Luanda  - CONFERÊNCIA DO PRESIDENTE DA UNITA BALANÇO DO PROCESSO DE REGISTO ELEITORAL


26 de Outubro de 2016

Povo angolano
Compatriotas:

 O país completou ontem 60 dias desde o início do processo de registo presencial dos cidadãos maiores, facto que se constitui numa oportunidade para fazermos um balanço do processo e uma avaliação do desempenho dos órgãos envolvidos na organização, execução, fiscalização e supervisão do registo presencial.


O balanço é altamente negativo. Não nos vamos referir novamente à questão central da legitimidade constitucional do Titular do poder executivo atribuir a si próprio competências eleitorais. Nem ao facto de o legislador ordinário ter esvaziado as competências da CNE e transformado os dirigentes do MPLA que irão disputar eleição em agentes eleitorais. O nosso balanço vai incidir sobre questões práticas relativas ao cumprimento da lei – tal como ela se apresenta - pela entidade registadora e pela entidade supervisora do processo.


Já que o Senhor Presidente da República atribuiu a si próprio, através das estruturas administrativas que dirige, a competência de organizar e executar o registo eleitoral, os angolanos esperam no mínimo que a lei seja cumprida e que os princípios da universalidade, da transparência e da imparcialidade, que devem orientar o registo eleitoral, sejam estritamente observados.


Não é isto que está a acontecer. Partimos para este processo, naturalmente, com algumas suspeitas, mas decidimos dar ao Governo o benefício da dúvida. Porém, ao longo das semanas, fomos constatando, com desagrado e certa surpresa, que aquilo que nos parecia ser simples demonstrações de fraca experiência, deficiente organização ou excesso de zelo da parte dos brigadistas, não são mais do que evidências irrefutáveis de ilícitos graves e dolosos, praticados por agentes mandatários do partido MPLA, a mando da sua Direcção.


A prevalência e gravidade dos ilícitos que testemunhamos é tal que podemos afirmar que o país está perante uma acção coordenada e dirigida superiormente para implementar uma estratégia política urdida para subverter o Estado de direito e a soberania popular.


Os actos que irei descrever constituem exemplos de crimes eleitorais, concebidos, ordenados ou praticados com dolo por titulares de cargos públicos e dirigentes políticos, designadamente o Titular do Poder Executivo, o Ministro da Administração do Território e dirigentes locais do Estado e do Partido MPLA. Os crimes, todos eles documentados, estão previstos e são puníveis nos termos do artigo 39.º da Lei do Registo Eleitoral Oficioso (Lei n,º 8/15, de 15 de Junho).Trata-se dos crimes de obstrução à actualização do registo dos cidadãos, previsto na alínea c), violação dos deveres relativos ao registo, previsto na alínea i), recolha coerciva de cartões de eleitor, previsto na alínea h) e o crime acesso ilegítimo, previsto na alínea l). Vamos começar com este último, acesso ilegítimo.


Acesso ilegítimo, nos termos a lei do registo eleitoral, significa ceder ou tornar acessíveis de qualquer forma a quem não está legalmente autorizado para tanto, a informação e as redes que constituem ou alimentam a Base de Dados dos Cidadãos Maiores (BDCM), com intenção de alcançar, para si ou para outrem, um benefício ou vantagem ilegítimos.


Há relatos destes crimes um pouco por todo o país. Estruturas do MPLA estão a ter acesso indevido às redes que alimentam a base de dados dos cidadãos maiores. As autoridades tradicionais, manipuladas pelo MPLA e por administradores municipais, estão a ter acesso ilegítimo às redes que constituem a BDCM. Alguém lhes está a dar tal acesso com intenção de alcançar um benefício ou vantagem ilegítimos.

Compatriotas:


Estes são apenas alguns exemplos. Os órgãos locais do nosso Partido, as Igrejas, as organizações da sociedade civil que lidam com o povo e as próprias autoridades sabem que há uma acção coordenada e dirigida superiormente pelo Titular do Poder Executivo para implementar a sua estratégia política urdida para subverter o Estado de direito e a soberania popular. O Senhor Presidente da República não pode colocar-se na posição de árbitro ou garante da lisura do processo, porque não é. É parte do problema. Sendo ele próprio o dirigente máximo da entidade registadora, ele é também o responsável máximo pelas infracções à Lei de que o país é vítima.


Exigimos que estas práticas ilícitas praticadas pelas estruturas do MPLA parem imediatamente. Se não pararem, seremos forçados a dirigir a povo a tomar medidas adequadas para parar com elas. Se o Presidente da República persistir em afrontar a soberania popular e não for capaz de garantir a integridade do processo, sua lisura e transparência, então estas terão de ser garantidas pelo próprio soberano, o povo angolano.

