Luanda - Sedrick de Carvalho fala sobre o dia-a-dia dos reclusos angolanos nas cadeias de Luanda, sobre a influência do poder executivo no poder judicial e sobre o que perdeu durante o ano em que esteve encarcerado por ter reunido com os seus amigos para debater um livro.

                      As eleições fraudulentas já estão preparadas
*Regina Gunza
Fonte: Jornal O Crime

O repórter do Jornal Folha 8, tal como 15 dos 17 activistas condenados pela 14ª Secção dos Crimes Comuns nas penas de 2 a 8 anos e meio de prisão por actos preparatórios de rebelião e associação de malfeitores, beneficiou da liberdade sob termo de identidade e residência no dia 29 de Junho do ano em curso, fruto da admissão do pedido de habeas corpus interposto pelos seus advogados ao Tribunal Supremo com a obrigação de apresentar-se mensalmente ao tribunal de primeira instância e não viajar para fora do país.


Após um ano de prisão, Sedrick de Carvalho já circula a vontade no seu bairro, pois, quando estava em prisão domiciliar, nem espreitar a rua para ver os vizinhos podia fazer.
Jornal O Crime (JC) - O que significa esta liberdade condicional para si?
Sedrick de Carvalho (SC) - Esta liberdade sob termo de identidade e residência é uma vitória e é sempre importante realçar que neste processo houve sempre pequenas vitórias da parte de quem sempre nos apoiou e de quem sempre esteve a pressionar para que isto acontecesse. E só tenho de agradecer a estas pessoas e celebrar com as mesmas. Desta vez é diferente da prisão domiciliar, onde não podíamos sair. A minha casa é pequena e não tem quintal, então eu não podia sair, até ficar fora da minha casa era problema. Os agentes constantemente me chamavam atenção e diziam que eu não podia sair, tinha de ficar dentro, ou ficar numa posição fora de casa em que os vizinhos não me pudessem ver. Era muito constrangedor aquilo tudo. Agora, sob termo de identidade e residência, estamos mais folgados, já podemos nos deslocar sem a presença de polícias, pelo menos fardados, porque mesmo circulando, há sempre aqueles agentes a paisana a nos vigiar, mas pelo menos não há essa intimidação de agentes armados.


Na sua opinião, a vossa libertação tem alguma relação com as eleições de 2017?
Não sei se José Eduardo dos Santos precisa tanto de nos colocar na equação das eleições de 2017, simplesmente pelo facto de que nós, presos ou fora, não vamos mudar nada nas eleições de 2017. As eleições fraudulentas de 2017 já estão preparadas, já estão ganhas, aliás, nem sequer se pode dizer que estão ganhas porque não é mesmo uma eleição. No verdadeiro sentido da palavra, aquilo não é uma eleição, é mais um simulacro, mais uma palhaçada que vai ocorrer, tanto é que tudo já está feito. Eu não sei como é que se pode encarar como eleições, se nos anos anteriores houve até menos órgãos do executivo no processo. Pelo menos em 2008 e 2012 lembro apenas da participação do Ministério da Administração e Território enquanto para 2017 foi criada uma comissão que é composta por 10 ministérios. Se as eleições de 2008 e 2012 foram fraudulentas, imagina as de 2017. Será pior! Eu pelo menos não posso esperar um bom resultado para os partidos da oposição, podem até ter mais deputados do que têm agora, mas claramente também será fruto do próprio simulacro. Eu acho que o nosso caso é mesmo só para distrair a sociedade, para fazer de conta que o sistema judicial funciona em Angola.

 

Após a vossa libertação, qual é a apreciação que tem dos tribunais em Angola?
Não há tribunais neste país. É que se vermos bem, são uma espécie de comités de especialidade do MPLA. Tudo depende de ordens superiores. Foi ordem do José Eduardo e não tem porquê nós pensarmos que o senhor Aragão, presidente do Tribunal Supremo, agiu de forma independente. É mentira. Nós fomos libertados depois da pressão, depois de os nossos familiares irem constantemente aos tribunais. Porquê esperaram os nossos familiares irem ao tribunal para depois admitirem o habeas corpus? Mesmo quando nos colocaram em prisão domiciliar, foi graças a pressão. Vimos que foi uma lei que saiu quase que a força, nós fomos as pessoas que inauguraram a lei. Neste um ano de cadeia, tudo que conseguimos foi a base de pressão, rigorosamente tudo.

