isso ser encarado levianamente em detrimento da perseguição a um cidadão que não sabe o que é desviar um tostão do erário público; que apesar do parco e miserável salário, não enveredou em práticas ilícitas para tentar mudar a sua sorte; que se contenta em cumprir o seu dever como docente com brio e sem resignação; com boas classificações de desempenho; ver tudo isso a acontecer contra si, desgasta e revolta. Revolta mais ainda quando se vê que para este, até o Presidente da República (baseio-me na informação que V.Excia passou à minha mãe) tem ordens para congelar salário e remover (possibilidade) abusiva e ilegalmente do sistema de ensino. Enquanto os 33 mil possíveis criminosos continuam a assobiar para o lado, continuam talvez a sugar o erário público e continuam protegidos. É assim que infelizmente ainda se faz justiça em Angola, uma justiça facilitada por agentes públicos abnegados para tal como V.Excia senhor Director Provincial da Educação.

Excelência, na função em que está, não pode aceder e nem dar cavaco a ordens ilegais e mais, passadas verbalmente. Devia fazer parte da tradição institucional validar apenas o que estivesse escrito e assinado, não importa de quem ou de onde venham as ordens. É isto o que garante a responsabilização, é isto o que manda sinais de seriedade institucional e respeitabilidade aos gestores públicos. Devem igualmente eliminar do vosso mais íntimo imo de que como servidores públicos fazeis-nos algum favor por servir, e que desta feita, vos devamos alguma vassalagem pelo que fazeis, não. Redondamente errada esta forma de pensar, servir é um dever patriótico, mas servir satisfatória e honrosamente é apenas para os elevados.

Da minha solicitação

Excelência, eu não tenho nada a pedir senão estas duas coisas simples:


• Que seja restabelecido o meu salário como funcionário público, com os devidos retroativos e reparações aos danos causados a terceiros, conforme estabelecido na Constituição da República de Angola no seu artigo 75º, quanto a responsabilização do Estado:

“1. O Estado e outras pessoas colectivas públicas são solidária e civilmente responsáveis por acções e omissões praticadas pelos seus órgãos, respectivos titulares, agentes e funcionários, no exercício das funções legislativa, jurisdicional e administrativamente, ou por causa delas, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para o titular destes ou para terceiros.”

• Que seja readmitido no sistema de ensino com actualização de carreira e sem outros impedimentos de carácter meramente burocrático.

Do processo cível


Excelentíssimo senhor Director, tal como exposto acima, o senhor incorreu em crime de Excesso de Poder, previsto e punido pelo nº 1 do Código Penal, artigo 301º, por ter-se ingerido no exercício do poder legislativo. Por ter punido quando não lhe competia fazê-lo, ou seja, são as câmaras dos tribunais que devem arbitrar diante deste contencioso e não V.Excia:


Figura 2 - Artigo 301º do Código Penal
E o nº 2 do artigo 75º da Constituição da República de Angola diz que “os autores dessas ações ou omissões [que fazem incorrer em responsabilidade do Estado e de outras pessoas colectivas públicas] são criminal e disciplinarmente responsáveis, nos termos da lei.”

Portanto, intentarei uma acção judicial contra V.Excia por esse procedimento ilegal e de alguma forma indecoroso.

Da cópia da Soltura


Excelência, ao invés da cópia da soltura, mando em anexo cópias do acórdão do Tribunal Supremo que permitiu a nossa saída sob Termo de Identidade e Residência, para destacar o seguinte:


• Em questão está a ação de um outro servidor público, um juiz que agiu “de forma estouvada” por excesso de zelo, valendo-lhe uma chamada de atenção e instauração de um processo judicial, pois “não se justifica [a] conduta incauta do Mº Juiz, porquanto em tempo oportuno o Tribunal Supremo baixou instrutivos orientadores para a tramitação das providências de Habeas Corpus.”

• Por “estar apetrechados com ferramentas” que lhe deviam ter ajudado a agir de forma diferente, que foram ignoradas pelo juiz, fazendo-o agir segundo o seu bel-prazer, daí o Tribunal Supremo ter orientado que fossem “desencadeados procedimentos” disciplinares “em conformidade.” Diz-se que é bom aprender com os erros dos outros.

A parte

Excelência, em missiva própria escreverei sobre três situações que me preocupam bastante:

• Cadastro de Funcionários do sector da Educação e os esquemas de extorsão (assunto que estive a investigar antes de ser preso em junho de 2015);

• Concursos públicos da educação, burocracias e obscuridades no processo;

• Seminários pedagógicos e a divulgação dos diplomas legais que regem o sector.

Na expectativa de ver a minha situação resolvida, despeço-me com os meus mais sublimes votos de cordiais saudações e bom trabalho.


Luanda, 29 de julho de 2016
Atenciosamente
_____________________________
Afonso Matias “M´banza Hamza”

Contactos:
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