Luanda   - A paz no nosso País não pode ser considerada já como um processo consolidado, requer cuidados de toda Siociedade no âmbito da preocupação colectiva sobre o Repensar Angola. A constatação é do Reverendo Daniel Ntoni-a-Nzinga em Página Aberta. Ele faz abordagens mais detalhadas sobre outros processos de paz noutras parte de África, mormente de Moçambique.

*Victor Aleixo
Fonte: Revista Figura e Negocios 

PHD, Pastor da Igreja Evangélica Baptista de Angola, o Reverendo Ntoni a Nzinga foi, durante muito tempo, o rosto visível do COIEPA e nessa qualidade se destacou como uma figura bastante solicitada a emitir opiniões sobre o processo de paz em Angola. Mas sobre a paz em África, Ntoni a Nzinga tem outras experiências, desde a África do Sul, Congo Democrático, Uganda, entre outros, que fazem dele uma pessoa abalizada para falar do processo de pacificação dos povos, sobretudo no nosso continente

Figuras& Negocios- Os moçambicanos estão novamente em conversações para a paz, novamente com a mediação internacional. O caminho é correcto?
Reverendo Daniel Ntoni-a-Nzinga (DNN) - O processo de Moçambique, o primeiro, foi uma lição para a África ter em conta. Eu o acompanhei nos anos 90, foi um processo interessante porque de iniciativa própria dos moçambicanos. O que acontece neste momento é o resultado, como sempre acontece em qualquer situação de conflito difícil, de certas questões que não foram feitas de maneira própria aquando da resolução do conflito como tal. E como africano não hesitarei de dizer que esse é um dos problemas que a maioria dos países africanos têm tido. Sempre pensamos que quando chegamos a um acordo de cessar fogo, que pára com a guerra, sempre pensamos que conseguimos a paz; não olhamos muito para outros aspectos do próprio conflito político, da questão da identidade nacional. Não sei se nota que a Renamo tenta acantonar-se em áreas específicas para justificar o que está a fazer e que se refere à própria identidade nacional.


Acho que o trabalho de se aceitar o problema real foi bem feito e fez-se um grande esforço nas negociações de Roma, mas essa parte da integração da nação, para se criar realmente uma nação, foi um pouco negligenciada no processo, seja antes e muito mais depois. E com o andar do tempo as populações vão se sentindo um pouco marginalizadas, algumas, não todas, certas áreas isolam-se e é isso que se está a manifestar agora, com áreas específicas onde existe descontentamento expresso.


Vou dar-lhes um exemplo do bom trabalho que foi feito na altura, com o apoio das igrejas. Foi o trabalho de educação para a paz, ou seja, preparar as vítimas directas-chamo vítimas directas aqueles que foram obrigados a abandonar, por razões diversas, as suas aldeias. Tenho um caso que nunca vou esquecer em toda minha vida: durante a preparação do que se estava a negociar o fim do conflito, líderes das igrejas foram à área da Matalla, no Zimbabwe, sentar com os refugiados moçambicanos e dar essa educação para a paz. Achei muito interessante porque as pessoas dividiram-se, uns a acompanhar as negociações em Roma, outros a discutir com a liderança política e outros a trabalhar com as populações para preparar o regresso. E aí houve um caso que me marcou: um jovem de 13 anos que se levantou durante a assembleia, e perguntou: "vocês estão a dizer que tenho de voltar à minha aldeia e ver o fulano que matou o meu pai?" Isso tocou-nos a todos.

F&N - Esse é o problema das guerras fratricidas, aquí em África.
DNN - Exactamente! Mas Moçambique com aquela acção deu-nos, a nós como africanos, exemplos de preparação das populações para a paz que nós em Angola não fomos capazes de fazer, como recolher as armas e ajudar na transformação das mentes, mas creio que o trabalho não foi muito expansivo para abranger a todos. Um processo inclusivo, no sentido mesmo de tratar os assuntos a nível político, não foi bem feito e o que se vive agora são as consequências dessa falha.