Compatriotas

Alguns cidadãos acham que os fiscais dos partidos políticos poderiam evitar estas infracções se exercessem uma fiscalização mais activa.

Estão enganados!


A fiscalização dos paridos políticos, tal como está concebida, é mais uma observação formal e está limitada aos actos de recolha de dados. Não impede os actos de recolha coerciva de cartões de eleitor, nem a obstrução do direito de registo, nem outros ilícitos do registo eleitoral, praticados fora dos locais de registo e previstos no artigo 39.º da Lei n.º 8/15.


De igual modo, a fiscalização não abrange o tratamento da informação recolhida pelo Executivo nem incide sobre os programas informáticos que o Executivo utiliza na produção das bases de dados. Portanto, os partidos políticos não têm poderes de verificação ou de auditoria dos ficheiros que o executivo produz nem poderes de prevenir ou detectar crimes eleitorais com os dados que recolhe.


Quem pode ter poderes de fiscalização mais amplos sobre o processo todo de registo é a entidade supervisora, a Comissão Nacional Eleitoral. Mas sabendo disso, o Executivo não atribuiu recursos para a CNE fazer o seu trabalho. Ao invés de dizer isso aos cidadãos, ouvimos o Senhor Presidente da CNE vir a público criticar os partidos políticos por não estarem presentes nos postos de recolha de dados, esquecendo-se que a fiscalização pelos partidos políticos não é uma obrigação, é uma faculdade. Esqueceu-se ainda o senhor Presidente da CNE que a entidade supervisionada pela CNE é o Executivo, que é a entidade registadora, e não os partidos políticos.


O presidente da CNE sabe muito bem que a fiscalização dos actos de recolha de dados é uma gota quase insignificante no processo de controlo do processo de registo eleitoral. Sabe ou devia saber que as grandes infracções à lei do registo eleitoral são cometidas por agentes do partido-estado, fora dos locais de registo, e, por isso, escapam à fiscalização formal dos partidos políticos. Mas não escapa ao controlo e à vigilância do povo eleitor.


A Lei manda a CNE, enquanto supervisora do registo eleitoral, conhecer e participar estas infracções ao Ministério Público (Alínea g) do artigo 38.º do Decreto Presidencial n.º 229/15, de 29 de Dezembro). Já se passaram 60 dias e já se observaram dezenas de infracções, mas, pelo que sabemos, a CNE ainda não fez nenhuma participação ao Ministério Público.


Ficamos também muito perturbados de ouvir que o Presidente da Comissão Nacional Eleitoral ordenou a abertura de processos disciplinares contra mais de 700 comissários eleitorais, em todos os municípios e províncias do país, por terem escrito à Assembleia Nacional para obter do legislador o esclarecimento de dúvidas e omissões que a lei suscita. Ficamos mais preocupados ainda quando ouvimos da porta-voz da CNE que aquelas entidades foram sancionadas e condenadas em hasta pública mesmo antes de serem ouvidas, só pelo simples facto de terem defendido a lisura e a transparência do processo eleitoral em curso.


Exigimos que as entidades competentes nesse processo assumam as suas responsabilidades e que as práticas que configuram ilícitos terminem imediatamente.


Exortamos os angolanos de todas as origens e credos a proceder ao seu registo. Façam a prova de vida. Fiscalizem o processo. Continuem firmes na defesa da integridade eleitoral e da soberania popular. Porque só registados poderemos operar a mudança para uma Angola melhor.

Muito obrigado.


ALGUNS EXEMPLOS DOS ILICITOS REGISTADOS

No dia 26 de Agosto, o Comité do MPLA na Embala Camanha no Município de Catabola, Província do Bié, teve acesso ilegítimo às redes de informação que alimentam a BDCM. O Regedor da embala, Senhor Augusto Vitangui e seu Adjunto Senhor Kahungu, encaminharam a população do seu Bairro para o Comité do MPLA e foi lá que fizeram o registo.

No dia 4 de Setembro, o Comité do MPLA, o soba e a JMPLA do Bairro Kakunhu tiveram igualmente acesso ilegítimo às redes e terão procedido ao registo paralelo e ilegal de cidadãos.


Na maior parte das províncias, o crime acesso ilegítimo tem sido praticado por administradores municipais e responsáveis locais do MPLA em concurso real com os crimes de promoção dolosa do registo e recolha coerciva de cartão de eleitor.


