Luanda - Hoje, quarta-feira, por volta das 13h20, apresentei -me na sede da Direcção Geral do Serviço Penitenciário (localizada nas imediações do Largo do Ambiente), para apresentar ao Sr. Director Geral António Fortunato, o documento que contém a denúncia detalhada dos incidentes de 3 de Setembro último.

Fonte: Facebook

Ora, na recepção, fui impedido de fazer chegar o documento formal de denúncia ao Gabinete do Director Geral. Eis as razões:

1. Por estar calçado de sandálias de cabedal.

2. Por ter cabelo impróprio.


Visto que a minha saúde mental deve ser salvaguarda, não me deixei estressar. Simplesmente pedi para deixar o documento na recepção para que o pessoal o fizesse chegar depois ao Sr. Comissário António Fortunato. Novamente, foi-me dito que NÃO.

"De sandálias o Sr. não pode entrar. Daqui para o Gabinete do Director o Sr. não passa", disse-me o funcionário da recepção geral.


"O SR. ESTÁ DE SANDÁLIAS E [COM] CABELO IMPRÓPRIO. NÃO PODE DEIXAR AQUI O DOCUMENTO", disseram-me outros dois funcionários da secção ao lado. E assim fui impedido de cumprir com o objectivo de remeter a denúncia.
Não sei se devo rir ou chorar. Se calhar é melhor rir, pois faz bem à saúde mental e física. Não quero apanhar trombose (apesar de ter apenas 32 anos, mas é melhor prevenir...)


De resto, remeto aqui a versão electrónica da carta de denúncia formal que não chegou ao Sr. Director graças ao "zelo" dos seus funcionários.

 

Ao
Excelentíssimo Director Geral do
Serviço Penitenciário
Dr. António Fortunato
Luanda

Assunto: Denúncia

Excelência,

Nuno Álvaro Dala, portador do BI 000063565LA034 e do NIF 100063565LA0345, de 32 anos de idade, Linguista, Pedagogo, Professor, Investigador e Activista, residente em Luanda,

Serve-se deste meio para denunciar os seguintes factos gravíssimos:


A 3 de Setembro do ano em curso, os activistas Albano Bingo Bingo, Elizabeth André, Graciano Brinco, Henrique Luaty Beirão, Laurinda Manuel Gouveia, Leandro Freire, Nuno Álvaro Dala e Rosa Kussu Conde dirigiram-se ao Estabelecimento Prisional de Viana, com o propósito de efectuarem uma visita ao também activista Francisco Gomes Mapanda, vulgarmente conhecido por Dago Nível Intelecto, condenado e preso a 28 de Março de 2016 pelo alegado crime de ‘desacato e desrespeito e injúria ao tribunal’.


Uma vez no chamado Quintalão, estes ficaram então à espera da chamada para efectuarem os procedimentos necessários para o efeito. Todavia, passados cerca de 50 minutos sobre as 10h00, o guiché não dava nenhum sinal de início das visitas. Neste momento havia no Quintalão um número de aproximadamente 400 (quatrocentos) cidadãos que aguardavam pacientemente pela oportunidade formal de visitar o seus entes queridos presos. Então, os activistas Henrique Luaty Beirão e Nuno Álvaro Dala solicitaram ao agente prisional do guiché no sentido de que os indicasse o agente coordenador para que os informasse das eventuais razões de – passada quase 1 (uma) hora – ainda não terem conseguido iniciar sequer a visita ao Dago. O agente alegou que a pessoa indicada para dar tais informações se encontrava na entrada do estabelecimento, pelo que recomendou que os activistas para lá se dirigissem, isto é, ao portão principal. Assim o fizeram.


Diante do portão principal, os activistas solicitaram então ao agente que lá se encontrava no sentido de que este chamasse o “sargento-dia” (assim designado pelo agente do guiché) responsável pelo guiché. Cerca de 3 (três) minutos depois, veio ao encontro dos activistas o suposto “sargento-dia”, que, mal os ouviu, alegou que não tinha competência para tratar do assunto, ao que a seguir sugeriu respeitosamente que os activistas voltassem ao guiché, pois seria lá que a informação desejada ser-lhes-ia dada. Entrementes, ainda a ouvir atentamente as alegações do “sargento-dia”, os activistas foram quase que cercados por um grupo de agentes da Polícia Nacional e do Serviço de Inteligência e Segurança do Estado (SINSE)! O grupo era dirigido por um intendente chamado Eusébio, que tentou imediatamente escorraçar os activistas, ao que teve destes uma reacção enérgica em como não seria bom para ninguém fazer uso desnecessário da força. Os activistas dirigiram-se então ao guiché, imperturbáveis e serenos.