 

F&N - E como enquadrar agora a reclamação da sociedade civil que quer ser parte activa no processo apenas confinado ao governo e à Renamo, numa altura que em Moçambique já se defende soluções drásticas contra os fazedores da guerra?
DNN - Eu não partilho da opinião de que é preciso, desde logo eliminar fisicamente uma das partes do conflito. O aspecto que está a ser colocado é muito fundamental em qualquer processo de paz. Aqui em Angola nós tivemos um momento, quando as conversações de Lusaka começaram, em que sugerimos que também deveriam ir às conversações aqueles que não eram militarmente envolvidos no conflito mas que têm uma opinião. E qual foi a resposta que recebemos? Faz a paz quem fez a guerra! Essa é a abordagem não muito boa, e no caso de Moçambique é esse aspecto quando digo de elementos que não foram tratados. As vítimas do conflito armado não significa que não tenham opinião sobre o que deve ser a situação no futuro. E em Moçambique trabalhei com todas as partes envolvidas no conflito, inclusive a liderança da Renamo e entendo bem as posições que cada lado assumiu. Espero que em África continuemos a tirar ilações desses factos vividos e que fique bem claro que paz como paz não é possível sem uma verdadeira Paz quando apenas aqueles que tiveram armas ou com armas na mão estão a negociar, entender-se porque em ambas as partes há sempre abusos. Há vítimas da violência, vítimas do conflito militar, e, por outro lado, não pode haver conflito militar sem conflito político. Então, resolver a questão do conflito militar sem tratar as questões políticas que estão na origem e as consequências, torna-se um problema. As pessoas ficam caladas, não dizem nada mas não estão em paz porque as memórias vão continuar a vir de um momento para o outro. Por isso, o não envolver aqueles que eram, de uma maneira ou de outra, vítimas, alguns directa ou indirecta, do conflito, não envolvê-los no debate de como fazer com que o conflito não volte, eliminar a recorrência à violência ou para se impor sobre os outros, isto só acontece quando os actores directos, passivos e activos se encontrem. E no caso de Moçambique, esse é um dos factores.


O outro aspecto que quero colocar é, mesmo a questão do incumprimento por parte dos actores, de certos acordos a que chegaram. Hoje ver a Renamo a tomar posições que toma é certamente porque houve frustrações da parte deles quanto ao cumprimento cabal do que foi acordado. Também sabemos que para além da Renamo, os actores das próprias estruturas que já existiam nem sempre têm confiança e deixam a Renamo atacar quando quer atacar!

 

F&N - Isso não é consequência de todos quererem ser poder atendendo à má distribuição das riquezas nacionais?
DNN - Concerteza! Mas o problema maior é que nós sabemos como a Renamo surgiu mas sabemos exactamente que há gente que durante a luta de libertação não estava directamente envolvida na luta armada mas isso não significa que não pensava ser independente. E, então, no final do conflito era necessário que eles pudessem sentar para chegar a um acordo comum, e eu duvido que isso tenha acontecido. Aliás, quando mencionou a questão do convite da comunidade Internacional para mediar as conversações, esse é, também, o problema, de sempre se recorrer aos "internacionalistas" e muitas vezes sem criar a confiança necessária entre nós nacionais, localmente, e isso faz com que as resoluções sejam precipitadas. Aconteceu no caso de Angola várias vezes. Vi em Lusaka onde certas decisões tinham de ser tomadas porque os que financiavam as negociações precipitavam as decisões. Essa não é a maneira de negociar verdadeiramente um processo de Paz, no meu entender. Moçambique passou também por essas lacunas.


F&N - Mas a África consegue fugir desse colete de força das decisões Impostas pelo Ocidente e os EUA?
DNN - Conseguir, pode-se mas com certa prudência. Não aceitar completamente mas com certa prudência. No caso do Acordo de Luena, para o caso de Angola, o que achei interessante, entre outras considerações, foi o de os angolanos sentarem e dizerem "vamos fazer alguma coisa". Sabe o que sucedeu? muita pressão, o Ocidente a tentar frustrar o dialogo directo entre os angolanos, mas vingou-se. Essa determinação é boa e tem de ser respeitada. Os termos do memorando do Luena não foram ditados pelo Ocidente nem pelo Oriente que ainda estava a tentar sobreviver. Houve uma certa força Interna que actuou.


Não vou tomar como exemplo a África do Sul, nesse caso da resolução de conflitos porque não chegaram a esse tipo de conflito militar que nós tivemos, não se pode fazer essa comparação, porque o conflito militar na África do Sul aquando da luta, contra o apartheid, não chegou ao nivel, por exemplo, de Moçambique entre o governo e a Renamo, mas o facto de se ter reconhecido e fundamentalmente de se chegar ao consenso de "que temos de trabalhar para uma situação nova e ela tem de ser de nossa responsabilidade", foi muito bom e acho que é assim que deve ser em todos os momentos, como africanos, tratarmos dos nossos assuntos.