 
Se o Tribunal Supremo admitir a vossa liberdade incondicional, a sua visão sobre a justiça em Angola continuará a ser a mesma?
Vai continuar. Enquanto jornalista, também me dediquei a escrever muito sobre questões relacionadas a tribunais e nunca tive dúvidas de que o sistema judicial trabalha muito mal. Não temos quadros no sistema judicial. Imagina que existem tribunais em que o juiz quando chega na sala da audiência a primeira palavra que sai da boca dele é “assentam”. Não se fala “assentam”! Então você já imagina. Juízes que estão a esquecer de condenar réus que estão a ser julgados à revelia, juiz que inventa alíneas para justificar prisões, inventa leis, ou ainda que diz à ré já absolvida que “você não é nenhuma santinha”. A minha opinião sobre o sistema judicial nunca vai mudar, isso sem falar das sentenças encomendadas. O vosso jornal tem se dedicado muito a estas temáticas, inclusive publicou um dossier sobre a intervenção do ministro do Interior no sistema judicial onde pedia a condenação da Jéssica. Então, só porque ficarei livre totalmente vou mudar a minha opinião sobre o sistema judicial? Não! E quando houver melhorias também vou dizer. Mas só vai funcionar quando ocorrer uma mudança radical nas políticas do país. O regime tem que mudar. É que o MPLA já deu tudo o que tinha que dar.


Considera a possibilidade de voltarem à cadeia?
Sim, e não há dúvidas disso. Esta sociedade já está consciente de que há uma forte possibilidade de voltarmos à cadeia e essa possibilidade é até das melhores porque se há uma possibilidade pior neste país, é de sermos mortos. Podemos ser mortos também a qualquer instante. Então, se podemos ser mortos, voltar à cadeia é uma coisa menos preocupante para nós, embora seja duro estar privado da liberdade. Hoje estou aqui fora, praticamente é a minha primeira saída e estou a sentir muita diferença. Em um ano muita coisa mudou mas, ainda assim, eu sei que até matar-nos pode acontecer a qualquer instante.
“O que nós estamos a espera é que este processo seja anulado porque estas acusações não têm motivo de ser”


O que mais te preocupa neste momento?
O que mais me preocupa neste momento é a passividade do povo que continua a sofrer bastante, mas ainda assim não reage. Em qualquer país quando o preço do pão começa a subir é porque a vida vai mal. Se o preço do alimento mais básico de uma família sobe, então é porque tudo mais subiu. Agora, se a sociedade não reage, isso é muito preocupante. A sociedade não reage quando o pão sobe, quando o filho morre por falta de medicamento nos hospitais, quando sobe o preço dos combustíveis, o candongueiro, a vida está sempre a encarecer e a sociedade não reage. Isso me preocupa porque eu vejo esse clima, essa repressão psicológica para com o povo a aumentar. Se em 2016 as coisas estão assim, o que será de 2017, 2018? E com esse governo que temos actualmente as coisas só vão piorar. O povo já está a morrer nos hospitais e agora vão matar as pessoas de forma aberta?


Os vossos advogados vos informaram sobre os argumentos que o Tribunal Supremo utilizou para admitir o pedido de habeas corpus?
Até agora ainda não tive contacto com os nossos advogados. Os meus companheiros que estiveram no hospital-prisão do São Paulo talvez tiveram uma explicação. Agora, o documento também não espelha muita coisa e é só para ver a incompetência por parte dos tribunais. Eles não explicam quais são os motivos que lhes levou a nos libertar, quando deveriam esclarecer, penso. Apenas nos exigem duas coisas: a impossibilidade de sair do país e a apresentação mensal ou quinzenalmente no tribunal. Outra questão de incompetência é que há dois documentos sobre este último aspecto, um que diz que temos de nos apresentar mensalmente no tribunal do Januário e outro diz que temos de nos apresentar quinzenalmente. Assim fica complicado.


Ficou surpreendido quando lhe comunicaram que já estava livre?
Na cadeia estivemos permanentemente a engendrar acções de pressão e mesmo fora também. Daí que todos os dias pensávamos que podíamos ir para a casa. Desde o primeiro dia de prisão que temos a plena certeza de que somos inocentes, em nenhum momento cometemos algum crime, eles é que estão a cometer crimes e permanentemente. Então, quem está nessa condição de sentir-se inocente também aguarda por uma libertação diariamente. Mas também tínhamos a plena consciência de que podíamos ficar presos pelo tempo que José Eduardo dos Santos desejasse, porque neste país quem manda é mesmo ele, daí que estamos livres e estamos hoje a circular porque José Eduardo dos Santos disse “saiam ainda”.
Quando ouvi a notícia não fiquei tão alegre assim, ainda mais quando percebi que era sob termo de identidade e residência. Nós não estamos livres. Estamos ainda presos, temos dificuldades e limitação de viajar para fora do país e sem falar ainda que brevemente o Tribunal Supremo, sob ordem do presidente, pode a qualquer instante nos mandar voltar às cadeias. O que nós estamos à espera é dizer que este processo é nulo, que estas acusações não têm motivo de ser. Aí sim, quando isto acontecer vou ter motivo para festejar mas também entre aspas porque não será a libertação do povo de Angola.
Reclusos fazem sexo entre si em troca de comida