Ao retornarem ao guiché, por volta das 10h55, os activistas notaram que todo o programa de visitas fora cancelado por “ordens superiores”. Não estando alarmados, porém, foram ter com o oficial superior de assistência (OSA) que, por mero acaso, estava à porta do guiché. Nuno Álvaro Dala endereçou-lhe a pergunta: “Sr. Oficial, por favor, pode dizer-nos a razão de até agora, sendo já 11h00, ainda não terem começado as visitas?” – à pergunta o OSA respondeu secamente que as mesmas não estavam já a ser feitas por causa de uma visita oficial que começara momentos antes e que, finda a mesma, poderiam os cidadãos fazer as visitas aos seus entes queridos, o que seria para breve. Henrique Luaty Beirão perguntou: “para breve? Quanto tempo nós devemos aguardar?”. O OSA respondeu evasivamente: “daqui a pouco, mas aguardem, aguardem!”. E com isto virou-se e orientou o agente do guiché a que fechasse a porta. Este, notando que o OSA estava a proceder de forma deseducada, hesitou, ao que o OSA o coagiu e os dois fecharam a porta ostensivamente.


Perante tal situação, Henrique Luaty Beirão bateu à porta, na esperança de que viesse alguém para atender. Seguiu-se Nuno Álvaro Dala, que bateu mais de uma vez. Sem resposta. Outro activista, Albano Bingo Bingo bateu também à porta. Foi neste interim que os activistas ficaram cercados por um grupo de agentes armados da Polícia Nacional, da Brigada Auto e da Brigada Moto respectivamente, que imediatamente começaram a assumir posições de ocupação e bloqueio da entrada do guiché, perante o olhar incrédulo dos cerca de 100 (cem) cidadãos que testemunhavam aquele quase estado de sítio. Minutos depois, sob as ordens do intendente Eusébio e do inspector-chefe Pedro de Lemos, os agentes começaram a arrastar o activista Nuno Álvaro Dala, que foi agarrado pelos seus companheiros, os quais perceberam que o objetivo dos agentes era de o colocarem na viatura e o levarem à parte incerta. Enquanto isso, um agente do SINSE tentou furtar o telemóvel da activista Elizabeth André, mas a sua acção foi abortada pelo activista Leandro Freire. Note-se que naquele momento havia no local cerca de 20 (vinte) agentes do SINSE. Seguiram-se empurrões, bofetadas e pontapés. Durante 30 minutos, agentes da Polícia Nacional e do Serviço Penitenciário, estes últimos sob às ordens claras do responsável do destacamento especial (DESP) local (cujo nome não foi possível apurar, pois este não tinha a chapa de identificação).


Os oito activistas foram agredidos barbaramente e insultados por agentes prisionais que pareciam animais. O inspector-chefe Pedro de Lemos chegou ao ponto de ofender a honra das mães dos activistas. Todos, excepto Elizabeth André, ficaram com hematomas em diversas partes do corpo, sendo que os mais agredidos foram Nuno Álvaro Dala (este teve inclusivamente as calças rasgadas), Henrique Luaty Beirão e Albano Bingo Bingo. Todos ainda sentem os efeitos da agressão sofrida e testemunhada por dezenas de cidadãos, e ainda conservam os sinais da violência perpetrada.


Depois de literalmente atirados na viatura policial, os activistas foram levados à esquadra do Comando Municipal da Polícia de Viana, na Vila Sede. Neste estabelecimento policial, como que por magia, o comportamento dos agentes subitamente mudou. Seguiram-se depois vários pedidos de favor de oficiais para que os activistas abandonassem a esquadra (que foi esvaziada à chegada dos mesmos; toda a atividade que estava a ser desenvolvida parou e os muitos cidadãos que lá se encontravam a tratar de assuntos do seu interesse foram rapidamente retirados do seu interior). Os activistas apenas saíram da esquadra depois de terem feito uma sessão de fotografias comprovativas das agressões sofridas às mãos dos agentes policiais e prisionais de terem exigido fazer uma queixa-crime contra os agressores.


Há um vídeo que circula na rede social Facebook, visualizado milhares de vezes pelos internautas, que permite perceber o início do comportamento agressivo dos agentes e identificar o responsável do DESP que comandava os agentes prisionais na sessão de surra gratuita aos activistas.

Excelência,


Os factos acima descritos trazem sobre a sua pessoa o imperativo de tomar as competentes medidas, pois os seus funcionários praticaram um crime público condenável a todos os níveis e títulos.


Infelizmente, ficou demonstrado que a humanização que a sua instituição apregoa as quatro ventos é pura mentira. O Serviço Penitenciário está infestado de agentes ignorantes da lei e violentos. E, como se não bastasse, o activista Dago Nível Intelecto foi agredido no mesmo dia quando, às 17h00 era transferido às pressas para o Estabelecimento Prisional de Kakila.


Os advogados dos activistas estão já a diligenciar esforços para que, no quadro de um processo-crime, a justiça seja feita.


Os acontecimentos de 3 de Setembro estão a ser alvo de tratamento por diversas organizações de direitos humanos, pois as arbitrariedades e barbaridades devem ser denunciadas em ordem a que os seus perpetradores sejam efetivamente respomsabilizados.


A posição dos activistas será consequente. Montes e montanhas serão movidos até que os responsáveis da selvajaria de 3 de Setembro sejam punidos em conformidade com a Lei!

Luanda, 7 de Setembro de 2016

O denunciante
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Nuno Álvaro Dala
Telefone: 947 42 56 56/E-mail: Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.