Luanda - Atendendo aos respeitáveis pedidos de alguns dos nossos colegas, amigos, leitores e, inclusive, de ex-alunos, voltamos a publicar, neste jornal, os nossos humildes textos sobre os escreveres e falares agramaticais. Esperamos, como sempre, continuar a ajudar naquilo que for possível e dentro dos nossos conhecimentos gramaticais e linguísticos.


Littera-Lu
Fonte: Jornal O CRIME

Bento dos Santos tem sido, sem dúvidas, vítima do preconceito linguístico no país, a ver-se como é tratado devido às suas construções frásicas orais que, segundo os preconceituosos, “fere a integridade do bom corpo da língua portuguesa”:

1 - "COM A SUBIDA DO PREÇO DO SALDO, AS PESSOAS NÃO VÃO MAIS TELEFONAR, MAS FAZER CHAMADA."
2 -"EU NASCI NO MOXICO DESDE QUE EU ERA CRIANÇA."
3 -"COLEGA, EU AINDA NÃO FALEI. SÓ RESPONDI."
4- "EU NÃO TROCO FUTEBOL POR DESPORTO."
5- "ANGOLA É O PAÍS MAIS ORGANIZADO DE ANGOLA."

É necessário mencionar que podemos fazer uso de regras para escrita diferentes da oral, sem prejuízos à nossa identidade linguística; existe, aliás, uma grande diferença entre o português que se ensina e como o idioma é utilizado no quotidiano pelos seus falantes. A norma do português falado em Angola deriva do uso da língua e não das prescrições tradicionais da gramática. A essas regras, nós, os falantes, dominamos naturalmente, sem algum artificialismo, respeitamos e sabemos usá-la.

Então, a nosso ver, essas frases são mais irónicas do que desviadas. Em 1, como as LIGAÇÕES estão muito caras, as pessoas não LIGAM mais, isto é, não falam ao telefone; apenas fazem CHAMADAS, dão avisos curtos, sem conversas. A 2 parece brincadeira, como "Sou angolano desde que nasci." A 3 é claramente irónica: o indivíduo não teve chance de ter voz activa, apenas respondeu (a)os questionamentos do interlocutor. A 4 indica que o futebol é mais que um desporto, talvez uma paixão ou uma forma de viver. A 5 mostra que não cabe comparação quanto à organização do país; numa forma de elogio falso: Angola é o país mais organizado de toda Angola, isto é, não é organizado a ponto de ser comparado com outros países. É como dizer "Tu és minha irmã preferida", quando só se tem uma única irmã. Isso serve, sobretudo, para demonstrar aos demais puristas e conservadores dos dogmas da velha tradição gramatical que, conforme refere Bagno, ‘’nada na língua é por acaso’’.


O preconceito linguístico não é, ainda, considerado crime, porque não está directamente relacionado a uma violência física efectiva, diferentemente da homofobia e do racismo. A nosso ver, por ser uma violência "meramente" moral, os legisladores não dão tanta importância. Até porque é uma discriminação exclusivamente contra as classes económicas mais baixas, então, em bom português, ninguém dá a mínima, infelizmente.

Por outro lado, toda a língua muda e varia. O que hoje é visto como certo já foi erro no passado. O que hoje é visto como erro pode vir a ser perfeitamente aceite como certo no futuro da língua. A língua portuguesa não vai bem nem mal. Ela simplesmente vai, isto é, segue o seu caminho, transformando-se segundo as suas próprias tendências internas.


Partindo do pressuposto de que o homem, de acordo com Aristóteles, “é um animal político”, pode-se, tal como defende Marcos Bagno, afirmar que “tratar da língua é tratar de um tema político, já que também é tratar de seres humanos”.

 

Assim sendo, respeitar a variedade linguística de uma pessoa é, sem sombras de dúvidas, respeitar a integridade física e espiritual dessa pessoa como ser humano digno de todo o respeito, porque a língua premeia tudo, ou seja, ela nos constitui enquanto seres humanos. Para o sociolinguista Marcos Bagno, nós somos a língua que falamos. Enxergamos o mundo através da língua.

 

A União Tolerância Linguística (UTL), fundada por Caetano de Sousa João Cambambe, Tomás Calomba, por mim, Littera-Lu, etc., está a ser acusada de querer tentar transformar a língua na casa da mãe Joana, onde cada um, por seu turno, faria e desfazia; de querer descredibilizar a sintaxe pelo facto de questionarmos a aplicabilidade, na vida prática, dos apostos, sujeitos, predicados, atributos, predicativos, agentes da passiva, complementos oblíquos, modificadores restritivos, etc. De igual modo, por nos demonstrarmos totalmente críticos e oponentes, nalguns casos, em relação àquilo que o padrão linguístico estrangeiro vigente em Angola dita como a única forma de falar português; por demonstrarmos que nada na língua é por acaso; por demonstrarmos que aquele padrão não tem nada de especial e do melhor em relação ao português falado em Angola; por demonstrarmos que o modo estranho de falar uma língua tem, nas ciências sociais, uma resposta que vai além do “correcto” e do “errado”, do sim e do não, do existente e do inexistente; por demonstrarmos que o Ensaboado & Enxaguado é só mais uma prova viva da existência de muitos equívocos linguísticos, da fomentação do preconceito linguístico, desrespeito à pessoa humana, desconsideração do falante, falta de conhecimento da realidade sociolinguística angolana, desvalorização da língua portuguesa, que não é de Portugal, que por aqui se fala; por demonstrarmos que certas teorias gramaticais são simplesmente frutos de delírios irracionais de muitos que dizem ser conhecedores da língua, terminando, finalmente, com ausência de análises no que à ciência da linguagem diz respeito.

 

Apesar de José Carlos de Almeida ser visto pela mídia e por muitos desconhecedores da língua como um deus da língua; apesar de ter um dos livros visto como um dos melhor(es) e, se calhar, dito por pessoas que nada entendem sobre a ciência da linguagem, digamos; na verdade, não é levado a sério por estudiosos, professores, pesquisadores e pessoas formadas no ramo da Linguística, aqueles que, por intermédio da ciência, procuram estudar a língua.

 

À semelhança de Pasquale, no Brasil, o nome de José C. de Almeida só tem sido divulgado, nas nossas academias, mormente em Departamentos de Linguística e Literatura Portuguesas, como um exemplo claro de reflexões menos científicas sobre a língua e, caso seja possível, conforme diz Bagno, ‘’como exemplo de uma atitude anticientífica dogmática e até obscurantista no que diz respeito à língua e seu ensino’’. Devido à marcha atinente ao preconceito linguístico e à petição da correcção e edição do livro cujo nome preferimos, por razões alheias à nossa vontade, não citar pela segunda vez, o autor disse, numa entrevista, para o nosso espanto, que nós, União Tolerância Linguística, estamos a ‘’persegui-lo’’. Ora, há uma razão para tal, conforme Bagno disse, numa carta endereçada à revista brasileira Veja, a Pasquale.

*União Tolerância Linguística