Uma vez que ficou cerca de um ano preso e passou por várias cadeias do país, qual é a sua visão sobre o sistema prisional angolano?
Passei mesmo por muitas cadeias. Em Luanda passei por todas, menos a CCL (Cadeia Central de Luanda) e ainda fui parar ao Bengo. O sistema prisional é mau. Como jornalista, já escrevi sobre as prisões, mas agora que passei um ano na cadeia percebi que é pior ainda do que eu próprio noticiava e do que até agora os órgãos de comunicação noticiam. É pior! Imagina, as pessoas sabem que nas cadeias não tem comida, mas pouca gente sabe que na cadeia há indivíduos a fazerem sexo para receberem comida. Muita gente sabe que não há água nas cadeias, mas pouca gente sabe que a água se vende, ou melhor, troca-se. Quem tem um cigarro compra a água. Eu mesmo, quando estive na cadeia de Viana não comprei porque não quis entrar nesta prática e preferia ficar até sem beber água do que fazer esse jogo. Mas me davam cinco litros de água por dia para banhar e lavar a roupa. E só me deram por causa do estatuto de preso político, senão os outros tinham os cinco litros de água por dois, três cigarros. Ainda na questão da alimentação: afinal de contas a cadeia elabora um menu onde dizem que houve pequeno-almoço de pão e leite! Pelo menos nesta última cadeia em que estive, Kakila, nunca vi chá sequer. Havia até pão seco, mas não havia manteiga. Almoço era arroz branco na melhor das hipóteses e as pessoas lutavam por causa deste arroz branco. Depois dos primeiros dois meses de cadeia decidi não receber nada da prisão, nada dos serviços prisionais. Durante um ano de cadeia nunca tive acesso à televisão, sem contar que nos proibiam ter acesso aos jornais e só nos permitiam ler o Jornal de Angola. Eu passava todo o dia a ler, o que não ajudava em nada no meu problema de visão e também conversava com os companheiros, era isso ou olhar para as paredes.


Como era a sua relação com os outros reclusos?
Eu não interagia muito com os outros presos mas percebi que tinham um respeito enorme por nós. Também percebi que os presos não são maus como se diz ou como se pensa. Os presos são pacíficos, tão pacíficos que as duas únicas confusões que presenciei na cadeia foram originadas por droga e por falta de comida, logo, percebe-se que os dois problemas são originados pelo Serviços Prisionais. Quem não dá comida é o Serviços Prisionais, quem coloca droga na cadeia são os agentes, logo, são eles que originam a confusão. Se tivesse comida e se não existisse droga, não existiria confusão, ou pelo menos não tanta. Isto reforça a minha tese de que os presos em Angola são pacífico, tão pacífico como é o próprio povo angolano. O problema é que o povo não tem sorte porque nunca teve um governo que soube aproveitar esse lado pacífico para poder transformar Angola num bom país.


Sentiu algum desempenho dos meios de comunicação social na cobertura do caso 15+2?
Os meios de comunicação fizeram muito. Falaram o possível. Não tinha como a comunicação social cobrir o julgamento na íntegra e ali a culpa já não era dos órgãos e sim do regime que proibiu. Aqui até se vê a interferência do poder executivo no poder judicial. Foi o regime que proibiu a presença dos jornalistas nos dias de julgamento. Não foram os funcionários do tribunal, foram os agentes secretos que lá estavam. Então não tem como os jornalistas trabalharem tão bem como desejavam, mas fizeram o possível e gostei bastante de tudo o que os jornais fizeram, excepto, claro, a imprensa estatal que não podia fazer diferente. O que faltou não foi por culpa dos jornais, foi mesmo a interferência do poder executivo.