Em Viana, por exemplo, de 4 a 8 de Outubro, o CAP n.º 645, CAP Gika, promoveu dolosamente o registo eleitoral de 22 cidadãos, sem a presença física dos mesmos, conforme consta do mapa assinado pelo 1º Secretário do CAP, Sr. Miguel L Canjeque.

No Cazenga, o Senhor Manuel Mateus, cidadão com titular do cartão de membro do MPLA número 032893, natural de Nambuangongo, residente em Viana, estava na posse de 29 cartões de eleitor.


No dia 9 de Setembro, no Bairro da Estação, em Catete, foram encontrados 30 cartões de eleitor na posse do senhor Jacinto Bumba, Coordenador do referido Bairro. No dia 19 de Setembro, a Administradora do mercado das Salinas, Maria Juliana Diniz e o Agente da Policia Nacional afecto ao Comando do Benfica, Senhor Faustino Dias de Oliveira, titular do NIP 0004507, procederam à recolha compulsiva de cartões de eleitores aos vendedores daquele mercado e aos feirantes.


Na Lunda Norte, os mesmos crimes começaram a espalhar-se por todos os municípios da província a partir do dia 19 de Setembro, com realce para os municípios de Capanda-Camulemba, Lôvua e Cambulo. No dia 20 de Outubro, um cidadão chamado Ódio Santos, funcionário da Administração Municipal do Chitato, foi surpreendido a aceder à informação contida em 50 cartões de eleitor que alimenta a base de dados do registo eleitoral. Filmado pelos fiscais da UNITA, o infractor procurou logo anular os meios de prova. Mobilizou membros do MPLA que partiram para a agressão física e furtaram o ipad do fiscal.

O Soba Makamba, da Regedoria Hungula no Sector Mbole-Kassanje Kalukala, foi encontrado na posse de 94 cartões de eleitor justificando cumprir ordens do Administrador Comunal. Na mesma área, a Senhora Belita, da OMA, procedeu à recolha coerciva de pelo menos 37 cartões de eleitor.


No Kazombo, Moxico, o 2º Secretário Municipal do MPLA Sr. Fernando Mununga orientou os seus subordinados nos bairros Chinuque e Vitangui para organizar mesas paralelas junto das mesas dos brigadistas, com o propósito de aceder aos dados dos cidadãos constantes dos cartões de eleitor.


Em Cabinda, há uma desinformação generalizada sobre o registo eleitoral, coordenada pelos responsáveis das campanhas de educação cívica a nível dos Municípios, com vista a obstruir a actualização do registo. Os activistas dizem que o registo eleitoral é promovido pelo Partido MPLA, que é um partido hostil à população, facto suficiente para obstruir o registo.


Ao mesmo tempo, as próprias Administrações Municipais criaram brigadas específicas para procederem à recolha coerciva de cartões de eleitor. Os relatos que recebemos indicam que a consumação desses crimes terá contado com o concurso material de funcionários públicos devidamente identificados.


Devo recordar que, existe obstrução ao registo eleitoral quando alguém impede ou induz o cidadão a não promover o seu registo, utilizando violência, ameaça ou artifício fraudulento. O artifício fraudulento, no caso de Cabinda, tem sido, a indicação de que o MPLA vai actualizar os registos de quem entrega os cartões. Pura mentira, claro, porque o registo é presencial.


Já na província do Bengo, por exemplo, o artifício fraudulento tem sido a emissão de cédulas. Na Comuna do Úcua, no Bairro do Gulungo, nos dias 3 e 4 de Outubro, quando a brigada móvel passou por aquela localidade, um número indeterminado de eleitores ficou impedido de actualizar os seus dados porque os seus cartões haviam sido coerciva e fraudulentamente recolhidos semanas antes, por funcionários da Administração comunal, alegando que os mesmos cartões serviriam para tratar cédulas pessoais. Esta fraude foi orientada e conduzida pelo cidadão Cláudio Carlos Kileba, funcionário daquela administração comunal.


Em toda a extensão da Província do Huambo e em alguns municípios do Bié os crimes de acesso ilegítimo, promoção dolosa de registo e obstrução ao registo também têm ocorrido em concurso real com o crime de recolha coerciva de cartões de eleitor. Os seus autores materiais são os coordenadores dos CaAPs., os Sobas e membros da JMPLA. A orientação que receberam foi para recolher cartões de cidadãos já falecidos e entregarem aos primeiros secretários do MPLA.


