Luanda - Era uma vez, um jornal britânico que trazia um artigo na sua primeira página. Um artigo que apelava pela libertação de todos os que foram presos por terem simplesmente manifestado, de forma pacífica, as suas crenças. Um artigo que trouxe à luz uma variedade de violações dos direitos humanos a decorrerem por todo o mundo. Um artigo que conta a história de um herói angolano e de seus companheiros de ideais, seus companheiros de luta.

Fonte: Club-k.net

Por mais inacreditável que pareça, nesta história, qualquer semelhança com algum acontecimento recente é mera coincidência: o artigo foi publicado em 1961 e o jornal britânico em questão sequer existe na sua forma original actualmente.

O artigo, intitulado “The Forgotten Prisoners” e de autoria do advogado Peter Benenson, foi publicado a 28 de Maio de 1961 no jornal Londrino “The Observer”. Este, reza a história, teria sido inspirado pela prisão arbitrária de dois estudantes portugueses por conta de um brinde à liberdade em um espaço público.

O texto foi o ponto de partida para uma campanha denominada Apelo A Amnistia 1961: um movimento de pressão pela liberdade de todos aqueles cuja detenção tivera resultado única e exclusivamente da livre expressão de opinião ou crença. Adicionalmente, é também introduzido o livro “Persecution 1961”, que conta em maior detalhe as histórias dos heróis retratados.

“The Forgotten Prisoners” teve um impacto mundial tão forte, que resultou na génese de um movimento internacional de defesa da liberdade de opinião e religião, no mês de Julho do ano da sua publicação. No ano seguinte, este movimento tornar-se-ia numa das maiores organizações de direitos humanos: a Amnistia Internacional, que dentre outros reconhecimentos, arrebatou o prémio Nobel da paz em 1977.

O angolano dentre estes heróis era, nem mais, nem menos, o Dr. António Agostinho Neto. O artigo retratou sucintamente a história da sua detenção arbitrária e do subsequente envio e encarceramento no Tarrafal, em Cabo Verde, resultante da manifestação dos seus ideais, tidos como subversivos e revolucionários pelas autoridades regentes. Como sabemos, Neto tornara-se o Pai da Nação Angolana; o representante do colectivo que libertou o país do jugo colonial português; o Herói Nacional.

Dentre as várias possíveis definições de herói, uma que achei a mais adequada é a que o define como “o ser humano com comportamentos excepcionais, imbuídos de coragem e bravura, que tenham como finalidade solucionar situações críticas e baseados em princípios morais e éticos. Toda a Nação tem os seus heróis. Aliás, podemos caracterizar uma Nação pelos heróis que apresenta. Dando seguimento ao raciocínio, surge a pergunta inevitável: quem são os heróis angolanos?

Há múltiplas maneiras de se responder esta pergunta. No entanto, a que considero mais adequada é a que se baseia nos comportamentos e atitudes quotidianas da sociedade. Quem é que aspiramos ser? Por que motivos?

Muito infelizmente, uma observação não tão detalhada já mostra que o materialismo é o verdadeiro herói da nossa Nação. Queremos ser como as pessoas que vemos nas revistas e televisão, dispostos a adoptar, sem reservas, até mesmo os meios mais hediondos para este fim.

É de realçar que a perfeição de carácter não constitui um requisito, nem para o herói, nem para um acto heróico. A tendência que a nossa sociedade tem de tentar macular a imagem das pessoas, seja com factos reais ou fabricados, apenas nos cega ainda mais dos verdadeiros heróis.

Dentre os vários exemplos, temos a própria demonização da palavra “revolucionário”: a palavra que caracterizou o Herói Nacional durante o seu percurso, que serviu de inspiração para a criação da ONG cujo propósito derradeiro é dar a conhecer estes heróis ao mundo; hoje, na sua versão mais informal, “revú”, tornou-se como que um insulto, uma ofensa, uma acusação da qual ninguém quer ser vítima.

Nas vésperas do dia do Herói Nacional, proponho uma reflexão em volta do heroísmo, uma característica fulcral no processo de criação de Nação. Que usemos a história e imagem de Neto, dos seus actos heroicos, como um farol que indica o cais. Que sejamos inspirados a reconhecer e valorizar os heróis do nosso dia-a-dia e aspirarmos ser como eles, que emulemos os seus actos. Que esta data seja o ponto de partida na criação dos heróis angolanos para que, quem sabe um dia, o dia do Herói Nacional passe a ser o dia dos Heróis Nacionais.

Feliciano Amado