O que você perdeu durante o ano que esteve preso?
Perdi muita coisa. Perdi o ano lectivo, eu estava a fazer o quinto ano do curso de Direito, já estava a preparar a monografia. Hoje os meus colegas estão aí a defender os seus trabalhos, alguns já são juristas e eu não pude fazer isso porque José Eduardo decidiu prender-me durante um ano. Este ano, o primeiro semestre já terminou e praticamente já perdi o ano. Enão já são dois anos académicos perdidos.
No plano profissional, estou a um ano sem trabalhar, muita coisa não se fez. Eu tinha um projecto pessoal, o site de futebol “O GOLO” mas que ficou paralisado tanto tempo até ao ponto de o site sair do ar porque havia contas para se pagar e não se pagou.
No plano afectivo também perdi muita coisa. Foi um choque muito grande, aquando da prisão domiciliar, a minha filha me fugia, então foi uma luta de reconquista, consegui reconquista-la e ela percebeu que sim, é mesmo o pai (risos). Desta vez foi diferente. Quando entrei em casa ela veio a correr e me deu um abraço. Foi muito bom. Até saiu-me algumas lágrimas nos olhos. Agora ela já não quer desgrudar de mim. Se tiver de sair de casa, como hoje, tenho de fazer às escondidas senão ela chora.
Mas a minha filha tem um trauma psicológico. Embora tenha quase três anos, percebo nela que sabe das coisas, percebe que as minhas saídas às vezes são tão longas que não sabe quando volto. Então, quando estou a sair de casa, ela fica com medo. Ela pensa que vou sair e já não regressarei. A minha esposa me contou que no tempo que estive ausente, quando ela ouvia movimentos de carros na porta, espreitava nas janelas para ver se eu é que tinha chegado. Agora que estou em casa, ela como sabe que quando estávamos em prisão domiciliar o carro dos serviços prisionais ia sempre lá para me pegar e levar-me ao tribunal, quando ouve movimentos de carro, ela também sai e fica a apreciar para ver se o carro veio me buscar. É um trauma psicológico, mas estou a fazer o possível para que ela fique bem.
“Precisamos de um acompanhamento psicológico intensivo”


Como é que você está psicologicamente?
Aparentemente estou bem. Mas, na cadeia, vendo os meus companheiros, percebi que não estávamos bem. Todos não estamos bem psicologicamente. Precisamos de fazer psicoterapia intensiva. As dores de cabeça constante que tenho, obviamente têm a ver com o problema de visão, mas pode ser também outro problema. Ao longo das noites estou sempre a despertar, imagino que tem sempre alguém a me perseguir, a mexer na porta, durmo apreensivo. Mesmo ao longo do dia, nunca se sabe quando é que eles vêm com uma ordem a dizer “volta para a cadeia”. Isto não nos faz bem psicologicamente.


O que mais lhe marcou neste período da sua vida?
Há muita coisa. Pela negativa, as agressões aos meus companheiros, as greves de fome, foi a primeira vez que me prenderam, foi chocante e muito duro. Isso me marcou bastante. Mas não posso deixar de realçar as agressões de que os meus companheiros foram vítimas. Já estávamos presos, o que por si já era uma tortura, lhes batiam mais. Era horripilante!


Alguma vez foi agredido?
Não. Nunca fui agredido. Não sei porquê nunca me bateram quando eles batiam de forma indiscriminada os meus companheiros. Acho que queriam semear o medo para ver se todos ficássemos aterrorizados. Mas se enganaram porque ficamos ainda mais fortes.


Como você definiria os teus companheiros?
Nessa prisão, não é de todo verdade que nos conhecíamos todos de forma pessoal. Ao longo deste processo percebi que são todos jovens de muita bravura, muito corajosos e com convicções profundas. Foi o sentimento de amor por esta Angola que fazia com que todos nos fortalecêssemos ao longo do processo. Se há uma coisa que todos consentimos é que esta Angola tem de mudar para melhor. Tem que se implementar a democracia e isso é muito bom, uma convicção profunda que me faz crer que são jovens especiais e fortes.
“Por causa da cadeia, agora tenho problema de visão”


Como te sentes neste momento?
Estou a melhorar, não saí tão bem assim de saúde. O problema da visão foi uma das consequências do primeiro regime em que fomos colocados, isto em Calomboloca. Ficamos totalmente isolados, não tínhamos acesso a luz do dia e quando tínhamos, era às vezes uma hora ou menos tempo, então, comecei a ter vários problemas de visão. Mas em Novembro tive uma assistência especializada, e daí passei a usar óculos, mas mesmo com os óculos o problema da visão continua e acho que está a agravar. Recentemente, fiz uma consulta e o médico receitou-me alguns medicamentos que uso, mas não estou a sentir melhorias.