F&N - A resolução do conflito de Angola é referencial para inspirar outros conflitos que ainda perduram em África?
DNN - Essa questão do Luena foi um facto importante para os povos de África tomarem boa nota mas há muitas lições de como os angolanos conseguiram a Paz. Onde fizemos bem, devemos tomar a sério, onde falhamos, também as falhas devem servir de lições.


F&N-Houve muitas falhas?
DNN - Houve sim!


F&N - Como, por exemplo?
DNN - Como já falei, em Bicesse foi importante os que estavam militarmente em conflito-que eu os chamo os actores activos do conflito militar, que fizeram tudo, claro com a pressão dos EUA e da Rússia. Conseguiu-se alguma coisa mas um dos erros para mim, e no caso de Bicesse, por exemplo, é a pressão ter sido tão forte precisamente daqueles que nos apoiaram quando estavamos em conflito militar, os EUA e a Rússia. A pressão deles determinou o resultado que depois colocou-nos numa situação mais difícil. Quer dizer, não se deve apenas olhar na questão da realização de eleições, e ambas as partes estavam debaixo dessa pressão. Portugal entrou, são os três actores mas também são eles que estiveram atras do conflito militar e colocou-nos numa situação complicada e que depois vivemos. Essa foi uma situação negativa que no futuro, numa situação de conflito, não importa onde, gostaria de recomendar que se evite.


Fico contente em saber que o conceito de Paz, por parte da comunidade Internacional, tem estado a ser revisado porque como actuavam, não era o melhor para se ter em conta, porque se preocupam apenas com a questão da assinatura do cessar-fogo.

Já falamos do caso de Moçambique, o nosso é a mesma coisa. Essa tese de que só faz a Paz quem fez a guerra é incorrecta. Aqueles envolvidos no conflito armado de forma directa têm o papel de ajudar no fim do conflito mas aqueles que não estão envolvidos no conflito armado é importante que no momento em que se vai negociar como vamos viver sem conflito armado sejam envolvidos, porque eles de uma maneira ou de outra têm algo a dizer sobre o futuro comum. Nós em África temos muitos casos assim. Essa maneira de se resolver o conflito não é positiva, prolonga-se. E volto a dizer que no caso de Angola, em 1999, quando publicamos o manifesto de Paz, diziamos que era importante fazer-se a diferença entre conflito militar e conflito nacional. O conflito militar está entre as duas forças armadas enquanto que o conflito nacional é maior porque é a causa real do conflito militar. Quer dizer, quando falamos no conflito militar que terminamos, descuramos o conflito nacional que não foi tratado.


F&N - Está a querer dizer que não temos ainda a Paz definitiva em Angola?
DNN - O calar das armas não é Paz, e nunca será. Um dos principais princípios não é o fim do conflito armado mas é, mesmo, sentar e estabelecer princípios consensuais de convivência.


F&N - Pessoa experimentada em negociações para a Paz, qual é a receita para que os angolanos conquistem a verdadeira Paz

DNN - Eu continuo a acreditar que precisamos de ter coragem para repensarmos Angola. Quando falo de repensarmos Angola estou a dizer que é importante que, na visão básica da Angola que queremos ter, todos participem e possam colocar o seu pensamento. Por isso, em 2004, quando o COIEPA apresentou a sua posição, e até apresentamos ao Presidente da República sublinhavamos que seria bom que a Constituição,-na altura falava-se da aprovação de uma Constituição para Angola,-que ela seja o resultado de um debate real que nunca tivemos até aqui. Em 1975 o MPLA conseguiu "tomar" o poder e colocou aquilo que pensava que a gente deveria seguir, e tentou-se sabendo-se quais foram os resultados, mas o facto de muitos não terem participado, não conseguimos envolver todos. Chamamos a Paz como resultado de uma vitória de uns contra os outros, mas cedo ou tarde a situação é capaz de virar, e já vimos isso em vários pontos de África. Se realmente queremos uma Paz real precisamos que todos se sintam inseridos e as contradições em termos de pensamento, as diferenças, sejam colocadas na mesa para um verdadeiro debate. Nós somos africanos, somos reconhecidos como povos de diálogo, os nossos antepassados ficavam na aldeia a discutirem até chegarem a um acordo sobre o que deveriam fazer, e nós podemos chegar a esse ponto. 

F&N - E não tem sido feito trabalho nesse sentido?
DNN - Muito pouco!