Assim, no dia 11 de Setembro, pelas 17 horas, o Sr. Celestino Pimela, Director da Escola do Mungunja, procedeu à recolha coerciva de cartões nas residências do Bairro de Lua Cheia. No dia 13 de Setembro, o cidadão Marcelino Kunza, residente na Aldeia da Comuna do Cuima, Sector do Gove, também foi surpreendido a recolher cartões com fins inconfessos.


No 18 de Outubro, a equipa de comissários eleitorais da Chikala Cholohanga que estava escalada para a supervisão, não fez o seu trabalho porque o responsável da Repartição dos Registos daquele município, Sr. José Maria Afonso Chama, disse-lhes por telefone que os aparelhos estavam em manutenção. A equipa de comissários decidiu então ir visitar a referida Repartição. Postos lá, encontraram quatro brigadistas com seus aparelhos bem operacionais e cada um tinha em posse um lote de cartões de eleitor. Um dos comissários perguntou o que estavam a fazer com aqueles cartões e como os obtiveram? Ao que o responsável dos Registos, subordinado do Ministro da Administração do Território, respondeu dizendo que eram cartões dos falecidos, recolhidos pelos sobas e que estavam a eliminá-los da base de dados.


No dia 15 de Setembro, no Município de Kunhinha, a senhora Maurícia Antónia, Presidente da Comissão Municipal Eleitoral, reuniu-se com os sobas na Regedoria Municipal, tendo-os orientado a efectuarem o registo dos jovens de ambos os sexos que não têm cartões eleitorais e canalizar os mesmos nomes à Administração Municipal. Foram orientados ainda para recolherem os cartões dos falecidos existentes em cada aldeia para serem “actualizados” às escondidas, apenas com o conhecimento da Administração e dos sobas.


Na província do Bié, o crime de obstrução à actualização do registo também tem sido consumado em concurso recurso real ou material com o crime de recolha coerciva de cartões de eleitor. O móbil tem sido a fraude e a ameaça.


O Governo local recorreu à ameaça para obter acesso ilegítimo aos dados dos cidadãos que alimentam a Base de dados dos Cidadãos Maiores. Através da Direcção Provincial da Educação, Ciência e Tecnologia, emitiu instruções para os funcionários públicos fornecerem dados eleitorais e entregarem seus cartões de eleitor, com o alegado fito de “controlar a adesão ao registo eleitoral.” A mesma medida tornou-se extensiva aos demais serviços públicos. A partir de ontem, porém, decidiu ordenar seus agentes a passarem de casa em casa para fazer a recolha coerciva de dados eleitorais. A ameaça é que quem não o fizer ficará privado dos seus salários.

Violação dos deveres relativos ao registo


Em todas as províncias registam-se violações gerais dos deveres relativos ao registo. Um desses deveres emana do direito que a Lei do Registo Eleitoral confere aos fiscais, no seu artigo 60.º, de “obter informações sobre os actos de registo presencial e sobre o seu progresso.” Nos primeiros dias, com base nesse direito, os fiscais solicitavam e as brigadas forneciam o número de registos efectuados em cada dia. Este direito foi depois violado, com base na Circular n.º 3210.00.01, do Ministro da Administração do Território, datada de 8 de Setembro, que proíbe os brigadistas fornecer dados do registo aos fiscais dos partidos políticos.


Estão também a ser observadas violações aos princípios da isenção e imparcialidade. As estruturas do MPLA na Comuna do Malmo e em outras aldeias de Cabinda, por exemplo, aproveitam as brigadas de registo para exibir propaganda política. Organizam os seus militantes que aparecem uniformizados nas brigadas de registo eleitoral exibindo material de propaganda de forma a influenciar psicologicamente as pessoas.


Além disso, nem todas as administrações municipais do país têm ainda postos fixos de registo e não há um plano antecipado do trabalho de cobertura do território e do eleitorado pelas brigadas móveis que seja conhecido por todos os fiscais. As áreas conhecidas como de fraca implantação do MPLA estão a ser discriminadas. Isto acontece em todas as províncias do país, com destaque para, Quando Lubango, Lunda Sul, Benguela, Luanda e Uíge.


Há um caso grave de agressão do fiscal da UNITA de nome Pedro Muyungueleno Zambi Kuali, credenciado pela Administração Municipal do Cuango e colocado no Luremo. Foi agredido e roubado na sua residência no dia 8/9/2016 por 20 jovens da JMPLA a mando do Soba Ngana Mussanga – Secretário do CAP da Comuna do Luremo. O Comando da Policia ignorou o seu pedido de socorro e protecção. A partir daí, até à data presente, a comuna de Luremo ficou sem fiscais.