Está a dizer que antes de ser preso não tinha problemas de visão?
Nunca tive problema de visão, as pessoas que me conhecem podem testemunhar isso, nunca precisei de usar óculos para ler, para estar diante do computador que era o meu material de trabalho, mas, mesmo agora, a luz do dia me faz mal, constantemente dói-me os olhos. É que o sistema em que nos colocaram era desumano. Ficávamos quase 24h trancados e a cela onde estávamos, só para ter uma ideia, trancada todas as portas e se a energia por acaso fosse cortada, não se dava conta se é dia ou noite. Não tínhamos acesso nenhum à luz do dia e quando saíamos para fora, o choque da luz do dia causava-me problemas. Às vezes, quando recebia visitas em Calomboloca, nem conseguia ver os visitantes mesmo a dez metros de distância


Na sua opinião, vocês conseguiram abrir a mente do povo angolano de que devem lutar sempre para exigir os seus direitos?
Não sei em termos práticos se foi possível influenciar o povo angolano, pelo menos alguma percentagem, a reivindicar de forma aberta, a exigir os seus direitos. O que sei e que as pessoas que me visitaram foram informando é que hoje há uma mudança de postura discursiva por parte dos angolanos. Me informaram que hoje é comum, num grupo de cinco ou dez pessoas, ouvir falar de José Eduardo dos Santos e lhe tratar como ele deve ser tratado, como um ditador, que este governo só faz mal, que é de gatunos, uma autêntica clepetocracia. Se isso acontece, já é muito bom porque aí demostra que para alguma coisa a nossa prisão valeu.


Vocês sentiram o apoio da sociedade angolana durante o julgamento e após a condenação?
Houve pouco apoio da sociedade em termos práticos, obviamente. As pessoas pelo facebook estão sempre a dizer “estamos convosco”, mas isso não basta, tem que ser prático. Então, partindo disso, faltou apoio da sociedade. Mas há uma coisa, é que esta sociedade não espelha o seu apoio em acções concretas por causa do medo, pois José Eduardo aterroriza todos os dias, aliás, nós mesmos fomos presos, nos colocaram em situações terríveis, desumanas, nos condenaram a penas altas, absurdas, exactamente para colocar o medo no povo angolano e funcionou, as pessoas ficaram mesmo com medo. Quando estávamos em prisão domiciliar muita gente me disse na cara dura assim: “não te visito por causa dos polícias que estão aí”, isso é o medo que estão a semear na sociedade. Estão a nos prender, a agredir manifestantes, bater as zungueiras, penas altas, isso tudo para provocar medo e se o povo está com medo não pode fazer nada.
Mas uma coisa o povo deve ter certeza, se hoje o censo ditou que somos mais de vinte e seis milhões de angolanos e o governo são poucos, mesmo o MPLA que está sempre a se arrogar que são milhões, é mentira, não são nada milhões, é tudo bandidagem. Então porquê nós que somos mais de vinte e seis milhões não se levantamos e dizemos basta? A polícia vai conseguir prender ou matar todos? Nem sequer o país tem cadeia suficiente para prender um milhão de pessoas. Então, se pelo menos um milhão de angolanos se levantar e dizer “basta de ditadura em Angola”, eles não vão conseguir reprimir o povo. Por mais medo que esse regime imponha na sociedade, o povo não pode ter medo porque até é constitucional: a soberania una e indivisível pertence ao povo, logo, o poder é do povo.
“Não acredito em nada do que o Presidente da República diz”


Acredita que o Presidente da República vai abandonar o poder político em 2018?
Não acredito em nada do que o Presidente da República diz. Se ele por exemplo vir dizer que vai matar, aí sim, eu acredito. Mas quando diz que vai fazer uma boa coisa, porque a saída dele é uma coisa positiva e todos estamos à espera dessa saída, então é porque ele não fará. Nunca faz coisas positivas. Não acredito que ele vai sair em 2018, aquilo é um jogo. Esse anúncio de saída no ano y e x não é a primeira vez que faz isso. E não saiu nas vezes passadas porquê? Porquê as pessoas têm que esperar em 2018? Ele não é sério e também não dá para levar a sério as suas declarações.


Ao finalizar, o que deseja dizer que não lhe foi perguntado?
Gostaria de reiterar os meus agradecimentos a todos que nos apoiaram. Não estaríamos nesta liberdade condicionada agora se não tivéssemos o apoio dos poucos da sociedade angolana e da comunidade internacional que muito nos ajudaram. Agradeço do fundo do coração. Aos meus familiares agradeço diária e eternamente. Agradeço também as instituições que nos apoiaram tanto.