F&N - O senhor transmite essa preocupação aos políticos e como a sua mensagem tem sido recebida?
DNN - O problema é que a política angolana continua um pouco mais sectarista porque, por exemplo, se não for por via de um partido político, a sua contribuição não é tida como uma opinião válida. O que chamamos de Sociedade civil deixou de ser uma Sociedade civil com autonomia para se exprimir. Eu, por exemplo, fiquei muito surpreso por, de um momento para o outro, começar a ser solicitado a falar para a imprensa. Há quatro anos praticamente passei a ser ignorado!


F&N - Porquê esse seu desaparecimento na media?
DNN - Eu não sei, não desapareci voluntariamente. Depois de oito anos à frente do COIEPA, decidi que tinha chegado o meu limite e saí, fui para a minha casa e estou a dar aulas na universidade da minha Igreja preparando pessoas para o futuro. Portanto, não fugi, simplesmente vi que as pessoas achavam que estamos numa nova fase, a visão é diferente e por isso fiquei no meu canto.

 

F&N - Mas qual é a visão das igrejas, no seu conjunto, sobre a situação actual de Angola?

DNN - A visão geral é que a maioria das igrejas pensa que estamos em Paz mas eu tenho dito até hoje que ainda não chegamos na verdadeira Paz. Tranquilidade no país temos mas Paz como tal não, porque não fizemos ainda o que devemos e precisamos de fazer, que é de acordar como angolanos, como povo. É muito fácil dizer que somos um Povo. Queremos ser um Povo mas continuamos a ser vários povos e nunca houve um verdadeiro entendimento.

Em 2008 recebi uma carta da FLEC a pedir a minha intermediação no diálogo com o governo, isso já depois da assinatura do entendimento do Namibe. Eu não fui ao Namibe embora estivesse prevista a presença do COIEPA para a assinatura dos acordos como testemunha e observador na aplicação das medidas acordadas. Eu coloquei perguntas aos membros do governo: o acordo é assinado entre o governo angolano e o Forum Cabindês para o Diálogo. Quem é esse Forum? O acordo é assinado em 2 de Agosto, baniu-se antes a Associação Mpalabanda. Então, perguntei ao governo: como vão assinar um acordo com o Fórum Cabindês para o Diálogo se a FLEC retirou-se e a Mpalapanda, que fez tudo para a reconciliação da família Cabindense, foi banida? Como vamos ser observadores de um acordo assinado se em nenhum momento ambas as partes falaram connosco sobre os problemas discutidos, não acompanhamos, não conhecemos o conteúdo do acordo, recebi o texto 24 horas antes da sua assinatura?


Esses elementos todos para mim indicam claramente que o interesse que temos para a Paz parece real mas as acções e as formas como queremos alcançar a Paz não são reais. Já disse e repito que Cabinda é um dos assuntos da agenda da Paz não concluída, quer queiramos quer não.


Quando falo em repensarmos Angola, esse é um dos pontos que temos de ter em conta, porque a Angola que temos foi criada pelo colonialismo, não foi criada por nós e não existe nenhum acordo ou entendimento comum da Angola que queremos ter depois do colonialismo.

 

F&N - Então foi por essas suas posições que o COIEPA praticamente desapareceu?
DNN - Pode ser, sim senhor!
Deixei o COIEPA em 31 de Dezembro de 2008, anunciei a minha saida no dia 16 de Setembro de 2008 porque o meu mandato era de dois anos.

F&N - Falou de uma forma sectarista de pensar política. Isso é consequência de falta de liderança política para proporcionar diálogos abrangentes?
DNN - Eu não dizia falta de liderança mas sim de visão comum. As lideranças não são tão más, na minha maneira de ver, simplesmente as circunstâncias em que se trabalha, o contexto, nem sempre os permite ver o outro lado do problema. Por outro lado, o demorar no conflito-e não estou a falar apenas no conflito militar-também criou limitações neles porque a sobrevivência partidária tornou-se mais importante que a sobrevivência da nação. Procura-se garantir que a nossa formação política mantenha-se na posição que deve estar do que colocá-la ao serviço da nação que queremos que seja. São para mim as limitações que temos de ultrapassar, e até aqui pouco se fez nessa direcção. É a situação grave que temos!


F&N - Não é isso consequência da mercantilização da política?
DNN - Aí está o problema, e a questão de repensarmos Angola é exactamente nesse sentido, porque estou a dizer que as formações políticas devem ser espaços onde a cidadania activa se engage de forma organizada na acção política do País. O facto de você estar nesse partido político ou naquele, o objectivo maior deve ser a Nação, o País.São quartos da mesma Casa, não há quartos mais importantes que a casa porque se essa casa cair você não vai viver e não vai ter mais interesse. E essa é a lógica que até aqui o País está a seguir, e temos que mudar se quisermos que ele sobreviva.

