Luanda - Está encoberta em muita opacidade, a aquisição, já autorizada pelo Presidente da República, de quase 4.500 viaturas, ligeiras e pesadas, com custos muito próximos aos 800 milhões de dólares.

Fonte: Graça Campos| in Facebook

De acordo com a agência Lusa, três diferentes despachos do Presidente da República do dia 15 deste mês autorizam o Ministério dos Transportes a assinar contratos para a aquisição de 4472 viaturas para o Estado num investimento que custará aos cofres públicos 783 milhões de dólares.


Dessas quase 4.500 viaturas, 1.500 unidades serão destinadas ao transporte escolar; 1.272 visam “ampliar a oferta de serviços de transportes de passageiros e de mercadorias e apoiar a actividade produtiva”, e as restantes 1.700 viaturas destinam-se a “concluir o plano de reposição e distribuição dos meios que foram destruídos pela acção da guerra e que se encontravam ao serviço do Estado”.


De com o despacho citado pela Lusa, esse lote de viaturas vai, ainda, servir para apoiar a actividade agrícola, piscatória, pecuária, desenvolvimento rural, actividade produtiva e o comércio local, ao nível dos municípios e comunas do país.


A aquisição dessas viaturas será feita por duas empresas estrangeiras, sendo que à brasileira Asperbras coube o contrato para o fornecimento de 1.500 autocarros escolares, ao preço unitário de 255 mil dólares. No total, essa empresa, que é concessionária de veículos MAN e Volkswagen em Angola, embolsará qualquer coisa como USD 383,5 milhões.


Os outros dois contratos, no valor de USD 399,8 milhões, contemplaram a empresa norte-americana Amer-con Corporation, para o fornecimento de 2.972 viaturas.


Não há, em nenhum dos despachos do Presidente da República, a mais leve alusão à qualquer concurso, público ou limitado, o que sugere que a escolha da Asperbras e da Amer-con Corporation pode ter obedecido exclusivamente a conveniências particulares. Grandes concessionárias angolanas, como a Toyota e a Hyundai, que garantem milhares de postos de trabalho e estão solidamente implantadas em território nacional, ao que parece não foram tidas nem achadas.

No rasto do perfil das duas empresas contempladas com o quase bilionário contrato, o jornal electrónico Rede Angola descobriu que a representação da brasileira Asperbras no Congo Brazzaville foi dirigida até há pouco tempo pelo cidadão luso José Veiga, que depois foi detido no seu país por suspeitas de corrupção no comércio internacional, fraude fiscal, branqueamento de capitais e tráfico de influência.


O perfil da Amer-con Corporation é ainda mais perturbador. De acordo com o Rede Angola, trata-se de uma empresa de construção e comércio com sede na Flórida, Estados Unidos. Ela não fabrica e nem representa nenhuma marca de viatura. É apenas uma intermediária. Não obstante, conseguiu um negócio de quase USD 400 milhões com o governo de Angola.


No site da Amer-con Corporation, que diz trabalhar em vários países de África e da América Latina, embora especifique apenas Angola, o Rede Angola descobriu uma estranha coincidência: "todos os que nela trabalham parecem chamar-se Rapaport – desde o presidente Carlos Rapaport, passando pelos quatro vice-presidentes".
Os três despachos do Presidente da República também não fazem nenhuma alusão à assistência técnica às viaturas que serão adquiridas.


Deste modo, no diz que respeito, por exemplo, às viaturas destinadas ao transporte escolar, fica por saber se a sua assistência ficará por conta das escolas que vierem a ser beneficiadas ou se os importadores terão alguma palavra a dizer.


O que desde logo parece líquido é que as viaturas a fornecer pela Amer-con Corporation não terão assistência garantida em Angola, uma vez que a empresa norte-americana não representa nenhuma marca.
Em 2012, a mesma empresa intermediou a venda a Angola de centenas de autocarros escolares de marca Bluebird.


Comparados pela então Casa Militar do Presidente da República, esses autocarros, muitos dos quais atribuídos a empresas provinciais de transporte de passageiros, tiveram vida efémera, por falta de acessórios e de assistência técnica local.


Sem assistência técnica garantida, o gigantesco esforço financeiro que o governo fará para a aquisição das viaturas rapidamente se traduzirá em mais um logro. Igual a tantos outros. Nomeadamente àquele que, nos primeiros anos deste país, consistiu na compra de luxuosos turismos Mercedes para serviço de táxi público. Menos de um ano depois, a milionária frota estava convertida em sucata por falta de assistência. Mais recentemente, viaturas adquiridas pelo Estado para servir deputados e outros dignitários, nomeadamente Citroens, Audis e outras marcas, foram parar precocemente à sucata pelas mesmas razões.


Nos últimos tempos, o Presidente José Eduardo dos Santos tem feito insistentes apelos à transparência e à boa gestão.


Mas a opacidade que envolve a milionária aquisição significa que, embora pregue o contrário, o próprio Presidente da República continua amarrado a práticas do passado. O modo como conduziu a operação traduz o anacrónico "quero, posso e mando". Em muitos aspectos, o Presidente da República continua a confundir o país com uma propriedade pessoal.


O contrato com a construtora norte-americana Amer-con Corporation para intermediar a compra de carros, algo que pode ser feito por qualquer concessionária angolana, a preços certamente mais baixos, significa que, em muitos casos, interesses particulares continuam a sobrepor-se aos interesses nacionais.


A milionária operação, digna de registo em qualquer parte do mundo, em Angola não vai além de mais uma negociata, com fins eleitoralistas, destinada a engordar os bolsos dos mesmos sanguessugas que se dedicam há muitos anos a saquear os cofres públicos.