Luanda - Andava eu nas calmas, a tratar as muitas malambas desta vida de pobre que N’Zambi-Ya-Diulu m’abonou, mas desconsegui m’bora! Era telefonema praquí, recadinho p’racolá: “Pruquê vucê num zuêla mazé as dicas dos povo no jornal do teu kamba Graça, hein? Aquilo tá bom, só que só fala cuêsas muito seriosas, tipo política...”  até as damas reclamavam. Depois eu vi também; os pôvo têm mêmo que ter voz, ora pôssas! O kôta Graça nûm’aborreça, vou falá mêmo as malambas do musseque que ajuda a ‘squecê m’bora os prubulêma. E tem mais: conheço uns manga que estão a estudá jornalismo na universidade que afinal também têm que sabê como se soneka as dicas “à la povo”. Dizem é sociologia da comunicação. Outros si alembram o refilanço no Baixador, a mukanda de abûsu no Kôta Victor, se matam m’bora de rir e querem mais... aqui vai mais uma, intão.

 

DANÇAR  COM “A OUTRA”


 
Era festa do casório do meu sobrinho, no puro Huambo. Eu já, kizombêro viciado, nesse dia comportamento era capim. Nem a bitolar (vucês sabem, no latim do Mestre Tamoda, bitola é “afrodisiakus kizombensis”, quer dizer ajuda-kizomba, quem falô é o vô Uanhenga Xitu, ele sabe lá dos tempos dele...). Estava m’bora só a apreciar, encostado à parede junto da minha tia Rosália que desde que virou deputada, seriedade sai da frente...!
 
Uma m’bôa, latona com os cuêsu nos lugar, lá na roda kumessô m’bora a matakar. Isso mesmo. Sangue de Cristo! Era assim: a roda rodava, rodava, mas a m’bôa dava sempre um jeito de o mataku estar apontado para a direcção do meu nariz. E como o meu nariz está em baixo dos olhos e em cima da boca (o dusôtru eu num sei, falo só por mim) ia intão fazê o quê? Era aguentar o ataque de boca aberta. Duplo monakaxitu apontado pró meu eu, jinganço maluco, rebolanço estonteante, Sukwama! era um convitanço a espreitar debaixo da seda do vestido justo. Falei na minha tia (nalgumas coisas é melhor o apoio da família, mais a mais se é deputada) “tia, socorro, estão a matakar!”. A minha tia olhou pra mim sem entender, até que expliquei que não era bem ataque, era o jinganço do mataku – e estendia o dedo trêmulo na direcção do dito cujo – cujo verbo eu estava a conjugar no infinitivo e na segunda pessoa do singular: “matakar, ela mataka”! Kumé intão ela até era sô p’sora das boas antes de (para)lamentar, como num intende?
 
A minha tia espalhou-se: primeiro abriu osôlhos espantada, e depois desfez-se a rir. Logo-logo começou a contar a cena nas minhas irmãs, tias e primas que se sentavam junto dela. Num sem tempo, todos os olhos das kitia dividiam-se entre o estrebuço frenético matakal e os meus esforços – cada vez mais inglórios, diga-se de passagem – para evitar responder ao ataque, desta vez literalmente falando.
 
Só que neste bacanal esquecemos um actor importante – “actora” no caso – Sua Excelência M’Bôa Lá do Kubiku da sua graça, que não estava a achar nenhuma graça à brincadeira. Ainda por cima com as cunhadas e tias metida na dita. Vai dali, na calma que nunca lhe larga mandou a ordem de comando mais temida no meio de uma festa cuiosa: “vamos já embora, vou só despedir as tias que estão lá dentro”.
 
Bolas, estou paiado, pensei. E é nessa altura que o M. Damâsio lembra-se de dar das suas. Suave primeiro, subindo em crescendo até encher a alma e o coração – os meus já completamente rendidos à matakagem toda – veio a melodia da hora: “Eu Sou a Outra...!”
 
Antes que a minha tia estendesse a mão e travasse a tragédia anunciada, eu já tinha dado os três passos em frente e assumido a posição “kizomba 1” (peito tipo pavão-enpáfia, perna esquerda em frente e mão estendida palma para cima) e a m’bôa tinha jingado competentemente para os braços deste cujo. Nos acordes dengosos do intróito do Matias (aquele que propicia o farfalho do cuêsu com a cuêsa – o Roberto Carlos diz côncavo e convexo) ainda deu pra ver que ela tinha olhos da côr do mel, dóceis como o nunce que perdoa a zagaiada do caçador...
 
Na batida que é a pura, a m’bôa no jinganço a mostrar que kizomba feia é com ela. A matakar agora directamente, carne com carne saía faísca! Inspirados, fomos às nuvens e dançámos a kizomba toda: entra dêládo, dá o duplo passo. Rebola o puro enquanto eu sinto, e faz o giro enquanto eu olho. Eu parado mão na barriga, ela a sacudir o mambo todo, ai os calafrios! As tias não sabiam se aplaudiam o festival ou acalmavam Susselência entretanto regressada e altamente chateada. Ainda por cima – só prá dar mais raiva, acho – a m’bôa em êxtase segurava a minha nuca e a mão mexia rodas que mais as rotações dos cuêso lá em baixo me punha lá no céu. E as outras moças, de vingança nas kitias que ciumam os tesouros kizombais iguais a quem vos escreve, a berrar em plenos pulmões: “Assumué! Assumué! Eu Sou a Outra!”
 
Acabou a música e caímos na real. Ela, recebia as felicitações da outras moças. Eu, mal entrei no carro onde entretanto a “Própria” se refugiara, fui a tempo de ouvir o fogacho p’ró Tchandja: “Logo com aquela vaca oferecida...!” Fiquei a pensar com os meus botões como é que era possível confundir quele nunce de formas e passo tão perfeitos com uma rústica vaca. Mas vucês sabem kumé; quando a m’bôa-dona cospe fogo, vucê cala só já mesmo se ela precisa óculos para ver bem as cuêsas...
 
Tipo se banderei. Mas se há coisas que valem a pena, uma delas é sofrer alguns tipos de... “ataques” no verbo próprio.Quer dizer, algumas vezes dá para comandar: Mataka!!!
 
Gostaram? Até daqui a quinze dias, com a(o) Graça de Deus. Diá N’Zambi, queria dizer...

Fonte: Semanario Angolense