 

F&N - Com o processo de eleições regulares não se elimina os quartos estanques e fica evidente o pensamento de um só País?
DNN - Não! Tem de se fazer algo mais, e isso depende dos líderes actuais, desde que estejam realmente interessados. Em primeiro lugar, será que aceitam como uma das vias que deve permitir a construção de uma Paz real?

F&N - Acredita que sim?
DNN - Eu estou a perguntar se eles, os líderes, estão nesse caminho e o que digo é que podemos ainda fazer alguma coisa. As eleições de 2017 devem permitir que haja um escrutínio da situação que estamos a passar, da experiência que adquirimos. Se não for assim, significa que estaremos de novo estagnados no futuro e os próximos cinco anos poderão ser melhores ou, então, muito maus. Porque até aqui as lideranças que temos, de qualquer partido político, não consideram prioritário a prestação de contas à nação que eles dizem estar a servir, porque nação para eles são os seus partidos. Por isso é que ouço com regularidade que temos de tirar fulano ou sicrano e a situação vai mudar. Eu duvido!


F&N - Acredito que já deverá ter estado com o Presidente da República algumas vezes. Disse-o isso?
DNN - Não, nunca tivemos esse tipo de debates. Só estive com ele em 2004 quando falamos das eleições, da Constituição; e às minhas perguntas, ele respondeu-me com alguns exemplos de outros países africanos, como de Moçambique. Foi nessa altura que eu o disse: "senhor Presidente, é bom que a primeira Constituição que vamos ter no País seja a expressão que os angolanos de todas as tendências querem, que cada um se possa identificar com ela?? E essa continua a ser a minha posição.


F&N - O Presidente da República decidiu abandonar a política activa em 2018. Uns defendem que ainda é cedo porque não se preparou convenientemente a sua saída.Acha que a sua saída, agora, pode causar transtornos à pacificação de Angola?
DNN - O grande problema ou receio que tenho é de ele passar a ser instrumento daqueles que gostariam de ver a desestabilização de Angola. Como africano, na cultura Congo onde nasci, diz-se o seguinte: "Quando você faz filhos, faça tudo para que eles sejam maduros e poderem gerir os seus assuntos, e diz também que enquanto estiveres em vida, eles devem demonstrar capacidades que têm de fazer. Por isso, quando ouvi a sua intervenção a anunciar que se retiraria em 2018 da política activa, perguntei para os meus botões: então, se o congresso, que deveria ter lugar em 2015 acordou-se para realizar em 2016 para que se adeque o processo eleitoral do País com o processo eleitoral do Partido, porquê que ele diz que só vai sair em 2018? O que tem na mente? A filosofia Congo me diz que na boca do Chefe não podem sair duas palavras contraditórias ao mesmo tempo. De manhã o Presidente da República e do Partido no poder anuncia a sua saída e, no final do dia, no final da reunião do seu Partido, ele é apresentado como candidato! Aqui há uma situação que não vai ser boa se não for bem gerida, e espero que até 2018 seja gerida da melhor maneira possível.


Não acho que os que estão a aconselhar o Presidente Eduardo dos Santos estejam realmente a dar um conselho e cuidar dele como pessoa.Ser Chefe de Estado em qualquer Pais do Mundo é difícil, sobretudo em África e num País em guerra. Pensar que tem de se esgotar tudo não é uma boa ideia, não é a melhor solução para uma nação.


No caso de Angola, estamos a criar um futuro que não é muito louvável nem seguro. Ainda falar de Paz é pior porque não é o Presidente que garante a Paz. A Paz tem de ser obra de cada angolano, tem princípios fundamentais. Se eu fazer algo contra você não vou estar em Paz nem consigo nem na minha própria vida. É isso que temos vivido na Sociedade. Gostaria que em Angola se passasse um momento onde possamos transmitir de geração para geração não só a experiência, os resultados do que conseguimos mas as próprias experiências que adquirimos. Por isso não gostaria, um dia, de ver o Presidente José Eduardo dos Santos ser empurrado de um lado para o outro simplesmente porque tentou satisfazer as ambições de alguns de nós.

F&N - Aceitaria um cargo de conselheiro do Presidente da República?
DNN - Se o convite for de decisão dele, eu não tenho problemas em aceitar. Para mim, quando falo de nação, são os povos de Angola. O que me interessa é ver Angola com um futuro melhor e podermos criar estabilidade nesse País se trabalharmos seriamente. E nessa linha, eu estou pronto.